ReproduçãoMarkinhos Show ao lado de Bolsonaro: com ele, Pazuello tem afundado ainda mais

O marqueteiro do horror

Hipnólogo, palestrante motivacional e até vendedor de máscaras: quem é Markinhos Show, o excêntrico estrategista que saiu de Roraima para orientar as ações de Eduardo Pazuello no combate à pandemia
29.01.21

“Tive a impressão de estar lidando com um bicheiro.” A associação ao estereótipo clássico é de um funcionário do Ministério da Saúde que, desde o final do ano passado, precisou seguir as orientações de Marcos Marques, 45 anos, também conhecido como “Markinhos Show”. O paraense que se tornou o principal estrategista de Eduardo Pazuello e assumiu o manche da tortuosa comunicação da pasta durante a pandemia baixou em Brasília após uma curta passagem pelo governo de Roraima e pela coordenação de campanhas eleitorais em pequenas cidades do país. A ideia, ambiciosa, era transformar Pazuello em uma espécie de herói nacional da pandemia. O efeito foi inverso. Se antes o ministro já não tinha muita chance, depois da chegada do marqueteiro as coisas só pioraram.

Diante da fase mais aguda e mortal da tragédia do coronavírus no país, Pazuello acumulou trapalhadas. Quando era preciso agir com racionalidade e adotar medidas enérgicas, preferiu continuar a bater continência para Jair Bolsonaro. Adotou o mesmo léxico negacionista, minimizou a importância das vacinas, ajudou a disseminar a farsa do tratamento precoce, transformou as coletivas do ministério – que, em tese, deveriam ser uma das especialidades do novo guru na comunicação – em um espetáculo grotesco, e, quando viu que a crise estouraria no seu colo, tentou dar um cavalo de pau reconhecendo o perigo do vírus. Tarde demais.

Como resultado da estratégia mambembe, o ministro virou alvo de um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República, para apurar sua conduta diante da gravíssima crise sanitária de Manaus, onde pessoas morreram sem oxigênio e para onde Pazuello foi compelido a ir às pressas sem data para voltar. No governo, comenta-se que, quando o ministro retornar, sua cadeira poderá já estar prometida para outro, como resultado da reforma que o presidente pretende promover na Esplanada para acomodar legendas aliadas. Se Pazuello for apeado da Saúde, Markinhos — assim mesmo, com “k”, como ele faz questão que seu nome seja escrito – provavelmente seguirá o mesmo rumo. Enquanto isso, porém, o marqueteiro segue “ajudando” o chefe.

O anúncio da máscara: vendedor e garoto-propaganda ao mesmo tempo
Marcos Marques é daqueles tipos excêntricos que, com alguma frequência, surgem em Brasília vendendo fórmulas mirabolantes – e supostamente inéditas – de gerenciamento de imagem. Ele se define como hipnólogo, “Master Coach” e até palestrante motivacional, ocupação que, diz, lhe rendeu o apelido de “Show”. O currículo embeveceu o general, que tem na comunicação um de seus pontos fracos, como é fácil perceber. O primeiro convite para integrar a equipe de Pazuello foi feito em setembro do ano passado, mas só se efetivou em dezembro porque o marqueteiro estava envolvido em campanhas eleitorais. “Conheci Pazuello em Roraima, na intervenção federal (refere-se à operação organizada para acolher refugiados venezuelanos). Ele foi convidado a assumir a Secretaria da Fazenda e auxiliar o governador Antonio Denarium na gestão pública. Como eu havia ajudado no marketing da eleição do Denarium, fui convidado para assumir a Secretaria de Comunicação. E ali criei uma amizade com o general”, explicou Markinhos, que foi secretário do governo de Roraima de janeiro de 2019 até fevereiro passado. “O ministro me ligou e disse que precisava organizar a comunicação, porque mesmo com muitas ações sendo realizadas, não estava sendo divulgada (sic).”

Foi dele a ideia do slogan “Somos uma só nação” para a campanha nacional de vacinação contra a Covid-19, tentativa de dar uma resposta ao governo de São Paulo, que liderou os esforços iniciais do país para a produção de vacinas. Nesse caso específico, a iniciativa foi consenso na Esplanada. Só que nem sempre o marqueteiro está alinhado com o governo. Funcionários do Ministério da Saúde relatam que o bate-cabeça com outros ministérios é constante. Foi também de Markinhos, por exemplo, a estapafúrdia ideia de colocar adesivos no avião da Azul que iria buscar as vacinas de Oxford na Índia, gesto que melindrou os indianos e atrasou a entrega dos imunizantes.

