Marcos Corrêa/PRBolsonaro com Anderson Torres, o novo ministro da Justiça: "alinhamento político"

A PF dominada

O presidente Jair Bolsonaro dá mais um passo importante para concretizar seu desejo de ter a Polícia Federal sob controle
09.04.21

O movimento custou a queda de seu ministro mais popular, além de um inquérito no Supremo, mas Jair Bolsonaro parece ter aprendido que pressionar integrantes do governo publicamente só atrapalha seu plano de interferir nas instituições que lhe são mais estratégicas. A obsessão do presidente pelo controle da Polícia Federal extrapolou os limites republicanos na fatídica reunião ministerial de abril do ano passado, aquela que culminou com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Na ocasião, o desejo explícito de “intervir” na PF para proteger a “família” frustrou a manobra para colocar um nome íntimo do clã presidencial, o delegado Alexandre Ramagem, no comando da corporação.

Quase um ano depois, Bolsonaro demonstrou que a solução encontrada naquele momento, com a ida de seu fiel advogado-geral da União, André Mendonça, para o lugar de Moro e a indicação de um quadro técnico ligado a Ramagem para a PF, ainda não satisfazia seus anseios. Era preciso dar mais um passo para o presidente ter, de fato, uma polícia para chamar de sua. A solução foi construída politicamente nesta semana, quando ele conseguiu colocar no posto de diretor-geral um delegado essencialmente político e acostumado a lidar com as vontades de seus chefes.

Bolsonaro aproveitou a barulhenta mudança no comando do Ministério da Defesa e das Forças Armadas na semana passada para consolidar, agora de forma bem mais discreta, o desejado alinhamento da PF aos interesses do Planalto. Se na caserna a reação dos generais o impediu de criar o seu Exército, como mostrou a última edição de Crusoé, o mesmo não se pode dizer da nova “PF de Bolsonaro”.

As nomeações do delegado Anderson Torres para o Ministério da Justiça e do delegado Paulo Gustavo Maiurino para o comando da Polícia Federal simbolizam uma guinada política nos setores de inteligência policial e de combate ao crime organizado no momento em que não apenas Bolsonaro, mas também seus filhos 01, 02, 03 e 04 são alvos de investigações envolvendo desde tráfico de influência a lavagem de dinheiro e corrupção.

Tanto Torres quanto Maiurino estão afastados há anos das atividades operacionais da PF e passaram as últimas temporadas ocupando cargos políticos, seja como secretários de governo, seja como assessores parlamentares. Foi nos corredores da Câmara dos Deputados, aliás, que as trajetórias de Bolsonaro, do novo ministro da Justiça e do novo diretor-geral da PF se cruzaram.

Delegado da PF desde 1998, Paulo Maiurino passou por alguns postos de comando na polícia. Chefiou a delegacia da PF no Chuí, na fronteira com o Uruguai, o escritório da Interpol em Brasília e foi corregedor do Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, antes de ocupar cargos mais políticos. Entre os casos mais rumorosos que carrega no currículo, estão participações na investigação do mensalão petista e do mensalão tucano. Sua ascensão dentro da PF ocorreu na gestão do diretor-geral Luiz Fernando Correa (2007-2011), com quem Maiurino trabalhou no início da carreira no Rio Grande do Sul. Já seu distanciamento do dia a dia da corporação se deu por desentendimentos com o outro chefe gaúcho — desde a gestão de Leandro Daiello, em 2011, o novo diretor da PF não atuava efetivamente dentro de seu órgão de origem.

Em Brasília, Maiurino chegou a ser assessor especial na Secretaria de Segurança no governo do petista Agnelo Queiroz, em 2014, no Distrito Federal, antes de mudar seu endereço profissional para o Congresso, uma passagem que ele prefere omitir do currículo oficial. Por pouco mais de um ano, entre março de 2015 e maio de 2016, o delegado foi assessor parlamentar do primo, o ex-deputado Marcelo Squassoni, do Republicanos de São Paulo. Três anos depois, em 2019, Squassoni foi preso pela PF em uma operação contra um esquema de corrupção no Porto de Santos. O primo e ex-chefe de Maiurino foi acusado de receber mesada de até 60 mil reais de empresários interessados em fraudar contratos com a estatal portuária.

