Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress

A vingança do establishment

O procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, fala sobre o esforço dos poderosos para destruir a operação e diz que hoje gasta grande parte de seu tempo respondendo a processos disciplinares
07.05.21

Um dos principais símbolos da Lava Jato, ex-coordenador da força-tarefa de Curitiba, o procurador da República Deltan Dallagnol é hoje um mero espectador do processo de implosão da maior operação de combate à corrupção da história do país. Desde 2019, ele vê o fortalecimento de um movimento cada vez mais escancarado de políticos e de magistrados, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que tem ajudado não só a reconstruir o ecossistema corrupto que as investigações colocaram em xeque, como também a perseguir os investigadores que estiveram à frente dos casos – ele próprio é um dos principais alvos da vingança. “A maior parte dos políticos envolvidos nos escândalos reocupou suas posições de poder”, diz.

Nesta entrevista a Crusoé, o procurador conta no que se transformou sua vida após os sete anos em que ficou à frente da Lava Jato – ele deixou a força-tarefa em setembro de 2020. Dallagnol diz que, hoje, gasta grande parte de seu tempo cuidando dos processos disciplinares aos quais responde em razão da operação. Ele compara a situação à do procurador Antonio Di Pietro, que conduziu a Operação Mãos Limpas, na Itália, onde o establishment político também se reorganizou e reagiu ferozmente às investigações.

Sobre o discurso de investigados, réus e condenados que, como o ex-presidente Lula, agora se aproveitam do processo de esfacelamento da Lava Jato para posar como perseguidos e injustiçados, o procurador lembra que “alegar perseguição está na página um do manual do político que é investigado por corrupção”. “A anulação dos casos não apaga a história, os fatos e as provas”, afirma. Eis a entrevista.

A Lava Jato acabou?
Se a Lava Jato for definida como o conjunto de suas investigações e processos, seguirá ainda por muitos anos. Embora a maior parte das linhas iniciais das investigações tenha surgido entre 2014 e 2019, na fase de expansão dos trabalhos, a investigação da consistência dessas linhas, numa fase de aprofundamento, pode demorar muito tempo. Além disso, processos relevantes tramitarão por mais de uma década. É um trabalho que vem sendo feito por servidores públicos corajosos de diferentes instâncias e órgãos, num ambiente hostil no qual, como disse o ministro Barroso recentemente, o sistema tem sede de impunidade e vingança. Contudo, há um outro modo de olhar a Lava Jato. Ela pode também ser compreendida como uma atitude, um grande esforço institucional conjunto, da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, em todas as instâncias, para implementar a justiça penal de modo efetivo contra criminosos que usaram a política para saquear o país. Foi esse esforço que proporcionou a contínua expansão das investigações da macrocorrupção brasileira por alguns anos. Se assim a entendermos, é inegável que, a partir de março de 2019, houve uma virada com julgamentos do STF que geraram insegurança jurídica e resultaram na anulação de casos como Pasadena e Bendine (refere-se ao caso que envolvia a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e ao processo de que era alvo Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil). O movimento, que alguns chamam de garantista ou revisionista, culminou com a decisão, em novembro daquele ano, que proibiu a prisão após a condenação em segunda instância.

Esse novo entendimento dificultou muito a possibilidade de responsabilização dos crimes do colarinho branco, pelo tempo de duração dos processos e chances de anulação e prescrição. Sem receio de punição, investigados e réus deixaram de cooperar com a Justiça. Foi aí que o coração pulsante que promovia a expansão da Lava Jato parou de bater. Por esse outro ângulo, a Lava Jato como a conhecemos inicialmente deixou de ter condições para seguir se expandindo a partir de novembro de 2019. A anulação de outros casos como os de Lula e (Michel) Temer, mais recentemente, reforçou o sentimento de que a justiça penal não está mais tendo a mesma efetividade que tinha no início da operação. A isso se somaram iniciativas como alterações legislativas e o fim das forças-tarefas. Contudo, mesmo por esse ângulo que situa a Lava Jato entre 2014 e 2019, há muito por que lutar. Há um legado positivo de resultados, há investigações e processos desencadeados em andamento e há o futuro do combate à corrupção. Precisamos perseverar no esforço por mais avanços e menos retrocessos.