A repercussão negativa da iniciativa de marketing do horror incomodou gente do próprio governo, que passou a criticar também as medidas oficiais para divulgação das informações sobre a pandemia. Ao tentar se defender das críticas, o homem da comunicação de Pazuello exibe sintonia fina com a narrativa de Bolsonaro: “Hoje a minha maior guerra é com fake news ou desinformados que acham que estão informando. O ambiente da informação passou a ser fúnebre e parecia que a esperança morreu junto. Pouco se fala na mídia sobre recuperados da Covid que passam de 7 milhões de vidas. Todos os comunicadores deste país têm responsabilidade com a mente humana”, afirma.

Tony Winston/MSTony Winston/MSNas entrevistas, para além de não dar respostas precisas, Pazuello tem exagerado na arrogância
Nas redes sociais, Markinhos também se comporta como soldado do governo. O linguajar chulo, da mesma forma, lembra o de Bolsonaro. “Com todos esses bilhões que foram para Manaus, não tiveram um centavo para montar uma fábrica de oxigênio em cada hospital? Não sobrou um real para comprar um cilindro? Enfiaram todo esse dinheiro no c…”, escreveu ele, no Twitter.  Mas nem sempre foi assim. Meses atrás, antes de assumir uma posição em Brasília, o publicitário compartilhou um post em que o ex-juiz Sergio Moro, hoje desafeto do bolsonarismo, criticava a recriação do Ministério das Comunicações. Ele até teceu críticas ao discurso adotado por Bolsonaro no início da pandemia.

Antes de chegar a Brasília a convite de Pazuello, Markinhos era considerado um dos homens fortes do governo de Roraima. No estado, ele concentrava todo o aparato de comunicação oficial. Prestigiado, chegou a representar o governador Antonio Denarium em compromissos oficiais. Como secretário, ministrou palestra para vereadores de todos os municípios do estado sobre estratégias eleitorais e explicou a legislação que regeria as eleições de 2020.

O estilo parlapatão que agradou ao general já fez a cabeça de muita gente e rendeu bons negócios ao estrategista. Em parceria com o também marqueteiro Gilberto Musto, Markinhos é um dos tutores de um curso online de marketing para pessoas que pretendem se candidatar a cargos públicos. No ano passado, uma vaga no programa custou 950 reais. Durante as aulas, Marcos Marques ensinou seus candidatos a não fazerem “mimimi”. “Você tem que ser uma pessoa que quer vencer. Se você não tem essa diretriz de vencedor, não espere que vá aparecer alguém que vá pegar na tua mão para fazer você caminhar”, disse o conselheiro de Pazuello. Musto, o parceiro, agora também trabalha na comunicação do ministro da Saúde.

Foto: Antonio Lima/Pawe Comunicação/Ministério da SaúdeFoto: Antonio Lima/Pawe Comunicação/Ministério da SaúdeO caos em Manaus agora avança para outros estados do Norte: pacientes sem ar
O currículo de Markinhos Show apresentado aos alunos do curso informa que ele é graduado em Marketing pela “Universidade de São Paulo”. O sistema da USP, porém, não reconhece o nome dele na relação de diplomados. Perguntado sobre o assunto, o marqueteiro respondeu: “Não é USP. Devem ter colocado errado. (É) Universidade Paulista”.

Em 2020, Markinhos faturou 591 mil reais em serviços para políticos e partidos nas eleições municipais. Oficialmente, seu maior cliente foi o diretório do partido Patriota em São Paulo, que lhe pagou 345,6 mil por “consultoria de marketing”. A campanha de Cláudio Burrinho, eleito pelo PSC para o cargo de prefeito de Iturama, cidade de 39 mil moradores em Minas Gerais, rendeu mais 100 mil reais ao marqueteiro. Uma das principais peças publicitárias do candidato, o clipe de seu jingle, traz uma animação de um burro dançante e clichês entremeados por frases como “o Burrinho vai voltar”. O sucesso não se repetiu na paupérrima Governador Nunes Freire, de 25 mil habitantes, no interior do Maranhão. Por lá Markinhos Show não conseguiu eleger Doutor Haroldo, da Democracia Cristã. A campanha, pela qual ele recebeu 75 mil reais, chegou até a apelar para um plágio do jingle de Jair Bolsonaro (“Muda Brasil, Muda de Verdade”), mas não colou.

Além de acumular o salário no governo com a receita obtida com campanhas e cursos, Markinhos comercializa máscaras de acrílico transparente na internet. “Este produto não embasa (sic) inclusive quando você precisa usar óculos”, diz um trecho da página da mercadoria. O negócio, como a comunicação do ministério de Pazuello, não vai nada bem. Ao preço de 59 reais cada, o estrategista da Saúde só vendeu três unidades no Mercado Livre, em um anúncio repleto de erros de português, idioma que ele parece não dominar muito bem – assim como seu chefe está longe de dominar os complicados desafios da pandemia.

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