O marqueteiro do horror
“Tive a impressão de estar lidando com um bicheiro.” A associação ao estereótipo clássico é de um funcionário do Ministério da Saúde que, desde o final do ano passado, precisou seguir as orientações de Marcos Marques, 45 anos, também conhecido como “Markinhos Show”. O paraense que se tornou o principal estrategista de Eduardo Pazuello e assumiu o manche da tortuosa comunicação da pasta durante a pandemia baixou em Brasília após uma curta passagem pelo governo de Roraima e pela coordenação de campanhas eleitorais em pequenas cidades do país. A ideia, ambiciosa, era transformar Pazuello em uma espécie de herói nacional da pandemia. O efeito foi inverso. Se antes o ministro já não tinha muita chance, depois da chegada do marqueteiro as coisas só pioraram.
Diante da fase mais aguda e mortal da tragédia do coronavírus no país, Pazuello acumulou trapalhadas. Quando era preciso agir com racionalidade e adotar medidas enérgicas, preferiu continuar a bater continência para Jair Bolsonaro. Adotou o mesmo léxico negacionista, minimizou a importância das vacinas, ajudou a disseminar a farsa do tratamento precoce, transformou as coletivas do ministério – que, em tese, deveriam ser uma das especialidades do novo guru na comunicação – em um espetáculo grotesco, e, quando viu que a crise estouraria no seu colo, tentou dar um cavalo de pau reconhecendo o perigo do vírus. Tarde demais.
Como resultado da estratégia mambembe, o ministro virou alvo de um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal a pedido da Procuradoria-Geral da República, para apurar sua conduta diante da gravíssima crise sanitária de Manaus, onde pessoas morreram sem oxigênio e para onde Pazuello foi compelido a ir às pressas sem data para voltar. No governo, comenta-se que, quando o ministro retornar, sua cadeira poderá já estar prometida para outro, como resultado da reforma que o presidente pretende promover na Esplanada para acomodar legendas aliadas. Se Pazuello for apeado da Saúde, Markinhos — assim mesmo, com “k”, como ele faz questão que seu nome seja escrito – provavelmente seguirá o mesmo rumo. Enquanto isso, porém, o marqueteiro segue “ajudando” o chefe.
Foi dele a ideia do slogan “Somos uma só nação” para a campanha nacional de vacinação contra a Covid-19, tentativa de dar uma resposta ao governo de São Paulo, que liderou os esforços iniciais do país para a produção de vacinas. Nesse caso específico, a iniciativa foi consenso na Esplanada. Só que nem sempre o marqueteiro está alinhado com o governo. Funcionários do Ministério da Saúde relatam que o bate-cabeça com outros ministérios é constante. Foi também de Markinhos, por exemplo, a estapafúrdia ideia de colocar adesivos no avião da Azul que iria buscar as vacinas de Oxford na Índia, gesto que melindrou os indianos e atrasou a entrega dos imunizantes.
A repercussão negativa da iniciativa de marketing do horror incomodou gente do próprio governo, que passou a criticar também as medidas oficiais para divulgação das informações sobre a pandemia. Ao tentar se defender das críticas, o homem da comunicação de Pazuello exibe sintonia fina com a narrativa de Bolsonaro: “Hoje a minha maior guerra é com fake news ou desinformados que acham que estão informando. O ambiente da informação passou a ser fúnebre e parecia que a esperança morreu junto. Pouco se fala na mídia sobre recuperados da Covid que passam de 7 milhões de vidas. Todos os comunicadores deste país têm responsabilidade com a mente humana”, afirma.
Antes de chegar a Brasília a convite de Pazuello, Markinhos era considerado um dos homens fortes do governo de Roraima. No estado, ele concentrava todo o aparato de comunicação oficial. Prestigiado, chegou a representar o governador Antonio Denarium em compromissos oficiais. Como secretário, ministrou palestra para vereadores de todos os municípios do estado sobre estratégias eleitorais e explicou a legislação que regeria as eleições de 2020.
O estilo parlapatão que agradou ao general já fez a cabeça de muita gente e rendeu bons negócios ao estrategista. Em parceria com o também marqueteiro Gilberto Musto, Markinhos é um dos tutores de um curso online de marketing para pessoas que pretendem se candidatar a cargos públicos. No ano passado, uma vaga no programa custou 950 reais. Durante as aulas, Marcos Marques ensinou seus candidatos a não fazerem “mimimi”. “Você tem que ser uma pessoa que quer vencer. Se você não tem essa diretriz de vencedor, não espere que vá aparecer alguém que vá pegar na tua mão para fazer você caminhar”, disse o conselheiro de Pazuello. Musto, o parceiro, agora também trabalha na comunicação do ministro da Saúde.
Em 2020, Markinhos faturou 591 mil reais em serviços para políticos e partidos nas eleições municipais. Oficialmente, seu maior cliente foi o diretório do partido Patriota em São Paulo, que lhe pagou 345,6 mil por “consultoria de marketing”. A campanha de Cláudio Burrinho, eleito pelo PSC para o cargo de prefeito de Iturama, cidade de 39 mil moradores em Minas Gerais, rendeu mais 100 mil reais ao marqueteiro. Uma das principais peças publicitárias do candidato, o clipe de seu jingle, traz uma animação de um burro dançante e clichês entremeados por frases como “o Burrinho vai voltar”. O sucesso não se repetiu na paupérrima Governador Nunes Freire, de 25 mil habitantes, no interior do Maranhão. Por lá Markinhos Show não conseguiu eleger Doutor Haroldo, da Democracia Cristã. A campanha, pela qual ele recebeu 75 mil reais, chegou até a apelar para um plágio do jingle de Jair Bolsonaro (“Muda Brasil, Muda de Verdade”), mas não colou.
Além de acumular o salário no governo com a receita obtida com campanhas e cursos, Markinhos comercializa máscaras de acrílico transparente na internet. “Este produto não embasa (sic) inclusive quando você precisa usar óculos”, diz um trecho da página da mercadoria. O negócio, como a comunicação do ministério de Pazuello, não vai nada bem. Ao preço de 59 reais cada, o estrategista da Saúde só vendeu três unidades no Mercado Livre, em um anúncio repleto de erros de português, idioma que ele parece não dominar muito bem – assim como seu chefe está longe de dominar os complicados desafios da pandemia.
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