A declaração de suspeição do ex-juiz Sergio Moro abre espaço para outras derrotas da operação?
Primeiro, é conveniente esclarecer que as “derrotas” não são da Lava Jato, mas da sociedade brasileira. Nós, os agentes públicos, apenas desenvolvemos o trabalho, tentamos fazer da melhor forma possível e continuaremos tentando. De qualquer forma, em relação aos resultados alcançados, há, sim, espaço para a sua reversão, mas não em razão da suspeição. Independentemente da minha discordância em relação ao julgamento, é difícil que a suspeição se estenda para outros casos porque foi embasada em decisões do ex-juiz que têm especial relação com o caso do ex-presidente Lula, como a publicização de áudios de conversas entre autoridades, a interpretação equivocada de que teria havido a interceptação indevida de advogados, o levantamento do sigilo de trecho da colaboração de (Antonio) Palocci e sua ida para o governo Bolsonaro. Por outro lado, a declaração da incompetência de Curitiba pode ser replicada para outros casos envolvendo políticos. Seu fundamento foi o fato de que a participação do ex-presidente no esquema envolveria outros órgãos públicos para além da Petrobras. Um argumento idêntico foi usado recentemente para o STF retirar o caso Temer do Rio de Janeiro, anulando-o. Há o receio de que esse mesmo argumento seja estendido para casos envolvendo outros políticos, porque em geral eles participavam de esquemas de corrupção mais amplos. Isso geraria uma anulação seletiva dos casos, no sentido de que os políticos seriam os maiores beneficiados. Além disso, em 2019, o STF criou novas regras referentes à competência da Justiça Eleitoral e ao direito do réu delatado de falar por último. O problema foi que permitiu a aplicação dessas novas regras para anular investigações pretéritas, apesar de terem tramitado quando as regras não existiam e de terem seguido todas as regras vigentes na sua época. Isso gera um ambiente de insegurança jurídica propício para novas anulações.

No auge da força-tarefa, o sr. considerava a possibilidade de o establishment político se reorganizar tão rapidamente e reagir de maneira tão intensa contra as investigações?
Sim, porque foi o que aconteceu na Itália com a Operação Mãos Limpas. Lá, depois de dois anos, narrativas enfraqueceram o apoio da opinião pública, começou a aprovação de leis para soltar criminosos e promover sua impunidade, o procurador que liderou a operação passou a responder a dezenas de apurações e investigações e a pauta anticorrupção foi substituída no Parlamento pela discussão de supostos abusos praticados pelos investigadores. Seguimos o mesmo roteiro, mas demorou mais tempo para isso acontecer aqui, provavelmente em razão de fatores como a maior transparência dos trabalhos por meio de processos públicos e eletrônicos, uma imprensa mais plural, a existência das mídias sociais e a expansão progressiva das investigações sobre os diferentes partidos. O que as duas operações mostraram, infelizmente, é que a Justiça não se sobrepõe à política.

Ainda vamos ver o dinheiro recuperado sendo devolvido aos condenados por corrupção?
Espero que não. O trabalho feito é sólido, calcado em fatos, provas e na lei. Foram bilhões devolvidos por criminosos confessos. Dezenas de contas secretas recheadas de propinas foram descobertas. Contudo, eu não contava com a anulação dos casos Bendine e Pasadena e, mais recentemente, dos casos Temer, Lula e Guido Mantega. Não esperava também a suspensão dos casos envolvendo o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o trancamento da acusação contra o ministro do TCU Vital do Rêgo. É difícil saber até onde vai o que alguns têm chamado de movimento revisionista da Lava Jato. Os tribunais têm independência para decidirem como bem entenderem, e isso deve ser respeitado, mas ao mesmo tempo é legítimo discutir o mérito de cada uma dessas decisões que, com o devido respeito, considero equivocadas.

No STF, um dos protagonistas das decisões recentes tem sido o ministro Gilmar Mendes, que há tempos critica a operação e foi até condenado por uma ofensa ao sr. Com tamanha animosidade, ele poderia julgar os casos relacionados à Lava Jato?
Dentre as situações de suspeição previstas na lei, estão aquelas em que o juiz é inimigo das partes e quando uma parte for sua credora. Como ele proferiu ofensas que geram responsabilidade civil, seria esperado que se declarasse suspeito. Sua condição é muito parecida com a do devedor, embora a condenação tenha sido da União Federal, porque as ações de ressarcimento por danos causados por funcionário público no exercício de sua função devem ser dirigidas contra a União, que pode depois acionar o funcionário. Além disso, diversas de suas manifestações públicas podem ser lidas como violações da Lei da Magistratura e sinais de inimizade, a qual também é causa de suspeição. Apesar disso, ele tem julgado não só casos da Lava Jato, mas também casos pessoais meus. Ele foi, por exemplo, voto de desempate para ratificar minha punição pelo Conselho do Ministério Público em razão de manifestações que fiz, no meu entender e dos ministros (Edson) Fachin e Cármen Lúcia, no pleno exercício de minha liberdade de expressão e crítica.

