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“Quero acabar com os privilégios”

João Amoêdo, do Partido Novo, diz que é preciso acabar com as benesses do estado para políticos, funcionários públicos e empresários e defende um choque de liberalismo. Suas ideias ainda têm grande dificuldade de alcançar o eleitorado: até agora, ele não passou de 1% nas pesquisas. Ainda assim, o presidenciável garante que está no caminho certo
27.07.18

O mais liberal dos candidatos a presidente da República tenta estourar a bolha que criou. Com longa experiência no setor financeiro, onde teve cargos em gigantes como Citibank e Unibanco, o carioca João Amoêdo, 55 anos, trabalha para que o partido fundado por ele, batizado de Novo, consiga fazer chegar à maioria da população a mensagem do liberalismo baseada no enxugamento do Estado, no fim dos privilégios no setor público e na ampliação da liberdade econômica. Até agora não conseguiu. As pesquisas indicam que o candidato não passa de 1% das intenções de voto. Ele, porém, comemora. Nesta entrevista a Crusoé, Amoêdo assegura que a bolha do Novo já foi rompida: a legenda está, a seu ver, cada vez mais plural, democrática e tem conseguido alcançar os eleitores com suas ideias. Ele assume, no entanto, que o Novo nasceu elitizado. E, com uma dose talvez exagerada de otimismo, diz que seu nome deve estar entre os preferidos do “mercado”.

Se eleito, quais seriam suas primeiras medidas?
A primeira é o corte de privilégios. O Brasil hoje não funciona porque é um país dos privilégios. Para vários grupos. Para políticos, funcionários públicos, grupos empresariais, Judiciário. Precisa cortar isso. Demos esse exemplo no Novo. Não usamos recursos públicos, nem do fundo partidário, nem do fundo eleitoral. A segunda medida será reduzir ministérios e ocupar os que sobrarem com técnicos em vez de políticos. Terceiro, tem que conversar com o Congresso. Abrir o diálogo porque as mudanças que queremos fazer para tornar o Brasil competitivo e acabar com os privilégios passam pelo Congresso.

Como acabar com privilégios se a decisão passa pelos privilegiados?
É claro que as mudanças são difíceis porque quem está no poder hoje é justamente quem tem os maiores privilégios. Mas acredito que a única forma de fazer isso é pela política. Por isso nós damos muito peso à ideia de colocar uma bancada representativa do Novo no Congresso. Também avalio que isso passa, necessariamente, pelo endosso da população. Não tem jeito. Tem que mostrar para a população que essa é a nossa missão, que todo mundo que está lá foi eleito por nós. O trabalho passa pela conscientização também.

Isso é possível?
Sim. Primeiro porque a gente já fez a constatação em todas essas crises de que o atual modelo não funciona. Segundo, a população também tem essa percepção, mesmo as pessoas de classe mais baixa. Cito uma pesquisa que o PT fez no ano passado na periferia de São Paulo. Perguntaram quem era inimigo, o patrão ou o Estado. E a grande maioria disse que o inimigo era o Estado brasileiro, que cobra muito, é burocrático e não entrega nada. O nível de informação hoje é bem maior. As mídias sociais têm feito um trabalho impressionante.

Mas com o padrão típico do Congresso é algo bem difícil, não?
Não tem outra forma de fazer que não seja deixar muito claras as propostas. Vou abrir o diálogo. Óbvio, vai ter que ter negociação e definir prioridades. Mas será assim: sendo muito claro nas propostas, falando a verdade desde sempre e colocando a população para participar do processo. Isso terá de ser feito. E tem que ser feito às claras, sem toma-lá-dá-cá e fisiologismo, como a gente vê hoje.

O fato de o sr. ter sido sempre um gestor e nunca um político não dificulta esse processo?
Acho difícil dissociar as duas ideias. Não gosto de alguém que seja só gestor ou só político. Pelo menos no Poder Executivo. Na própria iniciativa privada, quando você é gestor, faz política. Hoje me considero um gestor que entrou na política. Serei um político se eleito. A gente sabe de pessoas que entraram na política e depois falaram que não eram políticos, eram gestores. Não. Entramos para a política para sermos políticos. Só que o que a gente quer é uma política diferente. Uma política de transparência, de eficiência, não para ter privilégios. Não gosto da ideia de destruir a política porque acho que a solução é pela política. Por isso que há oito nos anos começamos a montagem do partido. Para isso, você tem que ser um político.

