Banco Mundial"Alguns republicanos não estavam confortáveis com Trump e estarão felizes em vê-lo se despedir"

‘Vai depender do Brasil’

O republicano Robert Zoellick, que comandou o Banco Mundial e já chefiou as negociações comerciais dos Estados Unidos, critica o protecionismo da gestão Trump e diz que, apesar das diferenças com Biden, o governo brasileiro pode construir boas pontes com a Casa Branca
20.11.20

Com 67 anos, formado em história, direito e gestão pública, o americano Robert Zoellick cumpriu diversos papéis em três governos republicanos. Durante a presidência de Ronald Reagan, atuou no Departamento do Tesouro. Na de George Bush pai, foi o segundo nome do Departamento de Estado e assessor do presidente. Com George W. Bush, o filho, Zoellick foi representante comercial dos Estados Unidos. Em 2007, viu-se escolhido para ocupar a presidência do Banco Mundial, em Washington. Ao longo da carreira, Zoellick teve contato muito próximo com autoridades brasileiras. Sob Bush filho, chegou a dizer que se o Brasil não aderisse à Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, cujas negociações estavam a seu encargo, o país teria de vender produtos para a Antártida. Lula, em campanha para presidente à época, reagiu dizendo que não falaria com o “sub do sub do sub”, só com o “companheiro Bush”. Um ano depois, em 2003, Zoellick chefiou a delegação americana enviada para a posse do petista.

Anos depois, já como presidente do Banco Mundial, Zoellick visitou estados do Nordeste, para oferecer empréstimos e compartilhar experiências, como programas de transferência de renda. O republicano afirma que foi contra Donald Trump desde o início. Defensor da ideia de que o livre comércio fortalece as instituições democráticas pelo mundo, ele repudia o protecionismo da administração Trump e aposta que congressistas republicanos aceitarão negociar com o presidente eleito Joe Biden. “Alguns republicanos não estavam confortáveis com Trump e estarão felizes em vê-lo se despedir”, diz. Nesta entrevista a Crusoé, Zoellick, que lançou neste ano o livro Os Estados Unidos no mundo: uma história da diplomacia americana e das relações exteriores, também afirma que o governo brasileiro poderá desenvolver uma boa relação com o próximo ocupante da Casa Branca. “Vai depender muito de como o Brasil abordará algumas questões, como a pandemia, a mudança climática, o meio ambiente e a recuperação econômica.”

Em seu livro, o sr. afirma que a diplomacia deve acompanhar a opinião pública. O que os americanos querem neste momento?
Uma pesquisa recente feita pelo Chicago Council on Global Affairs chegou a resultados interessantes. Cerca de 68% dos americanos acham que o país deve ter uma participação ativa nas questões mundiais. É um índice até um pouco acima do que o que eles encontraram na Guerra Fria. Além disso, 68% preferem dividir a liderança do planeta com outros países, comparados com 24% que acham que são favoráveis à hegemonia americana. O mais surpreendente é que quase três quartos dos americanos acham que o comércio internacional é bom para a economia, 82% concordam que beneficia os consumidores e 59% acham que cria empregos dentro do país. O apoio à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fica em torno de 73%. E 71% acham que os EUA devem consultar aliados antes de tomar decisões, mesmo que isso leve Washington a aceitar uma política que não era a sua primeira opção. Tudo isso mostra um espírito internacionalista generalizado entre a população. Para citar uma comparação histórica que está em meu livro, em outubro de 1945, um mês após a rendição do Japão na Segunda Guerra, o Instituto Gallup perguntou aos americanos se eles acreditavam que as relações internacionais eram vitais para o país. Apenas 7% responderam que sim. No ano seguinte, como as pessoas viram os problemas na Europa e ficaram mais preocupadas com a União Soviética, o número subiu, mas foi para apenas 14%.

