Trump na sala de imprensa da Casa Branca: suspenso para sempre do Twitter

Poder sem limites

Ao banir Donald Trump das redes, gigantes da tecnologia são acusadas de cercear a liberdade de expressão. A solução pode estar na quebra de oligopólios
15.01.21

O assalto de apoiadores de Donald Trump ao Capitólio, na semana passada, deixou cinco mortos e levou congressistas a aprovar o impeachment do presidente dos Estados Unidos na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 13. O julgamento no Senado, contudo, pode não terminar até o dia 20 de janeiro, quando Trump terá que deixar o cargo. Mesmo depois disso, a maioria democrata dos senadores pode dar seguimento ao processo como forma de impedir que o republicano volte a disputar eleições. A punição imediata a Trump acabou ocorrendo por outras vias, pela ação das empresas de tecnologia, as chamadas “Big Techs”. Alegando que o presidente incitou à violência e poderia causar mais estragos, Facebook, Twitter, Google, Apple e Amazon tomaram medidas diversas, como suspender mensagens do presidente, apagar o seu perfil e até tirar do ar uma rede social usada por seus seguidores. Se há poucas dúvidas de que Trump representa uma ameaça e precisa ser contido, também é certo que o poder gigantesco das empresas de tecnologia em direcionar o debate público, cancelando algumas de suas vozes, pode ser um risco para a democracia.

Como presidente, é verdade que Trump dispõe de vários canais para se comunicar com os americanos. Saindo do Salão Oval, onde (ainda) despacha, ele só precisa dobrar o corredor para chegar à sala de imprensa da Casa Branca. Lá, jornalistas credenciados do mundo todo e com câmeras prontas se revezam para registrar os pronunciamentos oficiais. A questão é que o presidente preferiu passar por cima dos intermediários para falar diretamente com o seu público. Para isso, ele elegeu principalmente o Twitter, rede em que acumulou 88 milhões de seguidores. Pois foi exatamente essa a rede que tomou a decisão mais drástica. Após pressão dos próprios funcionários, a direção da empresa afirmou que baniu para sempre o perfil pessoal de Trump. O argumento foi o de que ele poderia dar origem a mais violência. Ao dizer que não participará da cerimônia da posse de Joe Biden, por exemplo, Trump estaria insinuando a seus seguidores que a cerimônia poderia ser um alvo.

ReproduçãoReproduçãoJoe Biden: a posse do presidente eleito pode ser alvo dos trumpistas
Para esse tipo de atitude, a Primeira Emenda da Constituição americana é totalmente inútil. Na terra da liberdade de expressão, a lei apenas impede a censura praticada por órgãos governamentais. Nada é dito sobre as empresas privadas. Essas companhias apenas devem se guiar pelos termos que apresentaram para seus usuários aceitarem. Além disso, elas podem agir seguindo seus princípios ou para evitar um impacto negativo de imagem. No sábado, 9, a Amazon, que tem um lucrativo serviço de hospedagem de sites, cortou o acesso à rede social Parler, em que apoiadores de Trump falavam livremente sobre se armar com pistolas, bombas caseiras, facas e picadores de gelo para atacar opositores de esquerda. Outros diziam que o vice-presidente Mike Pence deveria ser submetido a um pelotão de fuzilamento por discordar de Trump. “Companhias privadas são livres para decidir com quem querem fazer negócios. Isso vale tanto para empresas do mundo digital quanto para aquelas que se recusam a realizar seus eventos nos hotéis de Trump”, diz Jane E. Kirtley, professora de ética e comunicação na Universidade de Minnesota e ex-assistente da Suprema Corte americana.

Embora apoie a decisão tomada pelas empresas de banir Trump, Jane entende não ser desejável um cenário onde um punhado de executivos pode afastar alguém do debate público por alguns dias ou para sempre. Como presidente, mesmo que nos últimos dias de mandato, Trump ainda pode se comunicar. Depois de sair da Casa Branca, ficará mais difícil. Além disso, a possibilidade de que outra pessoa sofra o mesmo castigo é alarmante. “As empresas de mídia digital estão agindo de forma unilateral, sem dar o direito de defesa às pessoas ou consultar o Judiciário”, diz o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito na internet. “É preciso lembrar que, para muitas pessoas, não existe uma opção fora da mídia digital em que elas atuam e, mesmo quando a suspensão é revertida após algum tempo, o prejuízo já foi feito.”

Uma das soluções que estão sendo apontadas é delimitar o que as companhias privadas podem ou não fazer, e em quais circunstâncias. O argumento para sustentar esse tipo de medida é que, apesar de serem privadas, essas empresas prestam um serviço de utilidade pública. As mídias sociais, assim, substituíram a praça pública, onde os indivíduos interagiam e trocavam ideias. Nessa condição, seria lícito submetê-las a algumas regras. Trata-se de um ponto de vista muito prevalente na Europa. Logo após a suspensão de Trump do Twitter, o porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, disse que ela considerava problemático o fechamento definitivo do perfil de Trump. “É possível interferir na liberdade de expressão, mas de acordo com os limites definidos pela legislação, e não baseando-se na decisão da direção de uma empresa”, disse Steffen Seibert. Outra preocupação dos europeus é com o número reduzido de plataformas digitais. Na Comissão Europeia, existe até uma iniciativa para estimular o surgimento de mais competidores nesse ramo.

ReproduçãoReproduçãoAngela Merkel questionou o poder das empresas de tecnologia
O mercado tem ajudado a resolver o problema. Muitos usuários migraram para outras redes, além do Parler. Os downloads do aplicativo Signal subiram 677% um dia após o Twitter silenciar Trump. Em 72 horas, o Telegram ganhou 25 milhões de usuários. Há ainda uma boa chance de que o Congresso americano pressione pela implementação de leis antitruste contra as grandes redes sociais americanas. Para manter seus negócios lucrativos, Facebook, Amazon e Google compraram outras empresas, como Instagram, WhatsApp e Youtube, ou copiaram serviços de concorrentes promissores de maneira descarada.

O interessante é que um debate no Congresso não necessariamente irá agravar a polarização política nos Estados Unidos. Após o banimento de Trump, foi dito que as empresas de mídias sociais só resolveram agir porque o presidente republicano já estava enfraquecido, prestes a deixar o cargo. Ou então que as companhias buscam um olhar benevolente do próximo Congresso, que terá maioria democrata na Câmara e no Senado. São hipóteses difíceis de serem comprovadas porque estão no campo das intenções não declaradas de terceiros. O sabido é que foram os democratas que, até agora, mais denunciaram o poder das “Big Techs”. Um relatório divulgado em novembro do ano passado por deputados do partido de Joe Biden concluiu que as empresas usaram de métodos anticompetitivos para estender seus monopólios. De agora em diante, congressistas republicanos poderão fazer coro com os democratas para pressionar o Departamento de Justiça a tomar as medidas necessárias. “Cobrar a aplicação das leis antitruste parece ser o caminho mais provável para o próximo Congresso”, diz Jane E. Kirtley. “Esse é um tema que cada vez mais tem motivado congressistas dos dois partidos, de direita e de esquerda.”

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