Assembleia Legislativa de São PauloAssembleia Legislativa de São PauloO delegado Maiurino, nomeado como diretor-geral da PF, chegou a atuar no “inquérito do fim do mundo”
A convivência com deputados nos mesmos corredores frequentados pelo então deputado Jair Bolsonaro e pelo então assessor Anderson Torres rendeu a Maiurino uma inusitada indicação do Republicanos para o governo de Geraldo Alckmin, do PSDB, em São Paulo. Em junho de 2016, o delegado federal virou secretário de Esporte, Lazer e Juventude do tucano, em um loteamento político costurado pelo primo Squassoni e pelo deputado Marcos Pereira, aliado de Bolsonaro e presidente do partido que abriga hoje o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, os filhos 01 e 02 do presidente.

À época, o governador tucano disse que manteria o espaço do Republicanos no seu governo desde que o indicado não fosse pastor da Igreja Universal. O jeito afável e o jogo de cintura de Maiurino cativaram em pouco tempo aqueles que duvidavam do traquejo político do delegado. Quem trabalhou com ele no governo lembra de seu ótimo trânsito com deputados da bancada evangélica. Maiurino recebia prefeitos e parlamentares interessados em gastar verbas de emendas em projetos da pasta nos seus redutos eleitorais e era presença constante em inaugurações.

A desenvoltura garantiu ao delegado uma sobrevida no governo paulista, quando Márcio França assumiu o comando do estado e entregou a secretaria a outro partido. De maio até o final de 2018, Maiurino passou a responder como subsecretário de Segurança. O rebaixamento de cargo e de salário foi recompensado com um jeton de 6 mil reais por mês que ele passou a receber como conselheiro da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, controlada pelo governo paulista.

As conexões políticas do novo diretor-geral da PF o levaram para o Rio de Janeiro em 2019, como membro do Conselho de Segurança do então governador Wilson Witzel, do PSC, ex-aliado de Bolsonaro. Mas foi a recente atuação de Maiurino nos tribunais superiores de Brasília que deram a ele a principal credencial para ocupar o cargo – a certeza de que não teria o mesmo destino de Alexandre Ramagem, cuja nomeação foi suspensa por liminar pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Em outubro de 2019, o delegado foi convidado pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, para chefiar a secretaria de segurança institucional do tribunal. Pesou na escolha de Toffoli o fato de Maiurino ter nascido em Marília, a terra natal do ministro, no interior paulista.

A nomeação de Maiurino para o cargo no STF ocorreu logo depois que Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, afirmou ter ido armado a uma sessão do Supremo com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. Mas a atuação do delegado em defesa dos magistrados foi além disso. Recentemente, Alexandre de Moraes contou a um interlocutor que o delegado também o auxiliou no inquérito das fake news, aquele aberto por Toffoli em 2019 para investigar supostas ofensas e ameaças aos magistrados e que resultou na censuraCrusoé. Oficialmente, contudo, o nome do delegado não aparece nos apensos da investigação que já vieram a público.

O novo diretor-geral da PF também atuou em outro inquérito polêmico, aberto pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, para investigar procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, por suposta tentativa de investigar clandestinamente ministros da corte. O inquérito, instaurado com base nas mensagens que hackers roubaram de telefones dos integrantes da operação, seguia a mesma narrativa que embasou o inquérito do STF, mas acabou suspenso pela ministra Rosa Weber, do Supremo. Paulo Maiurino atuava desde setembro do ano passado como assessor especial de segurança do Conselho de Justiça Federal, também presidido por Humberto Martins. Foi lá que ele ganhou a confiança do ministro, a ponto de ser convidado para tocar o inquérito contra os procuradores.

Embora conheça Maiurino desde os tempos de Câmara, onde ficou por quatro anos como chefe de gabinete do ex-deputado Delegado Francischini, do PSL do Paraná, o ministro Anderson Torres se aproximou do novo diretor-geral nos dois últimos anos, quando ele foi secretário de Segurança do governo de Ibaneis Rocha, no Distrito Federal. Além do componente político, a decisão de colocar Maiurino no lugar de Rolando Souza também tem um elemento pessoal. Torres não queria deixar no segundo cargo mais importante da sua pasta um nome ligado a Alexandre Ramagem, com quem não se entende desde a disputa pela chefia da Polícia Federal em abril do ano passado. Agora, o diretor da Abin e amigo pessoal dos filhos de Bolsonaro perde influência na PF, mas Torres prometeu ao presidente uma atuação da corporação ainda mais alinhada aos interesses políticos do Planalto.

