É a pandemia, estúpido
O anúncio de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contraiu o coronavírus transformou a campanha em uma disputa com um único tema, a Covid-19. Nos dias seguintes, Trump disparou mensagens sobre todos os outros assuntos possíveis. Acusou a imprensa de espalhar fake news, disse que os democratas tentam espionar sua campanha e querem fechar igrejas, ameaçou aprovar um pacote de estímulo da economia por decreto, reclamou da investigação sobre conluio com a Rússia, acusou a existência de fraudes no voto pelo correio, prometeu ajudar companhias aéreas, disse que vai ter racionamento de água na Califórnia e falou da sua indicação para a Suprema Corte. De nada adiantou. Todo mundo só fala da pandemia.
Quando tocou no assunto do momento a contragosto, Trump menosprezou o perigo, repetindo o que já vinha fazendo nos meses anteriores. Falou que as pessoas não devem ter medo do coronavírus e publicou um post dizendo que os americanos se adaptaram à gripe, assim “como nós aprendemos a viver com a Covid, que em muitos lugares é bem menos letal!”. A mensagem foi apagada pelo Facebook e pelo Twitter porque espalhava informação perigosa ou enganosa. Na quarta, 7, Trump voltou a despachar do Salão Oval da Casa Branca, desrespeitando as recomendações de permanecer pelo menos dez dias isolado após o aparecimento dos sintomas. Funcionários e assessores passaram a correr o risco de contágio.
A questão é que, mesmo que o presidente americano trate o coronavírus com desdém, ficou impossível desviar a atenção do problema, principalmente depois que ele foi infectado. “A Covid continua dominando a vida nos Estados Unidos e o fato de o presidente ter sido infectado faz com que isso se torne incrivelmente relevante para os eleitores”, diz o cientista político americano David Peterson, da Universidade Estadual de Iowa. Além de se preocuparem com a questão, os americanos acreditam que Trump contraiu o vírus porque não tomou as precauções necessárias e o culpam pelo que aconteceu. É por isso que, apesar de convalescente, o presidente não despertou uma onda de simpatia no eleitorado. Pelo contrário. A distância dele para o democrata Joe Biden, à frente nas pesquisas, subiu de sete para dez pontos percentuais.
Nas pesquisas feitas neste ano, a economia aparece no topo das listas dos assuntos que mais preocupam os americanos. Mas é preciso interpretar o dado, porque o tema não pode ser dissociado da pandemia. “A Covid é a questão prioritária nesta eleição presidencial. Se as pessoas estão incomumente preocupadas com a economia, é porque a Covid afetou severamente os negócios”, diz o cientista político Seth Masket, da Universidade de Denver. “A doença é um assunto que está constantemente na mente do público, especialmente porque o presidente está doente, e afeta quase todos os americanos de forma muito direta.”
Uma pesquisa do instituto Pew Research mostrou que, para três em cada quatro americanos, a recuperação da economia só pode acontecer com uma redução significativa do número de infectados. Apenas dessa forma as pessoas se sentirão confortáveis para retornar a lojas, escolas, restaurantes e locais de trabalho. A conclusão se ajusta perfeitamente à campanha de Joe Biden, que tem repetido o mantra de que é preciso controlar a pandemia primeiro para a economia crescer depois.
Apesar de ter retornado ao trabalho na quarta, 7, Donald Trump encontrou uma Casa Branca esvaziada. Sua secretária de imprensa, o gerente de sua campanha e o assessor que escreve seus discursos estão com Covid. Vinte funcionários da Casa Branca já foram infectados. O próximo debate, marcado para o dia 15, provavelmente não irá acontecer. A comissão organizadora anunciou que os candidatos terão de ficar debater virtualmente, para proteger a saúde e a segurança dos participantes. Trump ficou furioso e ameaçou não participar. O presidente pode até menosprezar o problema, mas dificilmente convencerá alguém de que a Covid não é a grande questão.
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