Reprodução/NSC"Se o Kássio votar pela parcialidade do Sergio Moro, a responsabilidade disso vai ser do Bolsonaro"

Aliado, mas com reservas

O senador Esperidião Amin, do Progressistas, defende Bolsonaro, mas diz que a suspeição de Moro pode ser fatal para a imagem do presidente, uma vez que o ministro Kassio Marques é sua criatura
19.03.21

Com 73 anos de idade e quase cinco décadas na política, o catarinense Esperidião Amin, do Progressistas, é um dos veteranos do Congresso Nacional. Advogado e professor de administração, ele foi prefeito de Florianópolis, governador de Santa Catarina e deputado federal por três mandatos. Amin sobreviveu à onda de renovação e conseguiu se eleger para o Senado Federal em 2018, quando candidatos que apoiavam a agenda anticorrupção ganharam grande projeção. Agora, com a Lava Jato na berlinda, o senador acredita que o cenário eleitoral poderá mudar para o presidente da República. Ele aposta que o julgamento do Supremo Tribunal Federal que vai decidir sobre a suposta suspeição do ex-juiz Sergio Moro será um divisor de águas na carreira política de Bolsonaro, porque um indicado do presidente, o ministro Kássio Marques, será responsável por dar o voto decisivo no processo.

Quem vai acreditar que a responsabilidade disso não é do Bolsonaro? Quem inventou esse cara? Se acontecer o pior, uma boa parte da torcida do Bolsonaro não o perdoará”, afirma Amin nesta entrevista a Crusoé. “O que esse pessoal vai dizer? Vai colocar a culpa no Kassio Marques? Não, vai colocar a culpa em quem o inventou.

Diretamente afetado pela pandemia, com cinco familiares infectados pela Covid, entre eles uma neta de dois anos, Esperidião Amin evita criticar a condução de Bolsonaro no combate ao coronavírus. Prefere culpar o “mercado” e diz que os laboratórios farmacêuticos e fabricantes de vacina são “aproveitadores”. Usuário de ivermectina, remédio para vermes sem comprovação científica no tratamento da Covid, o parlamentar do Progressistas mostra sua veia governista ao se posicionar contra a CPI da Covid, em debate no Senado. Ele também é contra a abertura de um processo contra o senador Flávio Bolsonaro no Conselho de Ética. A seguir, os principais trechos.

O sr. está na política há quase cinco décadas. Como enxerga o movimento de renovação de 2018 e a volta à velha política, cada vez mais forte no governo e no Congresso?
Fui eleito deputado federal pela primeira vez com 30 anos. Fui eleito governador do estado com 34 anos. Acho que posso falar sobre esse tema. Existe a renovação biológica, essa é irreversível. O cabelo branco e a ruga às vezes encarnam mais o que é velho do que as práticas em si. A verdadeira renovação é você ter a capacidade de enxergar o mesmo cenário, a mesma paisagem e perceber coisas novas sempre, postar-se criticamente de uma maneira diferente do que você faria no passado. Encaro a renovação sob esses dois aspectos. Eu sou fã do Clint Eastwood, e no filme Mula ele usou uma música que chama Não deixe o velho entrar. Eu tive a coragem de defender a minha tese de doutorado aos 62 anos, em uma universidade pública, então acho que posso dizer que não deixei o velho entrar.

Desde o ano passado, o seu partido, o Progressistas, passou a apoiar o governo em troca de cargos e emendas. Isso o incomoda?
Não há nada mais natural do que a relação entre o Bolsonaro e o Progressistas. Foi o partido que mais tempo o aturou e que ele aturou. Já disse isso a ele: ninguém se perde no caminho de volta. O Bolsonaro tem e sempre terá o voto do Progressistas por uma questão de afinidade pessoal histórica. Os cargos fazem parte do cardápio do presidencialismo de coalizão. Alguém tem que assessorar o presidente em suas nomeações. Ele não conhece pessoalmente todos os que ele nomeou. Às vezes nem no primeiro escalão, quanto mais no segundo.