Marcos Corrêa/PRMarcos Corrêa/PRNa reunião de abril de 2020, Bolsonaro escancarou seu plano de controlar a PF
O acerto ficou patente na rápida e discreta cerimônia de posse de Anderson Torres, na última terça-feira. Citando o “medo de crises maiores decorrentes da fome e do desemprego” por causa da pandemia, ele defendeu que a “força da segurança publica” tem de “garantir a todos um ir e vir sereno e pacífico” e enfatizou que “as pessoas precisam voltar a trabalhar” – exatamente como prega Bolsonaro. Torres também prometeu resgatar a segurança pública como bandeira eleitoral do presidente. De todos as atribuições atinentes ao ministério, Bolsonaro concentrou sua fala de dois minutos, é claro, na PF. “Quis o momento que houvesse uma troca no Ministério da Justiça”, disse, fazendo questão de lembrar que, abaixo de Torres, “diretamente subordinada”, está a Polícia Federal.

A indicação de Anderson Torres foi muito bem recebida no meio político, especialmente pelo Centrão e pela bancada da bala, de quem ele é próximo. Já a escolha para o comando da PF surpreendeu as vozes mais experientes da corporação e deixou apreensivos delegados e agentes que estão na linha de frente das investigações. Como o momento atual impõe uma espécie de mordaça aos profissionais, publicamente os delegados se manifestaram apenas de forma cordial por meio de suas entidades representativas, desejando sucesso ao novo diretor-geral, mas alertando que as frequentes mudanças administrativas impostas pelo Planalto – é a terceira em pouco mais de dois anos – geram instabilidade e ameaçam a continuidade de projetos e até investigações.

“Qualquer instituição fica prejudicada com essa instabilidade. Muda o diretor-geral, a gente sabe que em seguida mudam alguns postos de diretoria e as superintendências regionais. O delegado que está trabalhando lá na ponta sente o impacto, fica um clima péssimo”, afirma a delegada Tânia Prado, presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. A categoria defende a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que está parada no Congresso e prevê mandato fixo de três anos para diretor-geral, o que daria maior autonomia à corporação. “Isso é muito importante para que o delegado não fique sujeito a pressões e ingerências de quem quer que seja”, emenda a delegada.

As “mudanças naturais” na PF anunciadas por Bolsonaro na posse de Anderson Torres já estão a caminho. O novo diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, já convidou o delegado Luiz Flávio Zampronha para assumir a função de diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado. Trata-se da posição mais importante dentro da estrutura da PF, depois da de diretor-geral, porque é de lá que são comandadas as operações e as investigações mais sensíveis, entre elas as que envolvem políticos.

Zampronha atuou na linha de frente do inquérito que investigou o mensalão do PT, período em que conheceu Maiurino, e mais recentemente conduziu a Operação Spoofing, que prendeu os hackers que invadiram os celulares dos procuradores da Lava Jato de outros agentes públicos, no ano passado. Após a troca na cúpula em Brasília, Maiurino deve anunciar mudanças nas superintendências nos estados.

Se a atual conjuntura política, com o acordão de Bolsonaro com o velho establishment político, já destruiu a Lava Jato, a tendência com o novo comando da Polícia Federal é de que o cerco aos investigadores pouco alinhados à cúpula da corporação se aperte. Ações da PF como a busca e apreensão feita nesta semana contra um agente da Abin acusado de vazar dados da agência a jornalistas e a investigação contra o suposto “aparato” que quebra sigilos dentro do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, devem ficar ainda mais frequentes.

Nessas duas frentes, curiosamente a ação da PF está focada não nas questões de fundo, mas na tentativa de identificar o ponto onde os investigadores ousaram desafiar os poderosos de plantão. Ou seja: a ideia central, assim como nos inquéritos do STF e do STJ, é investigar os investigadores que incomodam o poder. No primeiro caso, o da Abin, a apuração caminha para produzir um atestado de inocência para Alexandre Ramagem, o diretor da agência, apontado como responsável pela produção de relatórios para defender Flávio Bolsonaro. O segundo, o do Coaf, deu palco na semana passada para Frederick Wassef, advogado do clã presidencial, desfiar durante horas sua narrativa de que o órgão responsável por monitorar suspeitas de lavagem de dinheiro passou a atuar como uma central de espionagem – justamente a narrativa que favorece a tese de defesa do filho 01 do presidente.

Cada vez mais, tudo está dominado.

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