Podemos esperar então que o presidente eleito Joe Biden se dedique mais a questões internacionais?
A questão é que Biden terá uma agenda doméstica muito grande para lidar em primeiro lugar: pandemia, atendimento de saúde, recuperação econômica, tensões raciais. Em relação ao comércio internacional, ele será muito diferente de Donald Trump, que foi o presidente mais protecionista que tivemos desde Herbert Hoover, nos anos 1930. Nessa área, contudo, Biden será cauteloso. Em alguns distritos onde ele foi vitorioso, muitos eleitores são contra a abertura comercial. Ao mesmo tempo, pesquisas têm mostrado que os jovens democratas são mais a favor do livre comércio do que os democratas sindicalistas mais antigos. A Autoridade de Promoção do Comércio (Trade Promotion Authority, aprovada pelo Congresso para facilitar acordos de comércio) expira em meados do ano que vem. Para renová-la, será preciso negociar com os parlamentares republicanos.

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Como serão as negociações do governo de Biden no Congresso?
No quadro geral, um presidente como Biden estará mais bem posicionado para lidar com o Congresso. Afinal, foi no Senado que ele passou a maior parte de sua carreira política. Biden estará mais preparado para essa função do que Barack Obama, também democrata. Quando foi eleito, Obama não tinha tido muito tempo no Senado, em Washington (ele havia exercido apenas um mandato). Não aprendeu o suficiente para saber como negociar com seus opositores. O que se dizia na época em que Obama foi presidente é que os republicanos achavam mais fácil fechar acordos com o próprio Biden, então vice-presidente.

O sr. está otimista quanto às relações entre democratas e republicanos no Congresso americano?
A imprensa americana tem ressaltado muito a divisão da nossa sociedade e dos nossos representantes. Mas também é verdade que uma das habilidades que os políticos americanos desenvolveram é a de construir pontes com o outro lado. Quando eu trabalhei com James Baker no Departamento do Tesouro, fizemos uma ampla reforma fiscal em 1986. Os congressistas juntaram uma ideia dos democratas, que queriam mais pessoas pagando tributos, com a dos republicanos, que preferiam reduzir os impostos. Também tivemos parlamentares dos dois partidos tentando aprovar leis sobre o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Este ano, Trump tentou cortar os fundos para dar assistência humanitária a outros países, mas congressistas republicanos e democratas votaram para botar o dinheiro de volta. Na área de segurança cibernética, tivemos relatórios importantes sendo feitos por democratas e republicanos.

O que será de Trump agora?
Há ansiedade agora sobre se Trump e os republicanos aceitarão a derrota. É claro que vão. O raciocínio dos republicanos é que, enquanto não acontecer o segundo turno para as duas cadeiras do Senado na Geórgia, não há razão para dividir o partido. E o melhor é deixar Trump sair do jeito dele. Todo mundo entendeu qual foi o resultado da eleição por aqui. Em seguida, teremos de ver o que Trump vai fazer. Ele claramente ainda exerce um apelo muito grande entre muitos eleitores republicanos. Minha aposta é de que ele vai tentar criar algo como um novo canal de televisão ou algo do tipo. Ele deve estar especulando se vai ou não tentar a reeleição. Mas acho que ele estará mais velho daqui a quatro anos, o que pode atrapalhar. Além disso, fica sempre mais difícil concorrer depois que você perdeu uma eleição.

Se Trump seguir influente em seu partido, os republicanos evitarão negociar com Biden?
Para ser franco, alguns republicanos não estavam confortáveis com Trump e estarão felizes em vê-lo se despedir. Outros que seguem a linha de Trump estão interessados em conquistar a sua base política. Eles não vão admitir isso, mas também querem que ele vá embora. Há ainda outro grupo, o dos republicanos que vão tentar a reeleição em 2022, que podem achar que Trump os prejudica eleitoralmente. Muito vai depender da postura de Mitch McConnell, o líder dos republicanos no Senado. Ele é um grande negociador. Logo após a eleição, McConnell aceitou que o país precisará de um novo pacote de estímulo econômico para lidar com a pandemia. Chegou até a dizer que concordava com mais fundos para governos locais e estaduais. O montante não será tão grande como os democratas gostariam. Eles começaram falando em 3 trilhões de dólares. Depois, 2 trilhões. Mesmo que sejam aprovados 500 bilhões de dólares, ainda assim é muito dinheiro. Então, acredito que haverá, sim, boas oportunidades de trabalhar em conjunto. Mas as pessoas terão de ajustar suas expectativas.

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A confusão dessa eleição americana afetou a imagem que os outros países fazem da democracia?
Tenho uma visão um pouco diferente da que a imprensa americana alimentou nessas semanas. Ao acompanhar o processo, fiquei extremamente bem impressionado com o compromisso de todos esses americanos que trabalharam na eleição, democratas e republicanos. Os oficiais estaduais e municipais, que se responsabilizaram pela contagem, foram muito transparentes e explicaram sempre o que estava acontecendo para a população. Aproximadamente 140 milhões de americanos votaram, e isso bem no meio de uma pandemia. O resultado foi que a maior parte dos eleitores decidiu mandar Trump de volta para casa. Ao mesmo tempo, eles já mostraram que vão cobrar de Biden. Os eleitores não compraram a ideia de uma nova era progressista. Isso pode ser verificado no resultado do referendo na Califórnia (na mesma eleição, os eleitores do estado rejeitaram um aumento nas taxas dos imóveis para financiar a educação, negaram o retorno das cotas raciais e impediram um controle dos valores dos aluguéis).

Como acredita que deve ser a relação entre Brasil e Estados Unidos no governo Biden?
Não acredito que o próximo governo tentará comprar briga com o Brasil. Olhando para a história dos dois países, o que vejo é que ambos podem se beneficiar mutuamente. Em três momentos da história, essa relação foi muito frutífera. No início do século XX, falava-se em criar uma prosperidade comum. Havia um bom relacionamento com Joaquim Nabuco e o Barão do Rio Branco. Décadas depois, os dois países também se aproximaram na Segunda Guerra. O Brasil foi muito importante nesse esforço com as commodities e permitiu a realização de uma ponte aérea para África e Europa. Soldados brasileiros lutaram na Itália. Mas o mais importante desses momentos foi a interação entre o presidente americano Bill Clinton e o brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Nos anos 1990, por exemplo, o Brasil precisou de ajuda para consolidar sua democracia e lidar com a dívida. Agora, para que essa parceria possa seguir adiante, muito vai depender de como o Brasil abordará algumas questões, como a pandemia, a mudança climática, o meio ambiente e a recuperação econômica.

De que modo os Estados Unidos poderiam ajudar o Brasil?
Uma das funções da diplomacia é preparar as fundações para que se possa construir um futuro melhor. Os Estados Unidos podem ajudar o Brasil apontando caminhos para o crescimento e o desenvolvimento econômico. Isso seria do interesse de todos. Quando eu estava no Banco Mundial, ajudamos muito o Brasil não apenas com empréstimos, mas também compartilhando experiências de outros países. Nós mostramos ao Brasil como funcionavam esses programas de transferência de renda, que em contrapartida solicitava o cumprimento de algumas condições pelos mais pobres.

Em diversos períodos, presidentes americanos e diplomatas tiveram o objetivo de fortalecer ou espalhar a democracia pelo mundo. Como explicar que o número de países livres esteja diminuindo?
O que temos visto nos últimos séculos é que a democracia se move em ondas. Em alguns períodos, há uma frustração maior e os sistemas autoritários se multiplicam. Nos anos 1960 e 1970, tivemos ditaduras pela América Latina, incluindo no Brasil. De repente, um grupo de países começa a se mover em direção à liberdade. O que acontece em seguida é que eles descobrem que a democracia apresenta vários desafios. Não basta promover eleições. É preciso também ter instituições, Estado de Direito, desenvolver a classe média. Nos últimos anos, o Brasil deu um exemplo extraordinário para o resto do mundo sobre como lidar com os problemas que a corrupção traz para a democracia. O esforço dos corajosos policiais e procuradores brasileiros foi reconhecido em outras nações e recebeu muita atenção nos Estados Unidos. Eles ganharam muito respeito internacionalmente. Talvez neste momento o mundo esteja um pouco tomado pelas notícias de governantes autoritários. Mas repare que, mesmo em países como Belarus ou a Tailândia, há uma vontade popular por liberdade, que se manifesta em diversas manifestações. Entendo que, agora, presidentes e diplomatas americanos estejam mais cautelosos em se envolver internacionalmente, depois de terem alimentado expectativas muito altas no Oriente Médio, no norte da África, no Afeganistão. Mesmo assim, acredito que a política externa americana continuará tentando encontrar meios de apoiar os direitos humanos e a democracia.

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