Paulo Lopes/BW Press/FolhapressHuck e Doria ocupam a mesma raia para 2022: a relação entre os dois se deteriorou nos últimos meses

Doria x Huck

Como o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck se digladiam nos bastidores para se tornar o candidato anti-Bolsonaro em 2022
04.12.20

Luciano Huck e João Doria frequentam os mesmos salões, cultivam amigos em comum e adotam estilos semelhantes na maneira de se portar e vestir. O linguajar político de ambos muitas vezes se confunde. Embora a estrela global faça questão de se apresentar como “progressista” e o governador de São Paulo prefira o rótulo de “liberal”, diversas frases ecoadas por Doria nos últimos tempos poderiam muito bem ter saído da boca de Huck e vice-versa. Algumas ações são realmente idênticas, como a compra de jatinhos com financiamento do BNDES. De uns meses para cá, no entanto, a relação azedou. Convencido de que ambos ocupam a mesma raia na disputa para saber quem personificará o anti-Bolsonaro em 2022, o tucano está fulo da vida com os recentes movimentos do apresentador.

Depois de ensaiar uma candidatura à eleição presidencial de 2018 e recuar, premido pela família e pelos vantajosos contratos com a TV Globo, Huck recolocou em marcha um extenso circuito de conversas reservadas com figuras influentes para tratar sobre a conjuntura do país e passou a flertar principalmente com o DEM, para ser o nome capaz de aglutinar as forças de centro e derrotar Jair Bolsonaro em 2022. O tucano Doria acha que Huck quer ocupar um lugar que é dele – e de mais ninguém – e, para fustigá-lo, começou a espalhar nos meios político e empresarial que a candidatura do apresentador é fogo de palha. Em recentes conversas do grupo político de Doria foi disseminada a tese de que Huck é o “Datena nacional”, em referência ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, que a cada eleição insinua que será candidato, mas na hora “h” sempre refuga. Por ora, no entanto, o efeito é o inverso do planejado pelo tucano: quanto mais Doria insiste que a candidatura Huck não é para valer, mais os caciques políticos interpretam que o apresentador está no jogo.

Contribuiu para reforçar essa impressão o encontro entre Huck e Sergio Moro no apartamento do ex-juiz e ex-ministro da Justiça em Curitiba, no dia 30 de outubro. Na ocasião, ambos demonstraram a intenção de se unir em uma espécie de “terceira via”, para disputar a Presidência daqui a dois anos. Obstinado em subir a rampa do Planalto desde quando ingressou na política, elegendo-se prefeito da capital paulista em 2016, Doria não gostou nada da repercussão da reunião – ultimamente, querendo afetar intimidade, Huck só se refere ao ex-juiz como “Sergio”, o que deixa o chefe do Palácio dos Bandeirantes ainda mais mortificado.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisO DEM, de ACM Neto, pisca para Doria e Huck, mas nas últimas semanas tem cortejado mais o apresentador
Na tentativa de mostrar que foi ele quem teve a primazia da articulação em favor da aliança do espectro político de centro, o governador reuniu aliados na área de comunicação e fez circular, logo em seguida à notícia sobre o encontro entre Huck e Moro, que foi ele quem recebeu o ex-juiz primeiro, em sua casa em São Paulo, mais precisamente um mês antes. Doria exerce marcação cerrada sobre cada movimento do âncora do Caldeirão. A relação pode ter se esgarçado nos últimos meses, mas a preocupação de Doria com Huck não é tão recente assim. No início do ano, quando surgiram rumores sobre a separação do tucano da primeira-dama Bia Doria, o governador interpretou postagens feitas pelo apresentador nas redes sociais ao lado da mulher Angélica como uma provocação – a estabilidade no casamento é um ativo político importante no Brasil.

Huck ainda não bateu o martelo sobre a candidatura, mas adota nos bastidores um discurso que João Doria não gosta de ouvir. O apresentador tem dito a pessoas próximas que o governador de São Paulo não é o candidato natural de uma possível coalizão de centro. “A candidatura à Presidência vai depender de uma série de circunstâncias”, tem afirmado. O próprio Huck só sairá candidato se sentir que reúne chances sólidas de triunfar nas urnas. Antes da decisão final sobre arriscar ou não um voo solo ao Planalto, o apresentador planeja contratar ao menos duas pesquisas de intenção de voto no ano que vem. Uma no início do ano e outra no segundo semestre. Seus aliados garantem que ele define a questão antes de dezembro de 2021. O deadline é quase uma imposição da Globo. A emissora pretende tirá-lo da programação em 2022, caso ele decida encarar a empreitada, para tentar se blindar do rótulo que certamente impingirão a Huck de candidato oficial da TV.