O sr. se apresenta como liberal. O que isso significa para o eleitor?
Eu fiz engenharia e administração. Fiz as duas faculdades juntas e fui trabalhar no mercado financeiro. Sempre muito preocupado em melhorar a gestão das empresas em que eu trabalhava e em atender bem o cliente. Nunca tive nenhuma preocupação (em ser liberal). Nunca li nada sobre essa questão de liberalismo. Nunca foi algo que tenha chamado a minha atenção.

Mas seu partido adotou os princípios do liberalismo econômico nas suas propostas, como a defesa do livre mercado e o respeito às liberdades individuais.
No decorrer do tempo fomos nos aprofundando na política e estudando mais. Ficou claro que os países que têm mais liberdade econômica são os que vão mais para a frente, têm melhor qualidade de vida e maior renda per capita. Até pela lógica do raciocínio, pensamos: é a doutrina liberal que precisamos ter no Brasil, porque ela é que vai melhorar a qualidade de vida das pessoas. A adoção do liberalismo foi uma consequência desse entendimento e não um dogma em si. Nunca dissemos algo como “nós estamos construindo um partido para ser liberal”.

Aloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressAloisio Mauricio /Fotoarena/FolhapressO presidenciável tem reunido plateias qualificadas em seus eventos, mas encontra dificuldades para fazer a mensagem chegar à maioria dos eleitores
Na prática, o que mudaria exatamente?
Qual a melhor forma de melhorar a vida das pessoas? Quais são os lugares que funcionam? Não é Cuba, é Singapura. Não é a Coreia do Norte, é a Coreia do Sul. Então, o que tem de diferente entre quem está bem e quem está mal? É a liberdade econômica. Por isso defendo que seja nesse modelo que devemos caminhar. No Brasil isso fica muito claro quando você vê a ineficiência da gestão pública e esse inchaço do estado. Estamos caminhando no sentido inverso da liberdade econômica. No ranking de liberdade econômica, o Brasil ficou em 153°, depois de Afeganistão e Serra Leoa.

Quais medidas seriam adotadas?
Responsabilidade fiscal. Não gastar mais do que arrecada. Carga tributária menor. Menos burocracia. Ambiente de negócios com mais segurança jurídica. Facilidade para abrir empresa. Menos barreiras protecionistas. E, claro, menos privilégios. Privilégio tira liberdade econômica. Foram dados muitos privilégios a determinados grupos econômicos por meio de barreiras protecionistas e dinheiro subsidiado.

Isso é o que pensam também os economistas que formulam programas de seus adversários, como Paulo Guedes, de Jair Bolsonaro, e Pérsio Arida, de Geraldo Alckmin. No que o sr. difere deles?
Somos mais objetivos no programa econômico. O PSDB diz que não precisamos privatizar todas as empresas, que é melhor fazer algo mais gradual. Mas não me passa a segurança de que não deva haver, por exemplo, o monopólio da Petrobras. Nós somos claros. Defendemos que não haja monopólio do petróleo e que não precisamos de uma estatal como a Petrobras. O Bolsonaro não se colocou a favor da privatização da Petrobras. E tem uma outra diferença que é a capacidade ou o dever de implementar esse modelo, especialmente na parte política. Quando se fala da proposta econômica do Bolsonaro e se vê o que ele defendeu de fato nos últimos 30 anos, é muito diferente disso. Ele votou contra o Plano Real, a favor de privilégios, contra a privatização. O próprio PSDB também defende uma coisa que não fez. Eles já governaram o país e não reduziram ministérios, não criaram um novo pacto federativo para dar mais poder para os municípios, não acabaram com os privilégios. Tenho muita dificuldade em imaginar que MDB e PSDB topariam um modelo, por exemplo, que signifique não ter dinheiro público para partidos. As propostas de quem já está no poder não serão executadas para que esse modelo acabe. Será o mesmo modelo de hoje. Não acredito que farão as mudanças necessárias para colocar o Brasil em outro patamar.

