A holding do rachid
O relatório do Coaf que deu origem às investigações sobre supostos desvios de salários dos servidores no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio já trazia, havia três anos, indícios de que as transações financeiras suspeitas não atingiam apenas o filho 01 de Jair Bolsonaro. As apurações preliminares indicavam que Fabrício Queiroz, amigo do presidente e uma espécie de faz-tudo da família há anos, havia depositado dinheiro na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Com o avanço das investigações, vieram mais indícios de que os salários de assessores não eram abocanhados apenas no antigo gabinete de Flávio. Quando foi decretada, a quebra de sigilo bancário do hoje senador e de mais 94 pessoas físicas e jurídicas ligadas pegou de baciada vários outros personagens que, ao longo dos anos, trabalharam também para outros integrantes do clã, como o vereador Carlos Bolsonaro e o próprio Jair Bolsonaro, na época em que ele foi deputado federal.
Nesta semana, uma reportagem do UOL mostrou que, dos extratos bancários de alguns desses assessores, há novos elementos que apontam para a hipótese de que o rachid do gabinete de Flávio era, na verdade, uma espécie de instituição familiar. Eis algumas das revelações saídas da quebra de sigilo: 1) o equivalente a 72% dos salários de quatro funcionários que trabalharam para Jair Bolsonaro na Câmara foram sacados na boca do caixa, seguindo a lógica dos auxiliares do 01. Dos 764 mil reais que ganhou, o quarteto retirou 551 mil reais em espécie no período; 2) Quatro funcionários de Carlos Bolsonaro, que já é investigado por empregar fantasmas em seu gabinete, sacaram, ao longo dos anos, 570 mil reais em dinheiro vivo, o que representa 87% de seus vencimentos; 3) Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e também investigada por ter sido chefe de gabinete de Carlos, recebeu 54 mil reais da conta de sua irmã, Andrea, que era lotada no gabinete do hoje presidente da República; e 4) Uma ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro bancou o aluguel de uma quitinete no Rio onde morava Léo Índio, primo do 01, do 02 e do 03.
Aliados do governo também empregam personagens que aparecem nas investigações sobre o entorno do presidente. Léo Índio, o primo dos filhos do presidente, por exemplo, tem emprego garantido no Congresso desde a primeira metade do atual governo. Até outubro do ano passado, ele era assessor do senador Chico Rodrigues, amigo e aliado de Jair Bolsonaro que, alvo de uma operação da PF sobre desvios de verbas da saúde em plena pandemia, foi flagrado tentando esconder dinheiro vivo entre as nádegas, como revelou Crusoé. Depois do escândalo, Léo Índio pediu demissão, e, um mês depois, foi parar no gabinete do vice-líder do governo no Senado, Carlos Viana, com salário de 17 mil reais. No início deste ano, Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, se mudou para Brasília. À época, ela disse à imprensa que se mudou para ficar próxima de Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 do presidente, de 22 anos. Logo foi nomeada na Câmara para auxiliar a deputada federal Celina Leão, do Progressistas, o partido-pilar do Centrão.
A audiência foi marcada por um assessor direto de Jair Bolsonaro, Joel Fonseca. Homem de confiança de longa data da família Bolsonaro, Joel é assessor especial da Presidência da República, com salário de 13,6 mil reais. Ele já passou pelos gabinetes de Jair, na Câmara, e do deputado Eduardo Bolsonaro. No Congresso, a família de Joel mantém prósperos negócios. A mulher e a filha dele são donas de uma locadora de automóveis que firmou contratos com gabinetes de alguns dos deputados mais fiéis ao presidente, como Daniel Silveira, Hélio Negão, Bia Kicis e Major Vitor Hugo – juntos, eles gastaram 340 mil reais com a empresa desde o início da atual legislatura, em 2019.
Seja nas suspeitas envolvendo salários de funcionários dos gabinetes da família, seja nas outras frentes que levaram à abertura de investigações, o clã Bolsonaro carrega como característica comum a falta de limites entre o público e o privado. Na tentativa de se desvencilhar das suspeitas, a família tem contado com a ajuda de um “anjo”, Frederick Wassef – o advogado ganhou esse apelido da mulher de Fabrício Queiroz no período em que ele protegeu o casal, investigado e depois preso por operar o rachid no gabinete de Flávio Bolsonaro. Até aqui, Wassef tem feito jus à alcunha. Em 2019, ele obteve, junto ao ministro Dias Toffoli, uma decisão que suspendeu investigações tivessem como base comunicações entre o Coaf e o Ministério Público. No fim, o plenário do STF acabou derrubando a liminar, mas as vitórias garantidas na Justiça por Wassef não pararam por aí. Mais recentemente, um recurso movido pelo advogado em favor de Flávio Bolsonaro foi acolhido por ministros do Superior Tribunal de Justiça para anular a quebra de sigilo bancário do senador e dos outros investigados no caso do rachid. Com isso, algumas das provas mais importantes contra Flávio foram anuladas. Nas últimas semanas, Wassef passou a atuar também como advogado de Jair Renan, o 04. União é o que não falta no conglomerado familiar dos Bolsonaro.
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