Para pessoas ligadas a Doria, quanto mais tempo Huck demorar para tomar uma decisão, pior para o governador. O motivo é simples: como o homem do Caldeirão tem mais capilaridade nacional e menos rejeição do que Doria, teme-se que a perspectiva de poder gerada pelo apresentador atrase a formação de alianças capazes de viabilizar a candidatura do governador. Para o presidenciável do PSDB, o melhor dos mundos seria que Huck reeditasse o roteiro da eleição de 2018, quando cogitou sair candidato a presidente pelo PPS, atual Cidadania, mas logo desistiu, ainda em novembro de 2017, por pressão da família, especialmente da mulher Angélica, então contrária à ideia.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressMoro é o vice dos sonhos de Huck e Doria. Resta saber se ele aceitará ser coadjuvante numa eventual chapa presidencial
O aval familiar, desta vez, já é uma questão superada. “Tem uma hora que você não está mais no controle. É uma espécie de chamado”, disse Angélica, em entrevista à revista Marie Claire, no final de 2019. A Crusoé, Marta Grostein, mãe do apresentador, lembrou que, desde 2018, Huck “tem participado intensamente de movimentos cívicos”. Urbanista e professora aposentada da USP, ela já foi conselheira de estatais paulistas em gestões do PSDB — deixou o cargo em 2019, já no governo Doria — e é casada com o economista Andrea Calabi, que presidiu bancos públicos no governo Fernando Henrique Cardoso e foi secretário do ex-governador Geraldo Alckmin em São Paulo. “A gente sabe o que é uma campanha política. Isso assusta qualquer mãe. Mas a família irá apoiar suas decisões”, disse Marta. Para ela, que descreve Huck como alguém que tem um “pensamento muito mais progressista do que reacionário”, o rótulo de esquerda ou de direita que os dois lados tentam carimbar no filho não tem nenhuma serventia senão atacá-lo.

De fato, o perfil ideológico dos políticos com os quais Huck tem conversado nos últimos meses é bem heterodoxo – e muito mais amplo do que Doria gostaria que fosse. Vai do governador comunista do Maranhão, Flávio Dino, ao ex-presidente argentino Maurício Macri, líder da centro-direita no país vizinho, com quem o apresentador falou por uma hora ao telefone nesta semana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é outro interlocutor do apresentador. No meio empresarial, a candidatura de Huck é incentivada por alguns pesos-pesados do PIB nacional, como os controladores da Ambev. “Convenhamos que o Huck é um produto agradável para o nosso eleitor. Dialoga com o povão, com a classe média e tem ótimo trânsito com a elite do empresariado. Se ele decidir sair mesmo, não será fácil para o Doria”, admitiu um tucano. Já Fernando Henrique Cardoso, de quem o apresentador se tornou amigo, virou uma espécie de consultor permanente de Huck, o que também enfurece Doria. Os dois falam o mesmo idioma. Em entrevista logo após as eleições municipais, FHC afirmou que o governador de São Paulo não está pronto para disputar a Presidência. “Ele vai ter que se nacionalizar”, disse o ex-presidente. Doria já deixou mais do que claro que a sua grande aposta para chegar lá é a Coronavac, a vacina chinesa contra a Covid-19 desenvolvida em parceria com o governo paulista que poderá ser distribuída para outros estados. O tucano nem disfarça. Na última quinta-feira, 3, foi de madrugada ao aeroporto de Guarulhos para receber um lote dos insumos vindos da China, gravou vídeo para as redes sociais e posou para foto segurando um exemplar do imunizante ao lado de uma faixa que dizia “a vacina do Brasil”.

Ao entregar a vaga de vice na chapa do prefeito reeleito Bruno Covas ao MDB, de Michel Temer, indicando o vereador Ricardo Nunes em combinação com o DEM local, Doria tenta amarrar as duas legendas ao seu projeto nacional. Pela lógica que rege os acertos políticos há pelo menos 20 anos, o caminho natural para o DEM seria celebrar uma aliança com o PSDB de Doria para 2022. Mas isso não está garantido. Embora o partido dê piscadelas para ambos, quem mais avançou nas conversas com o Democratas foi o próprio Huck. O presidente da Câmara e um dos principais líderes da legenda, Rodrigo Maia, tem manifestado publicamente certa preferência pela estrela global em detrimento de Doria, embora continue a cortejar o governador paulista. Além de elevar seu próprio cacife político — ele almeja disputar o governo do Rio em 2022 –, Maia tenta inverter a lógica histórica e alçar o DEM a protagonista da corrida presidencial, exatamente como defende o presidente do partido, o prefeito de Salvador, ACM Neto.

O projeto de DEM para Huck consiste na filiação à legenda com carta branca para interferir na linha programática do partido, se assim desejar. O sonho de Huck, como o de Doria, era ter o ex-juiz Sergio Moro como vice. Mas Maia vetou a dobradinha, o que pode virar um problema para o apresentador mais adiante e uma vantagem para o governador. De qualquer forma, é improvável que o ex-juiz aceite ser coadjuvante numa chapa presidencial. Os fatos recentes mostram que Moro – desde a última semana sócio-diretor da consultoria internacional Alvarez&Marsal, para desenvolver políticas antifraude e anticorrupção dentro de empresas – deverá manter-se como uma voz ativa no debate nacional, ainda mais atuando em uma área que representa sua principal bandeira. O ex-juiz tem dito que agora é hora de garantir o sustento da família, uma vez que para aceitar o convite de Bolsonaro para ser ministro, em 2018, ele teve de abandonar 22 anos de magistratura. Mas uma eventual candidatura dele ao Planalto nunca foi  descartada. Caso Moro chegue no ano eleitoral despontando nas pesquisas como o nome mais talhado para derrotar Bolsonaro e a esquerda, o cenário pode ser outro. Enquanto Huck e Doria se digladiam nos bastidores, Moro pode jogar parado.

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