Carlos Fernandodos santos lima

2022 e a terceira via

19.03.21

A decisão de Edson Fachin de anular as sentenças contra Lula, ao que parece em um movimento para diminuir a pressão sobre os demais processos da Lava Jato no STF, adiantou o objetivo de Gilmar Mendes de trazer o ex-condenado para a arena político-eleitoral novamente. A manobra de um dos ministros mais respeitados do STF, forçada pela insidiosa campanha de Mendes contra a operação, só mostra o quanto nosso sistema judiciário pode ser manipulado pela vontade de um único homem, especialmente um sem limites que, diante da tibieza de seus pares, cospe desaforos e impropérios numa fala apoplética, com os olhos injetados de ódio e beiços a tremer, contra o Ministério Público, contra juízes de primeiro e segundo graus e especialmente contra Sergio Moro, enquanto, ao mesmo tempo, concede dulcíssimas liminares a favor de políticos investigados.

O resultado desta jogada, seja qual for, levará inequivocamente o país a uma polarização política extrema, com a perda de espaço para a composição de um centro democrático que una as forças moderadas de direita e esquerda contra Jair Bolsonaro, hoje a maior força política nacional, mesmo que sua falta de liderança e responsabilidade na presidência tenha resultado em uma crescente pilha de inocentes mortos. A polarização com Lula, pessoalmente ou alguma marionete do PT, é a única maneira de ambos sobreviverem. Enquanto Bolsonaro buscará reaglutinar as tropas anti-PT sob o seu comando para as próximas eleições, Lula tentará a redenção pelo voto popular, mesmo que para isso tenha que enterrar toda a esquerda brasileira sob o lixo da corrupção sistêmica de seu governo. E nós brasileiros, que não participamos de nenhum desses dois cultos messiânicos, não temos políticos de estimação e apenas desejamos trabalhar por um país melhor, seremos vítimas desses dois extremistas.

Isso ocorre não porque o centro não tenha candidatos viáveis, sejam eles Moro, Luiz Henrique Mandetta, João Doria ou Luciano Huck (alguns falam até mesmo em Luiza Trajano, da Magalu), mas porque nosso sistema de dois turnos favorece a fragmentação do centro em uma série de nomes com votações significativas, mas não suficientes para fazer frente aos 20% a 30% que cada um dos extremos possui. Nem estou falando em Ciro Gomes, que, mesmo com o apoio eventual de Marina Silva, vai ser atropelado novamente pelo Partido dos Trabalhadores, pois a legenda sabe que a liderança da esquerda após o ocaso de Lula passa pela manutenção do poder pelo partido nas próximas eleições.

Sem isso, o destino do PT é virar um partido sem representatividade, colocado à margem dos demais, pois estes se ressentem da egolatria petista. É claro que Ciro pode fazer uma manobra para o centro, colocando-se como opção viável contra Bolsonaro, mas suas manifestações boquirrotas e autoritárias do passado não indicam que tenha habilidade para tanto.

A solução seria, portanto, uma união desses nomes em torno daquele mais viável, com uma clara mensagem de que “Eles não” podem mais governar o Brasil, forçando uma disputa tripla já no primeiro turno. O candidato de centro então, caso passe para o segundo turno contra Bolsonaro ou Lula, terá uma real possibilidade de vencer a eleição presidencial, pois os centristas e moderados são a maioria ainda de nossos eleitores. Nem Bolsonaro nem Lula representam novidade e não têm capacidade de entusiasmar, pois todos sabem quem eles são. Ambos se alimentam do ódio de um pelo outro, sendo apenas representantes de um passado que a maioria dos brasileiros reconhece como nefasto, seja a genocida omissão de Bolsonaro na condução da pandemia, incentivando comportamentos de risco, negando vacinas e promovendo remédios ineficazes, seja a corrupção sistêmica e organizada a corroer toda a máquina pública do governo Lula, o que o mensalão e a Lava Jato revelaram inequivocamente.

