A unificação das moedas cubanas
Há décadas, os gerontocratas cubanos anunciam a “atualização do modelo econômico” da ilha comunista, sem nunca avançar um passo. Agora, com Cuba em sua pior crise desde 1990, o ditador Miguel Díaz-Canel anuncia a unificação das duas moedas existentes no país, apostando em dar mais eficiência à economia e facilitar os investimentos estrangeiros. Tudo leva a crer, no entanto, que antes de melhorar – isso se melhorar – a situação em Cuba ainda vai piorar e muito. Num primeiro momento, a medida que entrará em vigor em 1º de janeiro desvalorizará os salários e as aposentadorias. Além disso, a tendência é que, ao longo do próximo ano, empresas estatais ineficientes sejam fechadas, elevando ainda mais o desemprego. Ou seja, a crise ganhará contornos ainda mais dramáticos e colocará o Partido Comunista diante de um dilema: seguir postergando as reformas estruturais ou, enfim, apostar no caminho da abertura econômica já trilhado por China e Vietnã.
A existência de duas moedas em Cuba foi uma invenção de Fidel Castro, em 1994. Desde então, as empresas estatais passaram a receber as rendas vindas dos turistas e das exportações em pesos cubanos conversíveis (cuc), na proporção de 1 dólar para 1 cuc. Ao pagar o salário dos cubanos que trabalham na ilha, no entanto, o governo e essas companhias seguiram usando o peso cubano, sendo que 1 cuc equivale a 24 pesos cubanos. A conta obviamente ficou uma maravilha para a ditadura comunista. Com a venda de um único prato em um restaurante estatal para turistas europeus, é possível pagar o salário mensal de um funcionário. Aposentadorias também são pagas com os minguados pesos cubanos. Só que para suprir suas necessidades básicas, os cubanos precisam comprar produtos em cucs. Quem consegue arcar com esses custos extras é porque recebe remessas de parentes que moram nos Estados Unidos e na Europa. É por isso que, em Cuba, é comum ouvir que para sobreviver é preciso ter “fé”, leia-se, “família no exterior”.
Em uma economia normal, as leis de mercado ajudam a recuperar um país de um choque como esse. Fábricas nacionais poderiam expandir a produção para substituir as importações. Exportadores poderiam se beneficiar do dólar alto e elevar as vendas de açúcar, charutos, níquel e outros produtos agrícolas. Com as transações, o governo fortaleceria o caixa. O problema é que Cuba está longe de ser uma economia normal, e nada até agora foi feito para mudar essa realidade. Produtores agrícolas não possuem dinheiro para investir. Mesmo se tivessem, ficariam reticentes, pois não possuem o título da terra. São usufrutuários. Podem usar o terreno por um período máximo de 20 anos. Pela lei, pecuaristas também não são os proprietários das cabeças de gado e são obrigados a vender uma parte da produção para o estado, por um valor irrisório. “Na China e no Vietnã, as reformas rapidamente ampliaram o tempo de uso da terra para 50 anos ou mais. Agricultores também foram autorizados a plantar o que quisessem e a vender para qualquer um, o que os estimulou a investir. Em Cuba, nada disso foi feito”, lamenta o economista cubano Carmelo Mesa-Lago, da Universidade Pittsburgh, nos Estados Unidos.
Além de adiar a lei de terras, o governo também se recusa a promulgar uma lei de empresas. Aqueles que trabalham por conta própria, os cuentapropistas, não possuem uma personalidade jurídica, um CNPJ, e não podem exportar ou importar livremente. Com isso, a capacidade de elevar a produção é praticamente nula. Sem um setor privado que possa reagir às mudanças e com um governo sem dinheiro, incapaz de pagar os juros de sua dívida externa, o ano de 2021 promete ser amargo. Para piorar o quadro, a pandemia ainda reduziu o número de turistas, o cancelamento de voos não permite mais o transporte de dólares em malas e a Venezuela diminuiu o envio de barris de petróleo. A última esperança dos comunistas era a de que a eleição de Joe Biden, nos Estados Unidos, trouxesse algum alívio, a exemplo do que fez Barack Obama, em 2016. Mas a boa votação que o presidente Donald Trump obteve na Flórida em novembro parece ter mostrado que os democratas americanos não poderão fazer concessões demais à ditadura, sob o risco de perder mais eleitores. “Biden ainda terá muitos outros problemas imediatos para resolver, antes de ter de lidar com Cuba”, diz o economista cubano Carlos Seiglie, da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos. “É um cenário muito preocupante, que facilmente pode dar vazão a protestos.”
Em março do ano que vem, o Partido Comunista fará um novo Congresso para definir os rumos do país. Espera-se uma disputa entre aqueles que querem reformas e os que defendem a manutenção do sistema. Em todos os encontros realizados até agora, venceram os comunistas do “núcleo duro”, avessos a mudanças. Eles temem que, uma vez que Cuba permita que as pessoas enriqueçam e fiquem menos dependentes do governo, a cobrança por democracia aumente e a ditadura perca força.
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.