DiogoMainardina ilha do desespero

Voto no lockdown

30.10.20

Apresento-lhe minha janela:

Ela tem seiscentos anos. Assistiu às epidemias de peste e de cólera. Agora está assistindo à epidemia de Covid-19. Aquele pontinho preto, no telhado do vizinho, é Tom Cruise. Ele está em Veneza para tentar concluir a filmagem do sétimo episódio da série Missão Impossível, que foi interrompida oito meses atrás, durante o lockdown. Nesta segunda tentativa, doze membros de sua equipe já foram infectados e isolados, paralisando o trabalho mais uma vez. E um novo lockdown pode ser decretado nos próximos dias.

Por enquanto, a Itália adotou apenas um lockdown parcial, com bares e restaurantes fechados às 6 da tarde, ensino secundário com 75% de aulas online, e bloqueio de cinemas, teatros e academias de ginástica. Na quarta-feira, Nelson Piquet enviou-me por WhatsApp imagens de um protesto em Nápoles contra as medidas restritivas impostas pelo governo. Respondi-lhe que aquelas imagens mentem. A maioria dos italianos apoia medidas ainda mais restritivas – e não menos. É o que mostram todas as pesquisas sobre o assunto. Foi assim na primeira onda da Covid-19, está sendo novamente assim, na segunda onda.

Eu sou da turma do lockdown. Se me consultassem, eu recomendaria um lockdown rigoroso por quatro semanas, em vez de uma quarentena picotada por meses e meses. Os italianos concordam comigo. Quando Nelson Piquet vier a Veneza, vou levá-lo de lancha ao Lazaretto Vecchio, que tem exatamente a mesma idade da minha janela. O Lazaretto Vecchio é a ilha em que os marujos pestilentos, que voltavam do Oriente, permaneciam confinados, em quarentena. O lockdown funciona, e as pessoas sabem disso instintivamente – é uma defesa atávica da humanidade, inoculada há seiscentos anos.

A popularidade do lockdown, apesar dos incalculáveis prejuízos que ele traz, vem sendo testada desde fevereiro – e ele sempre ganha. Daqui a alguns dias, teremos o teste final: o lockdown deve chutar Donald Trump da Casa Branca. Pegue o Wisconsin, por exemplo. Em 2016, Donald Trump venceu por um punhado de votos, ridicularizando as pesquisas, que davam o resultado oposto. Agora, o Wisconsin está tomado pelo vírus. Na última semana, houve um recorde no número de casos e de mortes no estado. Aposto que o desejo de se defender do vírus e de seu principal cúmplice, por meio de um lockdown, vai virar o eleitorado. Sim, sempre erro minhas apostas eleitorais. Desta vez, porém, a chance de errar é nula: o lockdown é imbatível. Só o caráter irremediavelmente pervertido de um povo pode derrotá-lo, e duvido que seja o caso dos moradores de Wisconsin.

Eu voto no lockdown. Ele é duro, mas sempre cumpre as promessas de campanha.

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