Reprodução/Facebook/Flávio BolsonaroBolsonaro rodeado pelos filhos: 01, 02, 03 e 04 são investigados

A holding do rachid

A quebra de sigilo de ex-assessores mostra que as práticas de Flávio Bolsonaro se estendiam aos outros gabinetes da família. Respeitar o limite entre público e privado não é o forte do clã
19.03.21

O relatório do Coaf que deu origem às investigações sobre supostos desvios de salários dos servidores no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio já trazia, havia três anos, indícios de que as transações financeiras suspeitas não atingiam apenas o filho 01 de Jair Bolsonaro. As apurações preliminares indicavam que Fabrício Queiroz, amigo do presidente e uma espécie de faz-tudo da família há anos, havia depositado dinheiro na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Com o avanço das investigações, vieram mais indícios de que os salários de assessores não eram abocanhados apenas no antigo gabinete de Flávio. Quando foi decretada, a quebra de sigilo bancário do hoje senador e de mais 94 pessoas físicas e jurídicas ligadas pegou de baciada vários outros personagens que, ao longo dos anos, trabalharam também para outros integrantes do clã, como o vereador Carlos Bolsonaro e o próprio Jair Bolsonaro, na época em que ele foi deputado federal.

Nesta semana, uma reportagem do UOL mostrou que, dos extratos bancários de alguns desses assessores, há novos elementos que apontam para a hipótese de que o rachid do gabinete de Flávio era, na verdade, uma espécie de instituição familiar. Eis algumas das revelações saídas da quebra de sigilo: 1) o equivalente a 72% dos salários de quatro funcionários que trabalharam para Jair Bolsonaro na Câmara foram sacados na boca do caixa, seguindo a lógica dos auxiliares do 01. Dos 764 mil reais que ganhou, o quarteto retirou 551 mil reais em espécie no período; 2) Quatro funcionários de Carlos Bolsonaro, que já é investigado por empregar fantasmas em seu gabinete, sacaram, ao longo dos anos, 570 mil reais em dinheiro vivo, o que representa 87% de seus vencimentos; 3) Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e também investigada por ter sido chefe de gabinete de Carlos, recebeu 54 mil reais da conta de sua irmã, Andrea, que era lotada no gabinete do hoje presidente da República; e 4) Uma ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro bancou o aluguel de uma quitinete no Rio onde morava Léo Índio, primo do 01, do 02 e do 03.

Tiago Teles/TheNews2/FolhapressTiago Teles/TheNews2/FolhapressA inauguração da empresa de Jair Renan: parceiros interessados
Vários assessores que aparecem nas transações suspeitas e circundam as investigações sobre a dupla Flávio-Queiroz estão até hoje nos gabinetes da família Bolsonaro. Um deles é o assessor Fernando Nascimento, que trabalhou entre 2009 e 2014 para Jair Bolsonaro, recebeu 164 mil reais em salários e sacou 126 mil reais. Hoje, ele e sua mulher estão empregados no gabinete de Flávio no Senado. Na Presidência da República, Jair Bolsonaro mantém como assessor especial Wolmar Villar Júnior, que fez repasses de 100 mil reais a Flávio Bolsonaro em 2010, segundo documentos da Receita Federal. À época, ele era servidor de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Flávio justifica o repasse como um empréstimo. No mesmo período, aliás, ele recebeu mais 150 mil reais, também a título de “empréstimo”, de Jorge Francisco, um dos assessores mais antigos de Bolsonaro – ele atuava como uma espécie de coordenador do gabinete do então deputado, assim como Queiroz era do gabinete de Flávio. Morto em 2018, Jorge Francisco foi, entre todos os assessores, o maior doador das campanhas da família. De 2004 a 2016, ele repassou 81 mil reais aos comitês dos Bolsonaro. Jorge é pai do hoje ministro do TCU Jorge de Oliveira Francisco, ex-policial militar que até recentemente era ministro da Secretaria Geral da Presidência e, antes da eleição, havia assessorado gabinetes do clã.

Aliados do governo também empregam personagens que aparecem nas investigações sobre o entorno do presidente. Léo Índio, o primo dos filhos do presidente, por exemplo, tem emprego garantido no Congresso desde a primeira metade do atual governo. Até outubro do ano passado, ele era assessor do senador Chico Rodrigues, amigo e aliado de Jair Bolsonaro que, alvo de uma operação da PF sobre desvios de verbas da saúde em plena pandemia, foi flagrado tentando esconder dinheiro vivo entre as nádegas, como revelou Crusoé. Depois do escândalo, Léo Índio pediu demissão, e, um mês depois, foi parar no gabinete do vice-líder do governo no Senado, Carlos Viana, com salário de 17 mil reais. No início deste ano, Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, se mudou para Brasília. À época, ela disse à imprensa que se mudou para ficar próxima de Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 do presidente, de 22 anos. Logo foi nomeada na Câmara para auxiliar a deputada federal Celina Leão, do Progressistas, o partido-pilar do Centrão.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressO filho 04 do presidente levou os parceiros para reunião com ministro: Planalto se encarregou de marcar
As relações suspeitas da família Bolsonaro com pessoas de seu entorno ensejaram investigações sobre os quatro filhos do presidente. Além do caso protagonizado por Flávio e dos fantasmas de Carluxo, Eduardo Bolsonaro é alvo do inquérito dos atos antidemocráticos – ele abriga dois assessores suspeitos de fomentarem campanhas de ódio nas redes sociais. Nesta semana, foi a vez de Jair Renan entrar na mira da Polícia Federal, em razão do suposto tráfico de influência junto ao governo federal em benefício de empresários que patrocinaram sua empresa recém-aberta em Brasília. Filho 04 do presidente, Jair Renan abriu oficialmente a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia em novembro do ano passado. Sediada em um camarote no Estádio Mané Garrincha, a firma tem capital de 105 mil reais – parte doada por Luís Felipe Belmonte, empresário que encampou a fundação da Aliança pelo Brasil, o projeto de partido lançado para abrir o presidente. Na Receita Federal, a empresa registrou que sua atividade econômica consiste em “serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”. No entanto, foram atividades diferentes dessas que levaram à investigação. Jair Renan facilitou o acesso ao governo dos donos da Gramazini Granitos e Mármores, do setor de construção e mineração, que lhe deram de presente um carro elétrico de 90 mil reais. O agrado foi entregue em setembro do ano passado. Dois meses depois, o 04 articulou uma reunião entre os empresários parceiros e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para tratar sobre um projeto de interesse deles.

