RuyGoiaba

O triunfo do miliquismo de sunga

30.04.21

Ninguém pode me acusar de falar bem do Exército brasileiro: já comparei os gloriosos ministros militares dessa inteligência rara que supostamente nos governa ao Sargento Pincel dos Trapalhões — sem deixar de reconhecer que é uma tremenda injustiça com o personagem — e já escrevi que nós seríamos surrados pelas Forças Armadas da Guiana em caso de invasão. Também acredito que, para o grosso da turma de verde-oliva, qualquer coisa que não seja passar cal em meio-fio e tronco de árvore é rocket science e que aquele slogan “braço forte, mão amiga” só pode ser uma referência à atividade favorita dos adolescentes em idade de recrutamento (jogar videogame, leitor pervertido).

(Abro um parêntese para esclarecer que tentei servir à pátria — sem muita convicção, é verdade —, mas fui rejeitado, graças à bronquite e ao físico de etíope que eu ostentava na época. No grupo que fez o exame médico comigo, foram quatro os dispensados: um garoto de um metro e meio, outro com um desvio de septo nasal do tamanho de uma bola de gude, um terceiro com a coluna em S por causa da escoliose e eu. Foi de longe o melhor grupo de que fiz parte em toda a vida, inclusive porque nunca mais vi os caras. Fecha parêntese.)

Mesmo com essa alta conta em que tenho nosso Exército, confesso que fiquei espantado com as declarações de Luiz Eduardo Ramos, o ministro-chefe da Casa Civil, na reunião do Conselho de Saúde Suplementar na última terça, 27. No áudio do encontro, que foi vazado, tanto Ramos como Paulo Guedes brilharam muito — mais sobre Guedes abaixo, na Goiabice da Semana. Estas são as aspas do general sobre ter recebido a vacina contra a Covid: “Tomei escondido, né, porque a orientação era para todo mundo ir pra casa, mas vazou”. Sintam o drama: um general de quatro estrelas, com mais de 40 anos de carreira no Exército, que já foi comandante militar do Sudeste, tomando vacina escondido, como se fosse um moleque com medinho do chefe estúpido e negacionista.

Aqui me sinto obrigado a roubar a imagem de um amigo carioca para dizer: o governo Bolsonaro é uma espécie de triunfo do miliquismo de sunga. A imagem remonta ao fim dos anos 1970/início dos 1980, quando João Figueiredo — aquele do “quem for contra a abertura eu prendo, arrebento” — achou que era preciso dar uma modernizada na imagem do Exército depois dos anos de ditadura e, pior, acreditou que se deixar fotografar de sunga e tênis fazendo exercícios na Granja do Torto era uma BOA maneira de conseguir isso. Mas, na verdade, meu amigo se referia a um personagem clássico de Copacabana: o milico de pijama que tira o pijama, coloca a sunga e vai jogar seu frescobolzinho no Poshto Seish.

Podem reparar: com a exceção do general Santos Cruz — que não por acaso saiu do governo e é hoje um de seus principais críticos —, dá para imaginar todos os ministros militares de Jair Bolsonaro jogando frescobol de sunga em Copa e reclamando dessa pouca-vergonha que é o Brasil de hoje em dia. Mesmo aqueles que não são adeptos dessa prática (o general Ramos, por exemplo, prefere arrepiar na Harley-Davidson: born to be wild, mas tomando vacina escondido) circulam por aí vestindo sungas mentais e, como diria minha mãe, “mostrando as misérias”, principalmente a de terem topado ser sócios do desastre bolsonarista.

Até um país administrado pelos meus companheiros de rejeição no Exército, com escoliose e desvio de septo, seria mais habitável do que um lugar gerido pelo pensamento progressista e pela competência logística daqueles que, aprovados, hoje exercem o miliquismo de sunga. Minha única esperança é que a invasão da Guiana não demore — e que os militares guianenses pelo menos usem calças.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Paulo Guedes reinou absoluto: na terça (27) de manhã, soubemos do áudio vazado em que ele dizia que “o chinês inventou” o coronavírus e, ainda assim, tinha uma vacina menos eficiente que a dos EUA — o que é coisa muito inteligente quando você é ministro da Economia e se refere a seu maior parceiro comercial, que por acaso também calha de ser seu maior fornecedor de vacinas.

Tinha como piorar? Ô, se tinha: mais tarde, tomamos conhecimento de outro trecho da reunião em que Guedes dizia que o problema da saúde pública no Brasil é que “todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o estado consiga acompanhar”. Então, brasileiro, faça o favor de parar com essa palhaçada de querer viver muito, que senão o ministro da Economia não consegue fechar as contas. Como disse o chargista Lafa, em um cartum anterior a essas declarações: se vocês morrerem, o Brasil decola!

Mathilde Missioneiro/FolhapressFoto: Mathilde Missioneiro/FolhapressHistória de superação: Guedes prova que é possível ser ministro sem ter superego

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