Alan Santos /PRRogério Marinho com Bolsonaro no Nordeste: em busca de votos

Campanha com seu dinheiro

Como ministros de Bolsonaro que pretendem disputar as eleições do ano que vem estão usando os cargos que ocupam – e muita verba pública – para se projetar eleitoralmente
30.04.21

O bolsonarismo surgiu e ascendeu ao topo do poder de maneira relâmpago. Ainda como deputado federal do baixo clero, Jair Bolsonaro levou apenas quatro anos para se notabilizar e garantir influência e capilaridade suficientes não somente para ganhar o Planalto, mas também para eleger aliados pelo Brasil afora. Em 2022, ele quer consolidar seu projeto político. A julgar pelas derrotas anedóticas de seus apadrinhados nas últimas eleições municipais, não será fácil.

Sem tempo a perder, e tentando evitar a repetição dos resultados ruins do ano passado, o presidente colocou a campanha nas ruas – a dele e a dos mais fiéis integrantes do alto escalão. Trata-se de uma via de mão dupla. Enquanto ele próprio se beneficia de uma tropa de choque incumbida de defender o legado bolsonarista e pregar a polarização, ministros aproveitam-se do aparato estatal e da popularidade do chefe, ainda que ela esteja em decadência, para impulsionar seus próprios nomes.

A agenda de Bolsonaro e de seus homens de confiança inclui um encorpado cronograma de viagens semanais, bancadas pelos cofres públicos, para inaugurações, visitas a obras e entregas de moradias populares. Os eventos são usualmente marcados pela claque do Planalto, que, ensandecida, grita os nomes dos presentes e transborda em elogios ao governo federal. O périplo dos ministros-candidatos pelo país ignora o recrudescimento da pandemia, que matou 400 mil brasileiros em pouco mais de um ano, e é usualmente registrado nas redes sociais.

As possíveis candidaturas, antes tratadas apenas nos bastidores, foram admitidas perante os holofotes pelo próprio presidente da República. Só elogios a Tarcísio de Freitas, Bolsonaro sugeriu que o ministro da Infraestrutura pode concorrer ao governo de São Paulo – o estado é comandado por João Doria, seu rival. “Quem sabe São Paulo adote o Tarcísio para o ano que vem?“, disse Bolsonaro, entre risadas. Na Esplanada, o nome de Tarcísio é aventado também como uma opção para o posto de vice na chapa de Bolsonaro.

O presidente fez o comentário após uma viagem a Feira de Santana, na Bahia. Ele, Tarcísio e um grupo de deputados voaram em um jato da FAB, a Força Aérea Brasileira, para participar da cerimônia de entrega de um trecho de parcos 22 quilômetros de duplicação da BR-101.

Clauber Cleber Caetano/PRClauber Cleber Caetano/PRTarcísio em evento no Ceará: em Brasília se diz que agora ele inaugura até mata-burro
A extensão da pista inaugurada é igual à distância entre o Palácio da Alvorada, onde vive o presidente, e o Aeroporto de Brasília. Do palanque montado para o evento, Tarcísio, cada vez mais tarimbado nos gestos típicos da política, fez questão de mencionar os nomes de todos os políticos presentes e se derreteu em elogios ao seu feito. “São 22 quilômetros que vão diminuir o tempo de viagem, que vão ajudar as pessoas e reduzir o número de acidentes“, disse o ministro, apelidado pelo chefe de “O homem do asfalto”.

A FAB não informa os custos de seus voos por considerar essas informações “estratégicas”. Crusoé, no entanto, fez a cotação do trajeto Brasília-Feira de Santana junto a duas empresas de táxi aéreo. A opção mais em conta estima um gasto de 234,2 mil reais para a operação de um avião com capacidade para doze pessoas. O valor inclui as viagens de ida e volta – cada uma com duração de 1 hora e 37 minutos no ar.

Em franca campanha, Tarcísio cumpriu compromissos fora de Brasília em pelo menos 33 dias entre junho de 2020 e 29 de abril deste ano, segundo sua agenda oficial. O ministro realiza a maior parte dos trajetos em voos comerciais, com notas pagas pelo governo. As passagens emitidas junto a empresas de transporte aéreo totalizam 10,7 mil reais, segundo informa o Portal da Transparência. Não há como precisar os custos das viagens realizadas em aviões da FAB, como a de quarta-feira, quando o ministro embarcou para participar da inauguração da Avenida Portuária do Rio.