Felipe Rau/Estadão ConteúdoFelipe Rau/Estadão Conteúdo“Precisamos perseverar no esforço por mais avanços e menos retrocessos”
O ex-presidente Lula tem dito que a “inocência” dele foi reconhecida e petistas têm reforçado o coro de que a Lava Jato foi uma farsa. Como o sr. recebe essas declarações?
Esse tipo de narrativa é muito comum nos casos de corrupção política no mundo todo. Alegar perseguição está na página um do manual do político que é investigado por corrupção. A anulação dos casos não apaga a história, os fatos e as provas, embora impeça que eles tenham consequências jurídicas como a punição. Não apaga, por exemplo, o fato histórico de que quase duas dezenas de procuradores independentes, dois juízes, quatro desembargadores e quatro ministros reconheceram a responsabilidade do ex-presidente por crimes graves de corrupção e lavagem de dinheiro. Ninguém discordou e a teoria da perseguição fica ainda mais difícil quando se nota que havia ali ministros que foram indicados pelo próprio ex-presidente e sua sucessora. Quanto ao estado de inocência, ele é presumido para todo cidadão que não sofreu condenação transitada em julgado.

O sr. se arrepende de algo que tenha feito na condução da Lava Jato, expondo as investigações ao risco de nulidade?
As regras do sistema são tão frágeis que tudo pode ser discutido e anular os casos, quer você adote um caminho ou outro. O caso do ex-presidente Lula é um bom exemplo. O STF anulou porque no seu entender deveria ter tramitado em Brasília e não em Curitiba. Contudo, se a investigação tivesse corrido em Brasília, o STJ a teria anulado porque no seu entender a competência era de Curitiba. Não daria nem para recorrer ao STF porque não cabe recurso contra concessão de habeas corpus. É um jogo de perde-perde para a sociedade. É uma sensação de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Esse é o tipo de anulação em que a Suprema Corte deveria colocar um ponto final, por conta do decurso do tempo e porque a justiça do julgamento depende de seu embasamento nos fatos, nas provas e na lei, e não do lugar em que o processo corre.

O presidente do STJ, Humberto Martins, abriu um inquérito contra procuradores da Lava Jato e chegou a abastecê-lo com as mensagens roubadas pelos hackers. Acredita que há mais investidas por vir?
Há um ambiente de franca reação à Lava Jato. A maior parte dos políticos envolvidos nos escândalos não foi afastada ou punida e reocupou suas posições de poder. Eles influenciam as indicações do procurador-geral da República, de integrantes das cortes de Justiça, do Tribunal de Contas e do Conselho Nacional do Ministério Público. Todas essas instituições que mencionei desempenham relevantes papéis, são essenciais para a democracia e merecem todo respeito, mas a escolha política dos seus integrantes na atual conjuntura, de ampla reação do sistema político, cria evidentemente um risco para a independência do trabalho dos procuradores contra a corrupção.

Acredita que há relação entre a iniciativa do ministro Martins e o fato de ele ter um filho na mira da Lava Jato?
Embora a questão levante questionamentos legítimos sobre a imparcialidade do ministro para conduzir a investigação, não me cabe fazer essa avaliação. Sobre esse inquérito, que foi suspenso por decisão monocrática da ministra Rosa Weber, do STF, posso afirmar que ele foi instaurado para apurar um comportamento que, absolutamente, não ocorreu. Partiu-se de suposições baseadas em mensagens fora de contexto, que são provas ilícitas e manipuláveis (refere-se às mensagens roubadas do seuTelegram), para concluir algo completamente contrário à realidade. Sempre que nos deparamos com supostos ilícitos praticados por pessoa com foro, e foram várias, e aí se incluem também deputados, senadores, prefeitos, reunimos as provas que estavam em nosso poder e as encaminhamos para a autoridade competente para investigá-los. Não houve exceção a esse comportamento. Bastaria questionar a Receita Federal para verificar que não procede a suspeita de que houve investigação fiscal dos ministros. Contudo, ainda que se supusesse que os procuradores tivessem realizado uma investigação criminal indevida de pessoas com foro privilegiado, é interessante observar que ela nem sequer seria crime pela nossa lei. De fato, seria no máximo falta funcional, não sendo possível instaurar inquérito para isso. Além disso tudo, a lei determina que só o procurador-geral poderia conduzir essa investigação e que ela deveria tramitar no tribunal de Porto Alegre (o Tribunal Regional Federal da 4ª Região), não no STJ. Ao mesmo tempo que respeito o STJ, que tem um papel central na proteção dos direitos em nosso sistema, vejo muitas irregularidades nesse inquérito.