A audiência foi marcada por um assessor direto de Jair Bolsonaro, Joel Fonseca. Homem de confiança de longa data da família Bolsonaro, Joel é assessor especial da Presidência da República, com salário de 13,6 mil reais. Ele já passou pelos gabinetes de Jair, na Câmara, e do deputado Eduardo Bolsonaro. No Congresso, a família de Joel mantém prósperos negócios. A mulher e a filha dele são donas de uma locadora de automóveis que firmou contratos com gabinetes de alguns dos deputados mais fiéis ao presidente, como Daniel Silveira, Hélio Negão, Bia Kicis e Major Vitor Hugo – juntos, eles gastaram 340 mil reais com a empresa desde o início da atual legislatura, em 2019.

Divulgação/Marketing GramaziniDivulgação/Marketing GramaziniA sede da empresa parceria, do setor de rochas: plano de fazer um “Minha Casa, Minha Vida de granito”
Jair Renan mantém relação de proximidade também com executivos do Grupo WK, empresa do ramo de seguros com atuação no mercado imobiliário do Espírito Santo. Em suas redes sociais, os representantes do grupo fazem questão de expor a parceria com o 04. “O Renan é igual ou melhor que um pai, só que diamante. Os dois, e o Allan também”, diz Eliezer Leite, em um vídeo gravado ao lado do irmão, Wellington, e de Renan e Allan Lucena, que  apesar de ser chamado de “assessor” de Renan é também subsecretário do governo do Distrito Federal e foi personal trainer do 04. Na semana passada, Eliezer Leite esteve na Câmara dos Deputados juntamente com a mãe de Renan, Ana Cristina Valle, e fez visitas a parlamentares. Crusoé apurou que ele procurou deputados para tratar da venda de cabines ionizadas supostamente capazes de eliminar o coronavírus – mais um negócio à vista. Em suas redes sociais, Eliezer publicou recentemente fotos ao lado dos deputados Neucimar Fraga, do PSD, integrante da base do governo, e de Daniel Freitas, do PSL, soldado da tropa mais apaixonada do bolsonarismo. Neucimar nega ter tratado de negócios ou de pleitos políticos com Eliezer. Freitas não respondeu às perguntas de Crusoé. Pouco depois de a reportagem abordar os dois parlamentares, Eliezer excluiu seu perfil Instagram. Ele negou ter negócios com Jair Renan Bolsonaro. Em seguida, por meio de nota em nome da WK, Wellington Leite afirmou que a empresa intermediou a relação de Jair Renan com e a Gramazini, interessada em propor ao governo um programa de construção de casas de pedra que, diz o texto, seria uma espécie de “Minha Casa, Minha Vida de granito“.

Seja nas suspeitas envolvendo salários de funcionários dos gabinetes da família, seja nas outras frentes que levaram à abertura de investigações, o clã Bolsonaro carrega como característica comum a falta de limites entre o público e o privado. Na tentativa de se desvencilhar das suspeitas, a família tem contado com a ajuda de um “anjo”, Frederick Wassef – o advogado ganhou esse apelido da mulher de Fabrício Queiroz no período em que ele protegeu o casal, investigado e depois preso por operar o rachid no gabinete de Flávio Bolsonaro. Até aqui, Wassef tem feito jus à alcunha. Em 2019, ele obteve, junto ao ministro Dias Toffoli, uma decisão que suspendeu investigações tivessem como base comunicações entre o Coaf e o Ministério Público. No fim, o plenário do STF acabou derrubando a liminar, mas as vitórias garantidas na Justiça por Wassef não pararam por aí. Mais recentemente, um recurso movido pelo advogado em favor de Flávio Bolsonaro foi acolhido por ministros do Superior Tribunal de Justiça para anular a quebra de sigilo bancário do senador e dos outros investigados no caso do rachid. Com isso, algumas das provas mais importantes contra Flávio foram anuladas. Nas últimas semanas, Wassef passou a atuar também como advogado de Jair Renan, o 04. União é o que não falta no conglomerado familiar dos Bolsonaro.

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