Com gabinete a 800 metros de distância do de Tarcísio, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, também nutre pretensões eleitorais. Benquisto por Jair Bolsonaro, o ex-deputado planeja concorrer ao governo do Rio Grande do Norte em 2022. Entre junho do ano passado e este mês, Marinho viajou 48 dias pelo Brasil. Sua andança custou 93,7 mil reais aos cofres públicos apenas em voos comerciais – afora esse valor, há ainda o custo, bem mais alto, daqueles realizados nas asas da FAB.

No governo federal, Rogério Marinho comanda programas estratégicos, como o “Casa Verde e Amarela”, substituto do “Minha Casa, Minha Vida”, e projetos de irrigação. A ele, Bolsonaro deu o apelido igualmente carinhoso de Aquaman. Chefe de um dos ministérios de maior potencial eleitoral, ele trabalha em rota de colisão com Paulo Guedes, que já o rotulou com epítetos como “gastador” e “fura teto”. Bolsonaro, no entanto, jamais deixou o pupilo na chuva e faz questão de reforçar seu nome sempre que pode. Certa vez, após um embate entre os dois integrantes do alto escalão, o presidente chegou a afirmar que “ninguém viu um ministro do Desenvolvimento Regional (melhor) do que Rogério Marinho, um homem que vive pelo Brasil todo, mais especial no Nordeste”.

Adriano Machado / CrusoeAdriano Machado / CrusoeOnyx sonha com o governo gaúcho
Enquanto pavimenta seus próprios planos, Marinho também prepara o terreno para as principais vitrines eleitorais de Bolsonaro. Coube a ele, no ano passado, traçar estratégias para a conquista do Nordeste, um tradicional reduto petista. Se nem todas as viagens são para os estados onde pretendem se candidatar, as agendas dos ministros-candidatos são fartamente exploradas nas redes sociais do governo e deles próprios. A ordem é sempre apresentá-los no figurino proposto por Bolsonaro, o de bons executores de obras.

O time de “ministros candidatáveis” conta ainda com Onyx Lorenzoni e Fábio Faria. Licenciados dos mandatos de deputados, os dois despacham do Planalto e são considerados muito próximos a Jair Bolsonaro. Genro de Silvio Santos, Faria foi empossado em junho de 2020, quando Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações. Sob seu guarda-chuva, estão os Correios e a Telebras, além da área de imprensa e propaganda do governo federal.

Desde que deixou o Congresso, Faria ganhou notoriedade. Ativo defensor do presidente nas redes sociais, o ministro foi agraciado com uma sala no segundo andar do Planalto, de onde despacha com frequência, embora tenha seu próprio espaço no bloco E da Esplanada, e teve as atribuições ampliadas. À frente do projeto do leilão do 5G, chefiou uma missão na Europa e na China e, aproveitando a passagem pelo gigante asiático, intercedeu pela liberação de vacinas e insumos. Além disso, o próprio Planalto admitiu a escalação do ministro para as tratativas com a Embaixada da China, após o então chanceler Ernesto Araújo queimar pontes com os chineses. Com bom trânsito no Congresso e no empresariado, Faria conquistou prestígio e aparece também como uma das opções para assumir a posição de vice na chapa de Bolsonaro.

O perfil do ministro das Comunicações é similar ao de Lorenzoni, que comandou o Ministério da Cidadania, responsável pelo auxílio emergencial, entre fevereiro de 2020 e 2021. O hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência se amolda sempre a Bolsonaro. Em recentes discursos, resgatou a narrativa de que “vida e economia” caminham juntas, criticou o “lockdown” e pregou o “tratamento precoce“, tal como o presidente. Cotado para a disputa do governo do Rio Grande do Sul, Lorenzoni deve turbinar ainda mais a agenda de viagens. Entre junho de 2020 e este mês, ele cumpriu compromissos fora de Brasília em 29 oportunidades — desse total, doze dias foram gastos com compromissos em seu estado-natal.

Experimentados nas urnas, Tereza Cristina, da Agricultura, João Roma, da Cidadania, e Flávia Arruda, da Secretaria de Governo, são outros nomes postos à mesa para completar a tropa de choque de Bolsonaro nas eleições de 2022. Todos tendem a fazer um número maior de viagens ao lado do presidente, que já cobrou do alto escalão a ampliação do cronograma de entregas. Na mira da CPI da Covid e com Lula de volta à corrida presidencial, Bolsonaro nunca precisou tanto de palanques eleitorais. A fatura de seu projeto político, que inclui a eleição dos auxiliares mais próximos, fica com o pagador de impostos, como sempre ocorreu no Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO