Adriano Machado/CrusoéJoel Fonseca: o assessor do gabinete de Bolsonaro é encarregado de atender Jair Renan

Babá do 04

Quem é o assessor do gabinete presidencial que abriu portas no governo para parceiros de Jair Renan. Como os Bolsonaro, ele sabe bem explorar negócios de gabinete. Tem até uma locadora que aluga carros para deputados bolsonaristas
30.04.21

Entre 11 e 13 de novembro do ano passado, o assessor especial da Presidência Joel Novaes da Fonseca foi escalado para acompanhar Jair Renan Bolsonaro, o 04, e seu mais novo parceiro de negócios, o empresário capixaba Jhonatan Thomazini, em um tour por gabinetes de Brasília. O grupo esteve em repartições na Asa Norte, no setor de Autarquias Sul e na sede do Ministério do Desenvolvimento Regional, onde teve uma reunião com o ministro Rogério Marinho. Uma parte dos compromissos veio a público após a descoberta de que, antes das visitas, Thomazini doou um carro elétrico para um projeto ligado a Jair Renan – uma daquelas típicas misturas de público com privado que, agora, é investigada em um inquérito da Polícia Federal. As reuniões do empresário e do filho do presidente com os representantes do governo foram cuidadosamente agendadas com antecedência, a partir do Planalto, e delas constava apenas o nome de Joel Novaes.

Desde sua chegada ao gabinete de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, Joel tem se incumbido de cuidar de assuntos pessoais da família presidencial. Mas o assessor, considerado homem de confiança do próprio presidente, foi orientado a cuidar com mais afinco das questões envolvendo Jair Renan. A ordem é não deixar que o rapaz, de 23 anos, se meta em enrascadas – uma orientação que parece não ter sido seguida à risca. Por ter recebido essa missão, Joel é visto como uma espécie de “babá” de Jair Renan. A tutela ficou evidente no fim de 2019, quando o nome do assessor presidencial apareceu ao lado da assinatura do 04 na ata de fundação da Aliança pelo Brasil, o partido pensado para virar um braço do projeto de poder bolsonarista.

Incentivado pela família a se engajar na política, Jair Renan foi indicado como um dos vogais da legenda em criação. Como tal, ele teria o papel de impulsionar a militância. Já a inclusão do nome de Joel, que até aquele momento não tinha nenhuma outra experiência político-partidária, foi uma forma de colocar Renan sob a vigilância do assessor também dentro do partido. Tanto que, desde que assinou o documento, o assessor não teve qualquer outro papel no projeto da Aliança – tanto assim que os demais integrantes da agremiação nem sequer chegaram a conhecê-lo. “Nem conheço essa pessoa”, disse a Crusoé Luís Felipe Belmonte, empresário e um dos fundadores do partido.

Joel Novaes tem relação de amizade com Jair Bolsonaro desde a década de 1990, quando o então deputado federal ia até a porta da Base Naval de São Pedro da Aldeia, a cidade-natal do assessor, localizada na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, para fazer campanha. Hoje suboficial da reserva remunerada da Marinha, ele só viria a trabalhar com a família Bolsonaro em março de 2015, quando voltou de uma temporada na Índia, onde atuou na adidância militar da embaixada brasileira. Desde então, teve duas passagens pelos gabinetes de Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente, e outras duas pelo gabinete do próprio Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Pai e filho se revezaram para abrigá-lo de 2015 até 2018, sempre com salário na casa de 7,5 mil reais.

Pedro Ladeira/FolhapressPedro Ladeira/FolhapressJair Renan levou empresários parceiros a audiências marcadas por Joel
Assim como os Bolsonaro, enredados hoje em suspeitas de mau uso de verbas de gabinete, Joel tem explorado os atalhos do serviço público em Brasília para ascender financeiramente. Logo que se mudou para a capital, o militar escreveu em uma rede social que, além de atuar no gabinete de Jair, havia começado a empreender. “Minha nova realidade, agora assessor parlamentar e microempreendedor em Brasília”, afirmou em texto acompanhado de uma foto com um banner de Bolsonaro ao fundo. A mensagem é de 8 de julho de 2016. Passados cinco anos, os negócios prosperaram. Uma empresa aberta em nome da mulher e da filha de Joel é dona, hoje, de uma frota de veículos avaliada em mais de 1,5 milhão de reais. Os carros são alugados para deputados bolsonaristas, à custa da verba da cota parlamentar. Os parlamentares já destinaram cerca de meio milhão de reais para a locadora do assessor de Bolsonaro, de 2019 para cá.