O sr. não acha que há áreas, como a social, em que o Estado é necessário?
Gostaria que o Estado fosse maior e mais eficiente em algumas áreas como saúde, segurança, saneamento e educação. Mas nas outras áreas não tem por que manter o estado. Na medida em que ele avança muito, acaba tirando a liberdade do cidadão. E nosso objetivo é dar mais liberdade e responsabilidade para o cidadão atuar. Acredito que num ambiente de mais liberdade econômica teremos uma prosperidade muito maior, muito mais geração de riqueza e as pessoas terão uma vida muito melhor.

Defende programas como o Bolsa Família, por exemplo?
Alguns programas de proteção para quem está na miséria e na pobreza como o Bolsa Família são interessantes. O problema é que esse argumento tem sido utilizado pelos nossos políticos para inchar o estado em benefício próprio. Não só consumimos a carga tributária como estamos nos endividando ainda mais, e endividando as próximas gerações também. Mesmo assim, a qualidade dos serviços está piorando. Agora saiu o ranking de segurança e o Brasil ficou com o nono maior número de homicídios para cada 100 mil habitantes. Precisamos de um Estado que atue nas áreas essenciais, mas de maneira racional. Quem quer fazer tudo acaba não fazendo nada direito. Não precisa de Estado administrando posto de gasolina e entrega de correspondência. Vamos fazer apenas as coisas essenciais para a população.

O que pensa sobre as cotas?
Já existem, não é? Estão funcionando. O que eu gostaria era de trabalhar para que elas fossem desnecessárias.

Marcelo Chello/CJPress/FolhapressMarcelo Chello/CJPress/FolhapressJoão Amoêdo ataca Geraldo Alckmin por ter se aliado a fisiológicos: “O eleitor não aceita mais conchavos”
O sr. também é liberal nos costumes? O que pensa sobre aborto, união homoafetiva, liberação das drogas e desarmamento?
Sobre aborto, acho que as pessoas têm que ter liberdade de escolha. No Novo definimos que candidatos têm a prerrogativa de ser contra ou a favor. Eu sou contra, à exceção dos casos previstos em lei (risco de vida para a mãe, anencefalia e estupro). Sou a favor da união homoafetiva. Acho cedo para liberar drogas. Precisamos acompanhar experiências ao redor do mundo e ver o que vale a pena. Sobre armas, sou a favor da flexibilização do estatuto do desarmamento.

Como sair da bolha do seu partido, que passa a impressão de que fala apenas para os já convertidos?
Cada vez que vejo os indicadores, parece que vivemos muito mais um crescimento do que propriamente uma bolha. O Novo tem crescido nos últimos meses a uma taxa próxima de 6% ao mês, continuamente. Isso em quantidade de filiados. Hoje temos mais de 21 mil filiados e continuamos a crescer. Os filiados pagam uma taxa de 29 reais por mês. Portanto, mesmo num ambiente em que a economia está fraca, há gente entrando no Novo. Temos feito vários eventos pelo Brasil. No ano passado, foram 890. No crowdfunding (modelo de arrecadação pela internet), em quatro dias já tínhamos recebido doação de vários estados do Brasil. Não me parece que seja uma bolha. O partido tem dois anos e meio de existência e nunca participou de uma eleição federal.

Não é um partido elitizado e que, até por isso, agrega menos gente?
Não sei se é isso. Tem muita gente mais simples no Novo. Quando você vai nesses eventos do partido, algumas pessoas questionam se o partido é da Zona Sul do Rio ou da (avenida) Faria Lima, em São Paulo (ambas zonas nobres). Eu respondo: participe de uma apresentação nossa. Seja em Arujá (SP), seja em Cuiabá (MT). Veja as pessoas que estão nos eventos. É uma turma que não tem nada a ver com grandes empresários, até porque, sendo muito objetivo, essa turma está com a vida mais tranquila e a gente quer ajudar quem está precisando. Os fundadores são pessoas de classe média, classe média alta, profissionais liberais. Mas nunca teve um grande empresário no Novo.