A CCJ da Câmara aprovou nesta semana um projeto que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público. Qual é a sua opinião sobre essa iniciativa?
Essa proposta aumenta a ingerência dos políticos na escolha dos integrantes do CNMP, que pode punir justamente os promotores e procuradores que investigam a corrupção política. O corregedor, responsável pelas apurações disciplinares, poderá ser, por exemplo, alguém escolhido pela Câmara ou pelo Senado por ter uma visão alinhada com a punição de membros do Ministério Público que trabalharam em certos processos. Além disso, essa iniciativa foi proposta por um campeão de representações no conselho contra membros da Lava Jato (o deputado petista Paulo Teixeira), tramitou em tempo relâmpago e se insere num contexto maior de pressão política para que o conselho puna os procuradores que trabalharam na operação. O Senado, por exemplo, deixou de renovar o mandato de dois conselheiros que tinham votado favoravelmente a integrantes da Lava Jato e há mais de ano mantém três cadeiras do conselho vazias, as quais seriam ocupadas por dois membros oriundos do Ministério Público e por um juiz que atuou em casos da operação. Por tudo isso, a proposta tem sido chamada pela sociedade civil de “PEC da Vingança”. Agora, para além da vingança, a PEC pode inibir o trabalho de outros procuradores contra a grande corrupção política em um futuro próximo. Ela não vai afetar catorze procuradores, mas o trabalho de 13 mil membros do Ministério Público.

Alice Vergueiro/FolhapressAlice Vergueiro/Folhapress“Esse tipo de narrativa (como a de Lula) é muito comum nos casos de corrupção política no mundo todo”
O projeto é de um deputado do PT, mas quem deu andamento a ele foi a bolsonarista Bia Kicis. O que explica o fato de o petismo e o bolsonarismo estarem hoje unidos contra as investigações?
O governo construiu alianças políticas, inclusive com o Centrão, que tem vários investigados da operação, com a justificativa de que são necessárias para garantir a governabilidade, ou seja, o apoio do Congresso para avançar seu projeto de país. Não vou avaliar aqui outros aspectos desse projeto, da atuação do governo ou dessa aliança, mas esta não deveria impactar a centralidade que o discurso anticorrupção teve na candidatura de Bolsonaro. Como sabemos, ele e alguns outros candidatos encamparam a bandeira da luta contra a corrupção no discurso político eleitoral. Assim, ainda que agora ele faça alianças, seria contraditório que essas alianças dessem munição para a vingança política contra a Lava Jato ou minassem os esforços futuros contra a corrupção. Isso está acontecendo no caso desse projeto e em outras situações. O fato de Moro ter saído do governo não é desculpa para afastar o compromisso com as promessas eleitorais relativas a uma causa muito maior. Aquilo que o governo prometeu, com palavras, deve cumprir por meio de suas ações.

O presidente Jair Bolsonaro tem repetido que não é necessária uma Lava Jato porque no seu governo não existe corrupção. O que o sr. diz sobre isso?
A corrupção é um problema histórico e sistêmico, isto é, vem de longa data e impregna diversas instituições da sociedade. É um problema que abrange, mas ultrapassa muito, os indícios de corrupção em casos específicos como o esquema das rachadinhas, que devem ser investigados. Não é à toa que esquemas de compras de leis, licenças e apoio parlamentar foram identificados em diversos governos nas áreas federal, estadual e municipal. Você não muda tudo isso com um presidente e um governo, mas com uma agenda de reformas que incluam a criminal e a política. Enquanto essas reformas não acontecerem, a corrupção continuará a se renovar no Brasil, como a grama que você corta e cresce de novo, independentemente de quem senta na cadeira de presidente. A ideia de que um presidente pode acabar com a corrupção sem mudar as regras já foi usada na história como uma jogada de propaganda populista que, no caso de Fernando Collor, acabou muito mal, com o surgimento de sinais de que ele mesmo praticou corrupção, primeiro no caso PC Farias e, depois, na Lava Jato. Ou seja, não basta falar. É preciso fazer, lutar por mudanças mais amplas, por reformas contra a corrupção como, por exemplo, a redução dos custos de campanhas, o fim do foro privilegiado e a prisão em segunda instância.