Qual a avaliação do sr. sobre a gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde?
Acompanho tudo, sobretudo com uma preocupação de cidadão. Tenho família e, dos oito adultos da minha tribo, cinco tiveram Covid. O sogro da minha filha morreu, uma neta de dois anos teve Covid. Sou, portanto, uma pessoa diretamente afetada, é impossível não acompanhar com aflição. Reconheço o esforço (do ministério) e acho que estamos nos confrontando com ciência, doença e mercado. Mas pouco foco está sendo colocado na questão do mercado. O Trump e agora o Biden, como eles conseguiram vacina para imunizar mais de 100 milhões de pessoas? Eles têm a fábrica e a Lei da Guerra, que obriga laboratórios como a Merck, que é concorrente da Janssen e da Pfizer, a colocarem suas linhas de produção a serviço das vacinas. O México e o Canadá têm sofrido. O presidente (mexicano Manuel López) Obrador se ajoelhou perante Biden para que fizesse a Pfizer atendê-los. A Pfizer foi contemplada na crise do subprime, em 2009, pelo Obama. Empresas como Pfizer, Boeing e GM foram virtualmente estatizadas por uma questão relacionada ao mercado. Nós não somos protagonistas no desenvolvimento da vacina. Temos duas grandes instituições que incorporam a tecnologia e têm condição de produzir vacinas, mas nunca tínhamos enfrentado uma situação como essa.

Mas o Brasil teve ofertas de empresas como a própria Pfizer desde agosto do ano passado e recusou…
Nosso problema é o mercado. Ele é impiedoso. Se de um lado tem o cientista, de outro tem o mercado, a concorrência. Por que o (José) Serra foi um bom ministro? Porque ele teve coragem de enfrentar o mercado e conseguiu a quebra de patentes e os genéricos, conseguiu encaminhar uma solução pioneira no mundo com relação ao HIV. A gente está se confrontando com o mercado e achando que todo mundo que diz “vou te entregar 30 milhões de vacinas” vai cumprir isso. Como em toda guerra, estamos vendo solidariedade, mas também deslizes e aproveitadores.

Onde estão os deslizes e quem são os aproveitadores?
São os operadores de mercado e os laboratórios. A escritora Márcia Angell escreveu seu primeiro livro em 2007, chama-se A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos – como somos enganados e o que podemos fazer a respeito. Esse foi o livro inaugural denunciando a prática das patentes, das transferências de patentes. Um remédio que não tenha lucratividade não é produzido. Remédios baratos não convêm porque já são verdadeiras commodities.

Edilson Rodrigues/Agência SenadoEdilson Rodrigues/Agência Senado“Como em toda guerra, estamos vendo solidariedade, mas também deslizes e aproveitadores”
A CPI da Covid, que poderia investigar falhas no combate à pandemia, não foi instalada por resistência do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Por que o sr. é contra a investigação? 
Não assinei e não assino. Neste momento, é mais uma manobra, se constituirá em um recurso diversionista e divisionista, quando nós temos que nos unir. Aqui em Santa Catarina, tivemos uma CPI dramática, que não deu resultados, e somente agora foram denunciadas as pessoas que eventualmente serão consideradas culpadas. Quantas CPIs nós teríamos no Brasil se fôssemos apurar a compra de máscaras, de respiradores, de kits de intubação? Este não é exatamente o momento para se fazer uma CPI sobre a Covid. A CPI caberá muito bem depois das fiscalizações que temos em andamento no Ministério Público, na CGU, nas controladorias nos estados. Esses órgãos, aliás, podem perfeitamente impedir contratações suspeitas.

Desde 2019, estão em andamento movimentos políticos para enterrar a Lava Jato. Qual a opinião do sr. sobre o empenho de certos políticos para acabar com a operação?
Sou amigo do Bolsonaro há 30 anos. Quando o conheci, ele era deputado, eu era presidente do partido (Progressistas, então PP). Jogamos bola juntos. Gosto dele, aposto na honestidade dele. Mas acho que estamos em um momento crucial. Ele nomeou por escolha própria e pessoal o Kássio Marques para o Supremo. E disse: você é o cara. Se mais alguém o influenciou, não me interessa, a escolha foi dele. Se o Kássio votar pela parcialidade do Sergio Moro, eu não vou responsabilizar o ministro, a responsabilidade disso vai ser do Bolsonaro.