O sr. tem apenas 1% nas pesquisas. Por quê?
Minha percepção é a de que a gente tem crescido e deveria estar acima de 1%. Tem que considerar um pouco a margem de erro, porque essas pesquisas têm margem de erro de dois ou três pontos… Mas é claro que dá para crescer mais. Para a largada, está bom. Estamos iguais a personagens como (o presidente da Câmara) Rodrigo Maia e (o ex-ministro da Fazenda) Henrique Meirelles, que têm uma exposição muito maior e estão em partidos como DEM e MDB, respectivamente. São partidos que estão há muito mais tempo na política e, portanto, têm uma quantidade muito maior de diretórios, prefeitos e vereadores.

Por ter trabalhado muito tempo na área, o sr. aspirou a ser o candidato preferido do mercado financeiro?
Tenho conversado pouco com as pessoas do mercado porque a ideia do Novo, até para não ter esse risco de estar em uma bolha, é falar com um público o mais amplo possível, que ainda não conhece nosso projeto. Não está claro para mim quais são as preferências do mercado. Acho que são propostas mais próxima do que pregamos eu, o Meirelles ou o Alckmin. Faz mais sentido para eles do que o Ciro (Gomes) ou o provável candidato do PT, porque esses defendem o modelo que nos levou à recessão dos últimos anos. O mercado normalmente gosta de estabilidade e previsibilidade, que defenda as reformas, o equilíbrio das contas.

Quem seria seu ministro da Fazenda?
Gosto da ideia do Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central e um dos formuladores do Plano Real).

Falemos dos seus adversários. O que acha deles?
Eu não vi nada que o Bolsonaro tenha feito nos últimos 30 anos que justifique um voto para presidente da República. É uma candidatura que me preocupa porque tenho receio de como será a gestão no dia seguinte em que for eleito. Acho um absurdo insistirem na candidatura do Lula. Para mim, é um presidiário que fez muitas coisas ruins para o país. Terminou dando um exemplo péssimo porque se dizia protetor dos mais pobres e recebeu propina para fazer negócios privados. Marina sempre foi uma incógnita. Acho que é séria e do bem, mas tenho minhas dúvidas quanto ao desempenho dela em um cargo executivo. Ciro tem ideias muito ruins e me preocupa muito também porque ele erra no diagnóstico. Alckmin é da política tradicional, do status quo, desse mesmo mundo de partidos que têm privilégios e benefícios e são acostumados a manter um modelo de Estado bastante inchado. Meirelles é um bom gestor na área pública, fez um bom trabalho, mas está vindo de todos esses governos anteriores e pertence a um partido que é difícil imaginar que vá mudar.

Qual é a sua avaliação do governo Temer?
Fez algumas medidas razoáveis como o teto dos gastos, a reforma trabalhista… Mas o problema é que fez na base do toma-lá-dá-cá, do fisiologismo e, nos últimos tempos, se perdeu. É um governo que praticamente já acabou. Mostra-se incapaz de gerenciar direito o Brasil.

O sr. já votou no PT?
Sempre votei contra o PT. Nas últimas eleições, votei no Aécio. Para mim, estava longe de ser o candidato ideal, mas parecia uma opção menos pior do que a Dilma.

O que o sr. achou do acordo de Geraldo Alckmin com o Centrão?
Lamentável, mas não me surpreende. É a velha política. O cidadão brasileiro fica com a conta e grupos específicos, que neste caso incluem ex-presidiários, são beneficiados. Não há qualquer alinhamento ideológico ou de propostas, apenas negociações de cargos em troca de tempo de televisão. No fundo, são os partidos tradicionais tentando sobreviver e manter as coisas como estão, sempre de costas para o eleitor.

A seu ver ele ganha ou perde votos com o acordo?
Perde. O eleitor não aceita mais esses conchavos.

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