Sergio Moro é hoje o único desses candidatos que já bate Bolsonaro no segundo turno. É um nome forte, mas que une contra si tanto os radicais bolsonaristas, como boa parte da esquerda. Não seria de espantar que em um eventual segundo turno contra Bolsonaro uma parcela significativa dos petistas votasse, envergonhada, mas firme, no atual presidente. Além disso, Moro não é político efetivamente, tendo a sua curta passagem pelo Ministério da Justiça lhe trazido o gosto amargo da desilusão com a classe de políticos profissionais que realmente comanda o país. Falta a Moro – talvez seja ainda cedo para isso – assumir a sua posição como candidato e construir uma base forte de apoio, com gente hoje interessada em ajudá-lo, mas totalmente dispersa por ausência de comando. Talvez o ex-juiz não tenha apetência para o passo e, neste ponto, posso dar meu testemunho de mais de 20 anos de convivência de que ele nunca demonstrou qualquer interesse em se tornar político. As pessoas são levadas a caminhos que nunca imaginaram percorrer, especialmente quando confrontadas, mas Moro pode optar por se retirar dessa arena.

Temos então outro não-político, Luciano Huck, sempre mencionado como um pré-candidato à presidente. Na verdade, salvo por sua figura pública como apresentador de sucesso na televisão brasileira – e por ser casado com a Angélica – pouco se sabe a respeito do que pensa e de como se posiciona diante dos grandes temas nacionais. Muitas vezes, isso pode até ser útil, pois o candidato pode mentir sobre si e sobre suas ideias, adequando a sua fala ao que desejam ouvir. Assim foi com Bolsonaro, que usou e abusou desse estelionato eleitoral, principalmente se dizendo favorável ao combate à corrupção – o que se revelou, com a descoberta da “rachadinha” nos gabinetes parlamentares da família, uma mentira. Huck tem que mostrar a que veio, delimitar suas propostas para que sua consistência possa ser avaliada. Neste momento sua popularidade parece estar mais localizada nas classes D e E, que não são as classes que compõem o centro democrático tradicionalmente, e será um desafio para ele conquistar este último.

Por sua vez, Mandetta foi uma grata surpresa na condução firme do Ministério da Saúde no começo do governo Bolsonaro. Mostrou-se, apesar de político, capaz de assumir a responsabilidade pela imposição de medidas firmes e impopulares para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Uma das características de nossos políticos – fora a falta de grandeza e espírito público – é a ausência de coragem para fazer o que for necessário em momentos de dificuldade, mesmo que isso lhes custe apoio popular. Nossos políticos tradicionalmente apenas empurram os problemas para os próximos eleitos, fazendo o mínimo possível para o que o paciente – nesse caso, o Brasil – não morra, pois isso mataria a galinha dos ovos de ouro que os mantêm. Mandetta representaria ainda um nome mais palatável ao atual sistema político, pois vem de um partido com forte presença parlamentar, além de ter sido ele próprio deputado federal por dois mandatos; tudo isso certamente o faria ser visto como o nome capaz de “tranquilizar” o país. Isso, entretanto, pode significar poucas mudanças efetivas.

O quarto nome hoje na disputa é o do governador João Doria, que se mostrou também competente nesta pandemia, pois se hoje temos vacinação, mesmo que lenta e insuficiente, foi graças ao seu comando junto ao Instituto Butantan. Além disso, é um político profissional que pertence a um partido com quadros sólidos, com história de sucesso em outro momento de crise nacional, a hiperinflação dos anos 80. Não é um candidato que pessoalmente entusiasme, mas possui capacidade política reconhecida para construir um governo funcional. A sua polarização com Bolsonaro durante a pandemia pode ser vista por muitos como eleitoreira, mas certamente foi um dos principais fatores que levaram o governo federal a minimamente trabalhar pela aquisição de vacinas. Se não fosse Doria – e veja a situação desesperadora que nos encontramos –, não teríamos nada a oferecer para a população além de cloroquina e outros engodos.

Outros nomes podem vir a surgir, como o próprio João Amoedo, do Partido Novo, que teve uma votação bastante surpreendente na eleição passada, ou mesmo a empresária Luiza Trajano, já mencionada em algumas publicações. Mas o centro democrático precisa superar as vaidades, criar um ambiente de diálogo e negociação para compor um projeto de unidade para evitar o pior dos mundos, que seria um segundo turno em 2022 entre Bolsonaro e Lula. O Brasil precisa de reformas profundas, mas nenhum dos extremos será capaz de as oferecer justamente por serem sectários e excludentes.

Creio que ninguém pode se iludir quanto à viabilidade de se impor mudanças significativas na forma como se faz política no Brasil, sem que haja o compromisso de construção de um governo de pacificação nacional, que reconstrua o arcabouço do combate à corrupção, que restaure a independência das instituições e que tenha capacidade de ouvir e compor interesses visando ao melhor para o país. Não podemos perder outros dez anos insistindo na política do “nós contra eles”. Nossos filhos e netos não merecem pagar por mais esse erro.

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