Um eventual voto do ministro Kássio contra Moro poderá ter impacto político para Jair Bolsonaro?
Estou ansioso para ver o desfecho. Está em dois a dois. Suponhamos que o ministro Kássio Marques vote junto com Gilmar Mendes e (Ricardo) Lewandowski. Quem vai acreditar que a responsabilidade disso não é do Bolsonaro? Quem inventou esse cara? Ele nem postulava ser ministro do Supremo.

O ministro Kássio teve apoio do senador Ciro Nogueira, atual presidente do seu partido.
O Ciro Nogueira não está em questão. Até eu votei no cara. Mas quem escolheu? O assunto é muito mais grave. Não é quem indicou, se foi fulano, se foi beltrano. Quem disse ao Kássio “você é o cara” foi Jair Messias Bolsonaro. Não gostei do voto do ministro no julgamento sobre a reeleição da mesa diretora do Congresso, quando ele decidiu que Davi Alcolumbre poderia ser reeleito e Rodrigo Maia, não. Um voto… bota jabuti nisso. Eu disse publicamente na CCJ ao Sergio Moro: a Lava Jato foi um grande ganho para o país. Vamos ver se o Supremo referendará o que o Fachin decidiu (sobre Lula). Espero que não. Mas aí será o Supremo, são onze pessoas, e nenhum de nós é responsável por isso. É uma questão de estado de direito. No caso do Moro, uma pessoa só que vai dar o voto decisivo? E essa pessoa não foi nomeada pelo Sarney, nem pelo FHC, pelo Collor, pela Dilma, pelo Lula, pelo Temer, foi nomeado e escolhido pelo Jair Bolsonaro, que se elegeu nesse embalo da Lava Jato e inclusive convidou o Moro para ser seu ministro. Se eles se desentenderam, não cabe examinar, o povo precisa de instituições.

O sr. acredita que haverá consequências para Bolsonaro?
Vai ser um abalo dramático para tudo aquilo que passou a existir sob a égide da Lava Jato. Eu disputei a eleição apoiando a Lava Jato. Quando falei com Moro na CCJ, eu disse: exemplo de abuso de autoridade foi a condução coercitiva do Lula. É uma coisa sem pé nem cabeça, eu disse a ele, mas isso não diminui o bem que a Lava Jato fez para os costumes do Brasil. Detonar a Lava Jato é uma coisa que coloca em risco até a capacidade de aturar decisões erradas por parte da sociedade. Estou muito preocupado com isso. Pela questão do voto do Fachin, que me aflige. Mas o (julgamento) do Sergio Moro, isso me deixa muito, mas muito aflito. Só não fico de cabelos brancos porque não os tenho.

Sergio Lima/FolhapressSergio Lima/Folhapress“Detonar a Lava Jato é uma coisa que coloca em risco até a capacidade de aturar decisões erradas por parte da sociedade”
Acredita que Sergio Moro será candidato em 2022?
Acho que ele já tem seu espaço na história recente do Brasil. Ele é um dos sustentáculos desse fato jurídico político e nacional que é a Lava Jato, isso ninguém vai tirar dele. Agora considerá-lo parcial é simplesmente querer passar a borracha em cima de provas contundentes, de fatos inequívocos, por causa de preciosismos formais que não impediram que as pessoas exercessem seu amplo direito de defesa. Isso é um escárnio, um tapa na cara da sociedade. Essa questão específica do Moro vai, sim, ser fulanizada no voto do Kássio. Será de uma gravidade política e social imensa. Se acontecer o pior, uma boa parte da torcida do Bolsonaro não o perdoará. Essa é a minha avaliação. Não é difícil imaginar qual será a reação do operário de São Paulo que votou no Bolsonaro porque achava que ele representava a seriedade na política, ou de um descendente de alemão aqui em Blumenau, onde ele teve mais de 80% dos votos. O que esse pessoal vai dizer? Vai colocar a culpa no Supremo? No Kássio Marques? Não, vai colocar a culpa em quem o inventou.

Bolsonaro tem ingerência sobre o voto do ministro Kássio Marques?
(risos) Te devolvo essa pergunta, acho que não quero mais falar sobre o assunto. E mesmo que não tenha ingerência, ele sofrerá todas as consequências.

Qual a avaliação o sr. faz da gestão do ministro Paulo Guedes na economia?
O ministro Paulo Guedes afirmou que só pedirá demissão se houver um grande erro, mas ele cometeu um erro ao promover esse interstício entre o 31 de dezembro e a retomada do auxílio emergencial. Estamos há dois meses e meio sem crédito para as empresas, sem auxílio emergencial para os pobres, vivendo o pior momento da pandemia. Esse limbo nos fez mal. Não poderíamos ter encerrado o combate aos efeitos da pandemia juntamente com o ano civil, tanto do ponto de vista da assistência quanto dos programas de atendimento aos pequenos, médios e grandes empresários. O Trump tinha dado um pacote de 1,5 trilhão de dólares e agora o Biden deu mais 1,9 trilhão de dólares.

Com a intervenção na Petrobras, Bolsonaro abandonou de vez a agenda liberal?
Isso é folia de mercado, ninguém vendeu as ações da Petrobras desvalorizadas. Isso é tudo foguetório, uma ilusão. A economia precisa tornar acessível o crédito para quem trabalha, assim como o governo fez no ano passado. O TCU anunciou que 7 milhões de pessoas receberam indevidamente o auxílio emergencial. O governo tem que pegar isso de volta, são recebíveis. O governo fez um belo programa, com alguns erros. Agora, para pagar um valor menor do que os benefícios pagos irregularmente no ano passado, houve essa demora. Foi um erro que vai retardar a retomada econômica. Perdemos três dos doze meses de 2021 pela paralisia na assistência às pessoas e políticas de crédito.

Sérgio Lima/FolhapressSérgio Lima/Folhapress“O que falta para Lula, para o PT, para mim, para o Bolsonaro, senão para todos os políticos brasileiros, é isto: autocrítica”
Em 2015, quando deixou o PP, Bolsonaro fez uma série de acusações de corrupção contra o partido e até hoje a legenda está envolvida em escândalos de corrupção. Acredita que o presidente voltará ao Progressistas?
Em 2018, eu tentei três vezes que ele conversasse com o Ciro Nogueira para ser o nosso candidato pelo PP. Já tinha até vice, que era a Ana Amélia. Ele nunca disse não, mas tenho certeza de que os dois nunca conversaram por causa desse clima. Não houve uma briga, uma coisa escandalosa, não foi um divórcio litigioso. E acho que a reconciliação já aconteceu, a volta ao partido é outra coisa. Ele apoiou decidida e decisivamente a eleição do Arthur Lira. Quanto à volta ao partido, acho que não teremos resposta tão cedo. Esse é meu palpite, ele não tem nenhum motivo para entrar em um partido agora, o prazo dele é março do ano que vem.

Qual será o impacto da volta de Lula ao cenário político?
O Obama, antes de se decepcionar e falar mal dele, disse que Lula era o cara. O Lula sempre foi o cara, teve uma biografia magnífica. É um operário, já discuti com ele, já abracei, é uma figura humana extraordinária. Mas ele e o PT, enquanto não fizerem uma autocrítica, serão zumbis. Aliás, todos nós, sem autocrítica, voltamos ao primitivismo moral. Com um pouquinho de autocrítica, ele daria uma lição para a humanidade. O que falta para Lula, para o PT, para mim, para o Bolsonaro, senão para todos os políticos brasileiros, é isto: autocrítica.

Lula ainda é competitivo?
Ele sempre será competitivo. Com a gravidade desse cenário da decisão sobre a parcialidade do Sergio Moro, acho que isso daí pode dar a vez para um tertius. O desencanto diante de uma possível associação de Bolsonaro à liquidação da Lava Jato terá consequências. Se o Bolsonaro ajudar a acabar com a Lava Jato, eu vou votar nele por quê? Porque ele é do Centrão? Seria um candidato comum, não seria o profeta, o mito que ganhou a eleição de 2018. Votei nele no primeiro e no segundo turno. No meu estado, ele fez 76% dos votos. É um estado industrial, com trabalhador, com PT forte. Essas pessoas não votaram no candidato do Centrão, votaram em um personagem que representava, entre outras coisas, combate à corrupção.

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