MarioSabino

Ponha o pau na mesa, Fux

02.10.20

Não sou ninguém para dar conselhos. Se os aconselhados os leem, o que duvido, não os seguem. Foi o que ocorreu com Michel Temer e Jair Bolsonaro, a quem fiz recomendações. Mas a minha compulsão para aconselhar é mesmo irresistível. Por isso, vai aqui a minha sugestão a Luiz Fux: ministro, como presidente do Supremo Tribunal Federal, ponha o pau na mesa.

Não é segredo que Gilmar Mendes se considera o verdadeiro chefe do Poder Judiciário. Outra manifestação dessa presunção veio à tona nesta semana. O senhor ficou fulo com o fato de Jair Bolsonaro ter ido à casa do Cardeal Richelieu de Mato Grosso, acompanhado do senhor K, o desembargador Kassio “Centrão” Marques, convidado pelo presidente para ser o substituto de Celso de Mello no STF. A sua zanga deve ter aumentado com a informação de que Dias Toffoli também participou do convescote organizado por Davi Alcolumbre (que conta com o Supremo para reeleger-se presidente do Senado e o meu corretor ortográfico insiste em chamar de “Malcolumbre”). Como o encontro foi à noite, na caluda, a indicação para um novo ministro do tribunal ganhou contornos de conspiração.

Ao saber da história pelos jornais, o senhor igualmente lançou indiretamente mão da imprensa para mostrar que ficou bravo. Diante da sua manifestação, Gilmar Mendes deu um passinho para trás, dizendo por meio de seu porta-voz que não era burro de indicar um nome para vaga no STF. Não acredite, ministro Fux: por que o senhor acha que Jair Bolsonaro foi com o senhor K à casa de Gilmar Mendes? Para pedir a bênção do Cardeal Richelieu, está claro. Dada a bênção, o ministro da Propaganda, presente ao encontro, encarregou-se de passar a notícia adiante. Na minha opinião, ser procurado para abençoar equivale a indicar ou até mais.

Outra pergunta: quem o senhor acha que estimula as críticas ao senhor nos jornais, pelo fato de apoiar a Lava Jato? O mesmo personagem que açula colunistas a atacar Luís Roberto Barroso, outro apoiador da operação, e Luiz Edson Fachin, relator dos processos abertos no âmbito da operação. Mais um ponto: parece que agora todos os ministros do STF deixaram de lado as diferenças, por causa do inquérito do fim do mundo. Com o perdão do atrevimento, o senhor e a maioria do pleno foram engabelados com essa conversa de que o STF enfrenta grandes ameaças. O inquérito serviu — e ainda serve — para saber o que a Lava Jato tem contra integrantes dos tribunais superiores, como mostrou a Crusoé, e deixar ainda mais à vontade os ministros adversários da operação. Também serviu — e ainda serve — para domesticar Jair Bolsonaro. E o lado oculto da domesticação (que já era não tão oculto assim) ficou mais evidente com a bênção para o senhor K.

A introdução foi relativamente longa, mas a conclusão será curta: ponha o pau na mesa, ministro Luiz Fux, repito. A minha primeira sugestão é deixar claro a Bolsonaro que vagas no STF não podem ser objeto de negociação com outros ministros do tribunal. Como? Dê um tranco no sujeito lá na frente. Oportunidades não irão faltar. O segundo conselho é encurtar bastante o prazo para terminar essa excrescência de inquérito aberto por Dias Toffoli. A estrovenga foi constitucionalizada, mas continua a ser do fim do mundo. É um bom recado acabar logo com ela. Como sou maníaco por conselhos, ouso dar um terceiro: o senhor deveria abrir um inquérito de ofício (agora pode, não é?), para investigar se políticos e gente próxima a eles minam a credibilidade do STF, tentando interferir em ações que correm no tribunal. Nomeie Luís Roberto Barroso para conduzi-lo, que tal?

Pau na mesa. Lembre-se de que o poder só existe quando é exercido.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO