ReproduçãoSessão do Parlamento da Suécia: três automóveis para 349 deputados

Um fosso a nos separar

Em diversos países, a população pede a redução do número de parlamentares e de assessores, bem como de suas regalias. Em nenhum deles, contudo, há máquinas tão inchadas quanto a do Congresso brasileiro
02.10.20

Uma reportagem da última edição de Crusoé mostrou o quanto é inchada a estrutura do Congresso brasileiro. Com auxílios de diferentes espécies para deputados e senadores e gabinetes apinhados de assessores, a Câmara e o Senado custam aos cofres públicos mais de 1,3 bilhão de reais por ano. É algo monumental se comparado a nações mais ricas que já atingiram níveis mais elevados na escala civilizatória e até a outras que estão no mesmo patamar ou abaixo do nosso. Nenhum país do mundo tem mais assessores no Poder Legislativo do que o Brasil. Só a Câmara dos Deputados tem 14.248 secretários, assessores e funcionários em cargos especiais. O Senado tem 5.932 funcionários. São 20 mil pessoas com cargos remunerados para servir às nossas excelências. O Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, tem 15 mil assessores. O México, em torno de 6 mil. Em todos os demais países, os parlamentos não somam mais de 4 mil funcionários.

Senadores americanos precisam obedecer ao limite de 50 auxiliares. É um número menor, por exemplo, do que o senador tucano Izalci Lucas, do Distrito Federal, tem sozinho: 79. Os senadores do Partido Socialista Espanhol, que têm a maior bancada, compartilham 21 assessores. Já na Câmara dos Deputados da Espanha, o total é de 204 assessores. “Há um número grande de cargos comissionados nos gabinetes parlamentares brasileiros, principalmente na Câmara. Apesar da quantidade, isso não se reflete necessariamente em eficiência do atendimento ao público”, diz Lucio Rennó, que pesquisa o Poder Legislativo e é professor da Universidade de Brasília.

Câmara de Deputados da Espanha: 204 assessores no total
Em relação aos privilégios, vários países reembolsam os custos dos deputados que estão ligados ao desempenho de sua profissão, como passagens, gasolina, contas de celular e material de escritório. A principal diferença em relação ao Brasil está no gosto pelo uso do transporte particular. Este ano, os deputados brasileiros gastaram 15 milhões de reais com aluguel de automóveis. Em outros países, a regra é reembolsar os valores gastos com o transporte público ou com táxis. Na França, os deputados ganham um cartão nominal que lhes permite andar de trem em primeira classe. Para as viagens aéreas, nada de fretar jatinhos. Por ano, cada parlamentar pode fazer 80 voos comerciais para os seus distritos eleitorais e doze para outras cidades do país, com direito a um acompanhante. Para toda a Assembleia Nacional da França, com 577 deputados, há uma dúzia de carros com motoristas, os quais normalmente são usados para receber delegações estrangeiras ou missões protocolares. Os parlamentares franceses também podem pedir o reembolso de serviços de compartilhamento de carros e de bicicletas.

Congressistas que não têm residência em Paris recebem um valor extra para arcarem com moradia. Cerca de metade dos deputados têm a possibilidade de dormir no próprio gabinete. Os demais podem usar um dos 51 quartos da Residência da Assembleia Nacional. Se preferirem dormir em um hotel de Paris, o valor não pode passar de 200 euros. Nos Estados Unidos, deputados e senadores não recebem ajuda de custo para morar em Washington.

Em matéria de luxo, a rica Suécia está do lado oposto da opulência dos congressistas brasileiros. No início de cada ano, cada um dos 349 deputados do país recebe um cartão para usar no transporte público. A frota do Congresso é de apenas três automóveis, os quais são usados em eventos oficiais. Os deputados que não moram em Estocolmo, a capital, podem ocupar um apartamento de 46 metros quadrados com lavanderia comunitária – muitos dos imóveis funcionais de Brasília têm mais de 220 metros. Há também à disposição dos parlamentares suecos quitinetes funcionais, com 16 metros quadrados cada. Nos dois casos, são os próprios parlamentares que realizam a faxina da habitação. “A sociedade sueca não é tão hierarquizada como a nossa e não tem uma tradição patrimonialista, o que faz com que muitos dos benefícios que existem em outros países sejam impensáveis por lá”, diz Adriano Gianturco, professor de relações exteriores do Ibmec.

ReproduçãoReproduçãoItalianos apoiaram redução no número de parlamentares
Ao adiar a discussão de medidas para reduzir o custo do Congresso e conter seus excessos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tenta se esquivar de uma tendência que tem crescido no mundo nos últimos quatro anos e que, em muitos casos, tem incluído a redução do número de parlamentares. Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a sinalizar com uma iniciativa desse tipo. No ano passado, o presidente Sebastián Piñera, pressionado por protestos nas ruas, propôs uma redução no número de deputados de 155 para 120 e o de senadores de 43 para 40. A proposta poderá ir adiante caso os chilenos aprovem uma reforma constitucional em um plebiscito marcado para 25 de outubro.

Até agora, o país que foi mais longe no enxugamento do Legislativo foi a Itália. O Movimento 5 Estrelas — que tem na democracia direta, sem intermediários, uma de suas principais bandeiras — capitaneou uma campanha para reduzir o número de parlamentares. No mês passado, os italianos aprovaram a diminuição do número de deputados de 630 para 400, e de senadores de 315 para 200. Cerca de um terço das cadeiras será eliminado. A economia será de 250 mil euros por dia. Por aqui, a despeito da necessidade premente de economizar, não há sinais de que nossas excelências estejam dispostas a enxugar a máquina que lhes serve com tanta pompa e circunstância.

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