Nas notas fiscais apresentadas por eles à Câmara, a empresa aparece com endereço em prédio comercial de Brasília, onde na realidade funciona um escritório de contabilidade. Sem uma sede própria, os carros ficam estacionados na frente do prédio onde Joel mora com a família, na Asa Norte de Brasília. Nesta quinta-feira, 29, Crusoé abordou o assessor presidencial, que estava de saída para uma caminhada matinal. Antes que fosse perguntado, ele foi logo dizendo que a locadora “não pertence ao presidente Jair Bolsonaro”“Se o presidente da República tivesse uma locadora, ele teria 300 carros alugados lá dentro (da Câmara), não três”, afirmou. “Essa história não vai fazer nem cosquinha (sic) no presidente, porque não tem nada a ver com ele. É simplesmente uma empresa que aluga carro para meia dúzia de deputados. Se fosse uma coisa do presidente da República, seria algo até criminal. Mas não é crime, não estou fora da lei, porque não tem nenhum envolvimento do meu nome com o nome do presidente”, emendou.

Na lista de parlamentares que alugam ou já alugaram carros com a Locar 1000 há apenas deputados fiéis ao Planalto, mas Joel nega o que ele chama de “aproveitamento pessoal” para faturar com “deputados próximos do presidente”. “Não tem nada a ver. A metade da Câmara ama o presidente. Então aqueles deputados para quem eu for alugar um carro vão gostar do presidente, são aliados do presidente.” Joel se refere à locadora como “minha empresa”, apesar de o negócio estar registrado em nome da mulher e da filha. “Vocês têm que ir atrás de quem está fazendo coisa errada, pegando dinheiro, fazendo rachadinha. É uma empresa pequena, familiar, que eu comprei para a minha filha, para ensinar ela a como ganhar dinheiro, como viver, como ser descolada.”

Entre os deputados clientes da Locar 1000 estão a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis, além de Norma Ayub, Bibo Nunes, Daniel Silveira, Vitor Hugo e até Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente da República.

O registro de portaria da audiência com o ministro Rogério Marinho: Renan, Joel e John, o empresário capixaba
Chefe de gabinete da deputada Norma Ayub, que gastou 150 mil reais com aluguéis na Locar, Grace Passos Stefanini argumenta que ficou sabendo da empresa de Joel por meio de “uma indicação de corredor”. “Essa empresa foi indicada para a gente. É um carro para atender a deputada só aqui em Brasília”, afirma. Outro cliente, Bibo Nunes circula pela capital a bordo de uma BMW 320i da empresa. O deputado gastou, até agora, 58,5 mil reais com a locadora do assessor do gabinete de Bolsonaro. “Meu padrão de vida é esse. Meus carros sempre foram BMW, Porsche… Quem não gostar que vá ‘enxugar gelo’. Para mim é comum isso desde que eu nasci”, disse, ao ser perguntado se não achava desproporcional usar dinheiro público para andar de BMW e se não vê nada de irregular no fato de o dinheiro estar indo para um funcionário do gabinete presidencial. “Eu te garanto uma coisa: não vou alugar com ninguém do PT nem do PSOL”, ironizou.

A Locar 1000 existe desde 2013, mas começou a prestar serviços dentro da Câmara dos Deputados em 2015, quando faturou apenas 4,5 mil ao longo do ano. Em 2017 e 2018, o valor recebido de parlamentares também foi modesto. O salto só veio em 2019, em um período que coincide com a chegada de Bolsonaro à Presidência. A locadora faturou, precisamente, 215 mil de deputados bolsonaristas em 2019 e mais  229 mil em 2020. Neste ano, até março, foram 49 mil reais.

O aluguel de veículos com dinheiro da cota parlamentar movimenta um mercado paralelo no Congresso. É cedo para dizer se esse é o caso de Joel, mas com frequência pipocam casos de mal uso da verba. Há, por exemplo, situações em que carros são alugados por valores acima dos de mercado e uma parte do valor é devolvida para os parlamentares, em uma lógica similar à do “rachid”, em que funcionários são obrigados a repassar parte dos salários aos seus chefes. Também há casos em que o aluguel é de fachada. Os pagamentos são feitos mensalmente a título de locação, mas no fim das contas os carros são transferidos para o nome de pessoas ligadas aos deputados. A transação vira uma espécie de “leasing”.

CrusoéCrusoéUm dos carros da locadora do assessor de Bolsonaro
No caso da empresa de Joel, no ano passado um carro que era alugado para a deputada Bia Kicis foi vendido para um funcionário do Senado. Outro veículo que era alugado para Hélio Lopes, o Hélio Negão, fiel escudeiro de Bolsonaro, foi vendido para uma agente da Polícia Legislativa. “Eu comprei esse carro da locadora. Eu só comprei o carro, não sou bolsonarista, não sou esquerdista. Eu sou uma pessoa que comprou um carro de boa fé”, explica a agente Meire Elen Soares. De 2019 até agora, Bia Kicis, que se declara amiga do assessor presidencial, gastou 84 mil reais na Locar 1000. Após uma visita ao gabinete de Bolsonaro em novembro de 2018, a deputada postou uma foto ao lado do “amigo”. “Eu e meu amigo Joel Novaes da Fonseca, homem de confiança do nosso Presidente Jair Messias Bolsonaro”, registrou.

A frota da Locar 1000 registrada junto ao Detran do Distrito Federal inclui pelo menos mais cinco Toyota Corolla, três modelos da Jeep e um da Volvo. As notas fiscais emitidas pela empresa de Joel revelam um padrão de funcionamento. São emissões sequenciais que sugerem que Joel tem como clientes apenas os deputados bolsonaristas. No ano de 2021, a empresa emitiu 14 notas fiscais, 12 das quais para parlamentares bolsonaristas. Outro padrão curioso é que as notas são emitidas aos parlamentares bolsonaristas sempre de uma só vez, em intervalos de menos de cinco minutos, sempre em meados de cada mês.

Não foi apenas nos negócios que a vida de Joel e da mulher dele, Ghislaine Maria de Oliveira Barros, melhorou após a chegada em Brasília. Joel foi nomeado no gabinete presidencial logo no primeiro mês do mandato, após deixar o posto que ocupava na Câmara. Em 31 de julho de 2019, ele foi agraciado com uma promoção, assinada pelo então chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Seu salário passou de 10,3 mil para 13,6 mil reais. Já Ghislaine ganhou, em 9 de outubro de 2019, o cargo de gerente de projetos do Ministério da Saúde, com salário de 10,3 mil. Em janeiro deste ano, ela foi nomeada pelo então ministro Eduardo Pazuello para integrar uma comissão criada para tratar de novas tecnologias para o SUS.

Em 29 de julho de 2018, quando ainda dava expediente no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara, Joel postou uma foto, de pé e sorrindo, ao lado do então deputado e de Eduardo. “Muitas mudanças na minha vida. Tudo foi aplicado conforme aprendi com meus amigos”, dizia no post. Nos comentários, ele reforçou: “Cada dia melhor. Já com 2 anos na nova empreitada, agalhando novo horizonte”. Naquela época, os negócios da família davam mais uma guinada, com a abertura de uma clínica de saúde em uma cidade próxima a Brasília. Joel passou a usar as redes sociais para fazer propaganda da empresa, que, segundo ele, atendia a “preços populares”. O negócio, assim como a locadora, também foi aberto em nome da mulher e da filha. O assessor usa ainda as redes para defender, religiosamente, o presidente e seus filhos.

ReproduçãoReproduçãoJoel com o chefe, no Planalto: amizade desde o Rio de Janeiro
Além de cuidar de Jair Renan, Joel aproveita o emprego no Planalto para estar presente em todas as solenidades oficiais. Dos eventos festivos aos mais reservados, e até mesmo em cerimônias de troca da guarda presidencial, costuma estar sempre presente. Também frequenta cultos de ação de graças dentro do gabinete presidencial.

Ao ser abordado por Crusoé nesta quinta, o assessor falou sobre seu papel nos compromissos com os empresários parceiros de Jair Renan. “Quando foi marcada no ministério a reunião, eu fui lá tomar conhecimento do projeto para adquirir informações e conhecimento para futuramente poder assessorar o presidente”, disse. Ele defendeu o negócio que os empresários tentavam emplacar junto ao governo – o plano é ganhar dinheiro com a construção de casas populares de pedra, em uma espécie de programa Minha Casa, Minha Vida. “A reunião foi marcada para assessorar a empresa, para fazer a legalização da casa e para no futuro ela vender para você, para mim, para o governo, para quem quiser.” O assessor diz que, enquanto uma casa popular feita pelo governo custa cerca de 85 mil reais, no projeto apoiado por Jair Renan o valor cai para 40 mil reais, “ou até mais barato se tiver uma quantidade grande de pedidos”. “A reunião foi para informar a empresa: ‘Olha, você tem que legalizar, tem que fazer isso, isso e isso. Assim e assim’”, afirmou.

Como não há como negar a “forcinha” para os parceiros de Jair Renan dentro do governo, que passou a ser investigada pela polícia como possível tráfico de influência, os envolvidos na trama – entre eles, Joel – tentam agora dar ares de altruísmo à iniciativa. A novela sempre se repete.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO