A sabatina de lá
A sabatina de quatro dias da juíza Amy Coney Barrett para ocupar uma vaga na Suprema Corte dos Estados Unidos terminou nesta quinta, 15, após testemunhas prestarem alentados depoimentos sobre ela. Falaram advogados, especialistas em direito, ex-alunos de Amy na Universidade de Notre Dame e um ex-assessor. Nos dois dias anteriores, os senadores bombardearam a juíza com perguntas tentando antever como sua concepção jurídica, sua fé, suas opiniões e atitudes prévias poderiam interferir em suas decisões futuras na Suprema Corte, caso seu nome seja aprovado. Amy foi evasiva em muitos pontos, dizendo que irá julgar os casos que chegarem à corte com base na legislação e nos precedentes. Ainda assim, o ritual a que ela foi submetida tem um papel basilar na democracia americana e poderia servir de inspiração para a sabatina do desembargador Kassio Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro a uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Na sabatina, Amy afirmou não ter uma agenda prévia. “Os juízes não podem simplesmente acordar um dia e dizer: ‘Tenho uma agenda, gosto de armas, odeio armas, gosto de aborto, odeio aborto’ e entrar como uma rainha e impor sua vontade ao mundo”, disse ela. A juíza argumentou que, apesar de ser católica praticante, não tenta impor suas crenças aos demais, e tampouco usa sua função para isso. Seguidora da doutrina do originalismo, que busca respeitar o sentido das leis no momento histórico em que elas foram ratificadas, ela disse que o método pode redundar em decisões tanto conservadoras como progressistas.
Uma das funções da sabatina, transmitida ao vivo por dezenas de canais na televisão e na internet, é expor o indicado e desafiá-lo, em uma demonstração de que o compromisso com a legislação e com o bem da sociedade devem prevalecer nas decisões. Ao final, com perguntas diretas e de natureza política, os senadores em Washington conseguiram extrair declarações importantes. Com base nelas, a juíza poderá ser cobrada no futuro. Perguntada se ajudaria o presidente Trump se o resultado da eleição de novembro for parar no tribunal, ela disse que não está disposta a fazer acordo com ninguém: “Eu sou independente”. Sobre a ampliação da cobertura de saúde implementada pelo ex-presidente Barack Obama, a juíza disse não ser hostil ao que já foi feito. Em relação ao aborto, ela falou que a decisão que liberou a prática em 1973 não é um “super precedente”, uma vez que tem sido contestada desde então, mas que isso não significa que a sentença precisa ser revogada.
“Dificilmente um senador brasileiro faria perguntas mais incisivas sobre política. Em geral, eles privilegiam questões jurídicas ortodoxas, como se o sabatinado estivesse se submetendo a uma prova oral”, diz Antonio Sepulveda, pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições da UFRJ. “Ao formular suas questões, nossos senadores costumam se travestir de alunos curiosos que desejam respostas de seu mestre.” A escolinha do professor Kassio estará longe de ser a prova de fogoo da indicada Amy Coney Barrett.
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