Existe método na loucura de Trump?

27.07.18

Faço todos os dias um esforço genuíno para concordar com Boris Johnson, o peculiar ex-chanceler do governo Theresa May, na avaliação que faz de Donald Trump. “Há método em sua loucura”, diz Johnson, sobre as medidas adotadas pelo presidente americano na geopolítica e na economia.

Trump moldou seu estilo de negociação no setor imobiliário de Nova York. Trata-se de ecossistema onde grandes predadores, e não pequenos roedores, prevalecem no final. Mas é também uma cena em que todos blefam. Leões miam e ratos rugem. O atual presidente dos EUA é um jogador. Opera e negocia sob cortinas de fumaça. “Chuta para o alto” como forma de alcançar o melhor resultado possível.

Imaginemos, ao contrário do que hoje é consensual entre analistas, que Trump não deseja “destruir” a ordem ocidental – o conjunto de regras e instituições centradas em torno de livre-comércio, economia de mercado, democracia representativa e estado de direito.

Suponhamos, em vez disso, que nas investidas contra a União Europeia, OMC, ONU e OTAN, o presidente dos EUA almeja reformar o sistema internacional, tornando-o, a um tempo, mais atualizado e menos injusto. Que elementos poderíamos enxergar de modo a confirmar tal hipótese? Como entender que, em vez de demoli-la, Trump promove a “reengenharia” da globalização?

Para sustentar tal perspectiva, mostra-se necessário estipular que Trump não seja, em tese, um inimigo do livre-comércio. Ao abandonar a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) ou buscar o redesenho
do Nafta, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, Trump em realidade talvez queira simplesmente diminuir as “assimetrias” dos tratados.

Isso mexe com a doutrina de política externa dos EUA implementada desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesse período, é verdade, Washington trocou benefícios econômicos por influência geopolítica. E grande parte da ascensão de Japão, Alemanha, UE, Coreia do Sul e mesmo China pode ser explicada por tal “troca”.

Já que muitas das razões para tal condescendência — como a reconstrução da Europa pós-1945 ou o comunismo como força geopolítica — deixaram de existir, agora seria o momento de reestruturar o sistema
internacional. Assim, ficariam restabelecidas as condições de competição não apenas dos EUA, mas também de outras nações.

Trump tem afirmado que a Otan está obsoleta. Ora, é verdade. Os motivos da criação da Aliança relacionados à Guerra Fria não existem mais. Para os que defendem a postura de Trump, isso não implica desmanchar vínculos estratégicos com a Europa. Significa, sim, atualizar o foco de atenção da Otan (voltando-a, por exemplo, ao combate a ameaças terroristas), além de redimensionar contribuições orçamentárias de modo que os europeus aumentem sua fatia na conta a pagar pela defesa ocidental.

E é possível acrescentar a esses argumentos uma série de outras posições de Trump que, em princípio, poderiam ajudar a globalização. Todos teríamos a ganhar com a reforma de instituições como FMI e Banco Mundial? É claro. A ONU carece de atualização para que possa representar as atuais equações de poder e capacidade econômica? Não há dúvida.

O cenário geoestratégico fica menos perigoso se Casa Branca e Kremlin cooperarem em temas de interesse global? Teoricamente, sim. E no âmbito do comércio internacional, este ficaria menos injusto se Pequim diminuísse incentivos e barreiras de proteção às empresas chinesas? Com certeza.

O problema é que, para que isso tudo venha a funcionar de modo a produzir resultados benignos no front externo, seria necessário também observar alguns traços alvissareiros no plano interno. Embora sempre indique deslealdade ou incoerência em outros países, Trump não parece disposto a reverter as muitas assimetrias sustentadas pelos próprios EUA.

Não se cogita revisitar o inquestionável protecionismo no setor agrícola ou a política de fomento a “campeãs nacionais” mediante o orçamento do Pentágono – bem camuflado como incentivo à inovação industrial. Falamos aqui de 15% do orçamento de defesa – US$ 90 bilhões – a serviço de manter os EUA na liderança das empresas de alta tecnologia.

A Trumponomics combina protecionismo comercial com incentivo creditício e fiscal a setores empresariais específicos. Comporta crítica à política monetária (que nos EUA cabe ao Federal Reserve Board de forma independente) e também à maneira como outros países administram suas moedas. Impõe barreiras ao comércio de produtos da siderurgia e sustenta que “se você não tem aço, não tem um país”.

Assim, por mais que se queira enxergar Trump – por vias tortuosas – como um fator positivo e restruturante da ordem internacional, fica mais difícil projetar um final feliz para suas ideias econômicas no âmbito interno.

Em vários aspectos, a Trumponomics tem pouco a ver com princípios econômicos liberal-conservadores, e mais com abordagens heterodoxas. Há muito ideias e medidas afeitas à “Nova Matriz Econômica” tragicamente adotada no período Lula-Dilma.

Quando Trump abraça nos EUA os ultrapassados cânones do nacional-desenvolvimentismo, torna-se impossível enxergar método em sua loucura.

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