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Operação Salva-Flávio

Não é só a Abin do B: por pressão do Planalto, as áreas mais importantes do governo se juntam no esforço para tentar livrar o filho 01 do presidente das barras da Justiça
08.01.21

A operação desencadeada pelo Palácio do Planalto para blindar criminalmente o filho primogênito do presidente Jair Bolsonaro segue firme em Brasília. A ofensiva em favor de Flávio Bolsonaro, para a qual foram mobilizados diferentes setores do governo, incluindo a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, além de setores do Judiciário com os quais o presidente tem proximidade, ganhou um novo e não menos audacioso capítulo.

Conforme revelou Crusoé, compelida por Flávio Bolsonaro e por seus advogados a apontar e punir os auditores que supostamente teriam sido os responsáveis pela apuração que originou a investigação sobre o “rachid” no antigo gabinete do filho 01 do presidente, a Receita Federal abriu um procedimento interno e encaminhou o resultado à Corregedoria do Ministério da Economia, comandado pelo ministro Paulo Guedes, para “ciência e providências cabíveis”.

O assunto é tratado no ministério com absoluto sigilo. Poucos servidores da equipe de Guedes conhecem os detalhes da apuração. Oficialmente, a Receita e a cúpula da Economia se recusaram a informar até mesmo a data em que o procedimento foi instaurado. O que se sabe até agora é que a equipe que cuida da apuração tem amplos poderes para, se assim entender, promover uma devassa para identificar os servidores da Receita envolvidos em supostas pesquisas nos sistemas internos sobre Flávio. Os investigadores da Corregedoria podem, por exemplo, acessar os computadores, e-mails funcionais, agenda oficial, sistemas eletrônicos e telefones de trabalho de funcionários.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlexandre Ramagem, diretor da Abin: relatórios para advogadas de Flávio
O esforço, sob a regência da Presidência da República e do próprio presidente Jair Bolsonaro, com a participação pessoal do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, não é outro senão o de tentar comprovar uma tese defendida pela defesa de Flávio: a de que uma suposta “organização criminosa” em funcionamento dentro do Fisco teria produzido relatórios ilegalmente destinados a incriminar o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

A blitzkrieg na Receita foi iniciada em julho de 2020. Segundo a narrativa da defesa de Flávio Bolsonaro, atestar a ilegalidade supostamente cometida por servidores do Fisco, o que constituiria a comprovação de um vício de origem, seria o caminho mais fácil para tentar implodir toda a investigação e consequentemente as acusações que pesam sobre o filho do presidente.

No dia 25 de agosto, o tema foi abordado por duas advogadas de Flávio em encontro no Palácio do Planalto fora da agenda oficial, com a presença de Bolsonaro, do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e do diretor da Abin, Alexandre Ramagem. Na reunião, o presidente teria questionado Ramagem se a Abin sabia dos tais desvios de conduta no Fisco, no qual agentes teriam usado “senhas invisíveis” para acessar dados de contribuintes, com o objetivo de subsidiar futuras investigações.

Reprodução/ Youtube EstadãoFoto: Reprodução/ Youtube EstadãoO secretário da Receita, José Tostes: reunião com Flávio fora da agenda
Conforme revelou Crusoé, a resposta negativa do chefe da agência de inteligência foi seguida por um silêncio constrangedor entre os presentes. Na visão de quem participou do encontro, o embaraço instigou Ramagem a entrar pessoalmente no caso, o que ocorreria nos dias subsequentes. No mês seguinte, por meio do aplicativo WhatsApp, o diretor da Abin enviou a Flávio dois relatórios produzidos pelo órgão de inteligência para auxiliar em sua defesa. Os textos encaminhados ao primogênito de Bolsonaro e depois repassados às suas advogadas eram claros quanto à finalidade: “Defender FB (Flávio Bolsonaro) no caso Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”.

Ao mesmo tempo, a cúpula da Receita era mobilizada. O próprio José Tostes, secretário da Receita Federal, se encontrou com Flávio Bolsonaro três semanas depois da reunião entre as advogadas de Flávio, Heleno, Bolsonaro e Ramagem no Palácio do Planalto. Detalhe: mais uma vez, fora da agenda. Sete dias depois, igualmente sem registro oficial, Tostes se reuniu no Planalto com o próprio presidente. Haveria mais três encontros entre Bolsonaro e Tostes nos meses seguintes.

Em uma das reuniões, o chefe do Fisco esteve a portas fechadas com Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Acionar a Receita Federal por meio de Tostes era parte importante da estratégia para identificar e tentar punir auditores ligados à apuração que encalacrou Flávio Bolsonaro com a Justiça.

Marcos Corrêa/PRMarcos Corrêa/PRA Corregedoria de Paulo Guedes está de olho nos auditores da Receita
O acinte na tentativa de blindagem de Flávio Bolsonaro vai mais além. Num país sério, já teria ensejado a abertura de processo por crime de responsabilidade do presidente. As instituições que deveriam adotar providências, porém, se limitam a produzir notas de repúdio ou a anunciar apurações que, provavelmente, não chegarão a lugar algum.

Para além da ação direta na Abin a na Receita, as investidas envolvem tentativas de influenciar a Procuradoria-Geral da República, onde há uma investigação em curso a pedido de parlamentares de oposição, e o Tribunal de Justiça do Rio, perante o qual foi ajuizada a denúncia sobre o esquema operado por Fabrício Queiroz a mando de Flávio, que teria desviado ao menos 6 milhões de reais dos cofres da Assembleia Legislativa fluminense.

Há, ainda, uma frente da operação no Congresso. Frustrada a recondução de Davi Alcolumbre à presidência do Senado, o temor com o destino do 01 no Conselho de Ética tira o sono dos articuladores políticos do Planalto. A atual correlação de forças da casa levou o senador Jayme Campos, do DEM de Mato Grosso, à presidência do colegiado responsável por julgar os atos dos parlamentares, o que assegurou, até agora, a blindagem de aliados do governo. No processo de sucessão de Alcolumbre, o Planalto quer que a redoma siga intacta e, para isso, usa todos os recursos que estão a seu alcance para que a cadeira permaneça com um senador de confiança. O plano é fazer todo o possível para, como se diz no submundo carioca, manter “tudo dominado”.

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