RuyGoiaba

Aberta a temporada de caça

23.04.21

Faltam um ano e meio e sabe-se lá quantas centenas de milhares de mortos por Covid até as eleições de 2022 — se é que o Brasil vai sobreviver nesse longuíssimo prazo —, mas as patrulhas já estão nas ruas das redes sociais. O objetivo delas, por enquanto, não é bater nos seus rivais diretos, mas eliminar a concorrência em seus próprios campos até que não sobre nada além de Jair Bolsonaro e Lula na paisagem devastada. Quase fiz uma piada sobre o Comando de Caça aos Centristas, mas percebi que há também um Comando de Caça DOS Centristas, e só falta eles pegarem o primeiro incauto que passar na rua: “Ei, você! Venha aqui ser o candidato da terceira via!” (levar a sério a viabilidade de Tasso Jereissati como “Biden brasileiro” já está mais ou menos próximo disso).

Podem reparar: enquanto os bolsominions se dedicam a bater muito mais em João Doria do que em Lula, os lulaminions hoje estão menos empenhados em atacar Bolsonaro do que em detonar Ciro Gomes e outras ameaças ao seu “público” — como em 2014, quando caíram em cima de Marina Silva e ajudaram Aécio Neves a ir ao segundo turno contra Dilma Rousseff. Vão continuar dizendo que, sim, apoiam a CPI da Covid e o impeachment do Imbecil Lombrosiano, mas só para não ficar feio: de vez em quando, até aparece algum petista sincero demais nas redes ou em cloacas como o Brasil 171 para admitir que tirar já Bolsonaro do poder não lhes interessa. E, sobretudo, vão continuar patrulhando o jornalismo que ouse ser qualquer coisa menos que reverente a Sua Lulidade.

Na semana passada, o caso de Pedro Bial, que cobriu a queda do Muro de Berlim e sobreviveu a inúmeros BBBs, ofereceu um ótimo exemplo do que as patrulhas fazem com quem pisar fora da linha. Bial contou ao Manhattan Connection que Lula só aceitava dar entrevista para seu talk show se fosse ao vivo, por não confiar na edição do programa, e ironizou: “Ao vivo, só com polígrafo”. É o tipo de comentário de que todo mundo riria se fosse sobre um Paulo Maluf; como foi sobre o Deus-Sol, o mundo caiu. E não foi só o “credo, que grosseria”: pipocaram nas redes sociais um vídeo com Bial falando bem do glorioso Olavo de Carvalho (mas que cortava os elogios a Jean Wyllys na mesma sentença) e até acusações de violência doméstica, que são “baixaria” apenas quando vêm de rivais.

O entrevistador respondeu em um artigo na Folha e disse ter chamado Lula de mentiroso não como apelo ao clichê “políticos mentem”, mas por um episódio específico: o relato completamente distorcido que a alma mais honesta do Brasil fez de sua entrevista logo após estourar o mensalão, no final de 2005. Aquela mesma em que Lula, dramático, disse ter levado uma “facada nas costas”, que o PT tinha errado e ainda precisaria “sangrar muito” etc. Exibida no Fantástico no início de 2006, a entrevista marcou o início da recuperação do petista, que se reelegeria presidente naquele ano — mas, em 2014, já estava sendo usada por Sua Lulidade como caso de “agressividade” e “falta de educação” da mídia má.

E qual foi a reação depois que Bial publicou seu texto na Folha? Claro: voltou a ser acusado de falta de profissionalismo (“quanto rancor com um episódio de anos atrás!”), como já tinha sido antes por causa da “grosseria”. Supõe-se que “profissionalismo” nesse caso equivalha a reverência absoluta: o Deus-Sol pode tudo, desde impor entrevista ao vivo por “não confiar na edição” — aliás, Lula também exige poder de veto sobre entrevistadores em programas como o Roda Viva; Bolsonaro está longe de ser o único que prefere lidar só com a mídia amiga — até mentir descaradamente sobre uma conversa facílima de achar na internet. Qualquer resposta a ele diferente de SIM, SENHOR é chutar a santa. Ou pior: ser fascista, colaboracionista, bolsominion — acusação que só funciona contra os Simpáticos à Causa do Bem, com efeito zero nos reais vendidos ao bolsonarismo.

Enfim, a temporada de caça foi aberta, e é bom para o leitor ficar sabendo desde já que não é de bom-tom querer nada diferente de um ringue com Bolsonaro e Lula em 2022: nem mesmo ejetar o primeiro do poder AGORA, se possível para ontem (a dica é fingir que quer o impeachment, mas sem se esforçar muito). É como disseram no Twitter sobre o atual governo, mas vale para o Brasil: temos de reconhecer que hoje estamos muito melhores do que na semana que vem.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Desta vez não teve para ninguém: só deu a primeira-família no meu ranking semanal de cretinices. Eu pensava que nada poderia superar o Evangelho Segundo Jair Bolsonaro: “Tem uma passagem bíblica, se não me engano, quando Jesus dividiu o pão. Depois ele deu uma desaparecidinha, né? Daí o povo foi atrás. Foi atrás de Jesus pra quê? Pra mais benefícios pessoais. Fizeram a ligação com o PT dando bolsa isso, bolsa aquilo?”. Deve ter sido a primeiríssima vez que um rival político comparou o PT a Jesus: o vídeo da campanha já está prontinho.

Mas aí aparece o inacreditável Carlos Bolsonaro e supera o papai: em uma discussão na Câmara Municipal do Rio, Carluxo conseguiu ver “ideologia de gênero” em um trecho da Lei Geral de Proteção de Dados que fala em “autodeterminação informativa” (e que não tem NADA a ver com alguém se autodenominar homem, mulher, tigre, jacaré etc., como entendeu o vereador federal: é o direito de a pessoa exercer controle sobre o uso dos seus dados pessoais). Como resumiu O Antagonista, Carluxo confundiu LGPD com LGBT: o filho 02 de Jair Bolsonaro, como aliás seus tuítes demonstram, é a versão 2.0 da Dona Bela da Escolinha do Professor Raimundo. Só pensa… naquilo.

Reprodução/TV GloboReprodução/TV GloboZezé Macedo, a Dona Bela da Escolinha, interpretando Carluxo na Câmara do Rio

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