As instituições estão em risco hoje no Brasil, depois de mostrarem tanta independência ao longo da Lava Jato?
Para combater a corrupção, é preciso termos instituições fortes com instrumentos adequados. Não adiantam instituições fortes sem instrumentos, nem instrumentos nas mãos de instituições de joelhos. Têm havido retrocessos nesses dois aspectos. Instrumentos como conduções coercitivas, colaborações premiadas e o trabalho por meio de forças-tarefas foram minados. Além disso, chefes das instituições de repressão criminal têm sido escolhidos por critérios de afinidade pessoal e política, o que aumenta as chances de interferência. Foi aprovada, ainda, a lei de abuso de autoridade e agora se pretende aumentar a ingerência política no CNMP, responsável pelo controle de procuradores e promotores. Tudo isso mina a independência do trabalho das instituições e sua capacidade de enfrentar a corrupção política. Logo será escolhido o novo procurador-geral da República. Seria importantíssimo o respeito à lista tríplice.

Como a ofensiva à Lava Jato tem impactado sua vida, pessoalmente? O que mudou do auge da operação para cá?
Ao longo dos últimos sete anos, trabalhei inúmeras vezes até as madrugadas, abri mão em muitos momentos do lazer e de tempo com a família e os amigos, fui alvo de diversas notícias falsas e ofensas, vivi debaixo de riscos de segurança pessoal e familiar, fui condenado pelo CNMP por críticas que fiz ao Supremo Tribunal Federal e a Renan Calheiros e respondo a ações de indenização por ter feito o meu trabalho com coragem contra pessoas poderosas. Até hoje, mesmo depois de sair da Lava Jato há oito meses, passo grande parte do meu tempo respondendo a reclamações disciplinares, como aconteceu com Di Pietro na Itália (refere-se a Antonio Di Pietro, um dos principais procuradores da Mãos Limpas). O coordenador da Mãos Limpas costumava dizer que foram necessários dois anos para fazer a operação, mas quatro para se defender depois. Muitas vezes bate um desânimo, mas ele é superado pelo forte senso de serviço e de propósito no trabalho, de melhorar a vida das pessoas. O que chamamos de luta contra a corrupção é um grande esforço movido por amor às pessoas, em busca da redução do sofrimento humano que ela causa. É uma luta por mais saúde, educação, segurança e um país melhor. É uma luta por justiça, integridade, estado de direito, democracia e redução da desigualdade. Muitos policiais, procuradores e juízes fizeram sacrifícios pessoais movidos por esses ideais.

Acredita que é possível reverter este movimento destinado a esvaziar e comprometer as investigações?
Sim. Hoje, há um grande alinhamento de forças políticas contra a Lava Jato e o que ela representa. É fato que muita gente quer anular condenações e impedir que novas operações como essa aconteçam no futuro. Contudo, à medida que alcance sucesso, esse movimento se torna um escândalo em si. Ao mesmo tempo, há uma grande demanda reprimida por integridade e um número crescente de políticos defende essa causa. As pesquisas mostram que a maioria da sociedade continua a apoiar a operação. Ou seja, apesar dos sucessivos ataques, a população está entendendo o que está acontecendo. A imprensa e as mídias sociais podem ser meios relevantes para informar a sociedade e debater avanços e retrocessos. Acredito no fortalecimento da cidadania e que ela pode fazer toda a diferença.

O sr. tem participado de lives e dado declarações públicas sobre política. Pensa em ser candidato a algum cargo nas eleições de 2022 ou mais adiante?
Não tenho hoje planos concretos de candidatura e nunca conversei sobre isso com políticos ou partidos. Ao mesmo tempo, reconheço que a única solução para o problema da corrupção que impregna a nossa política é por meio da democracia e da intensificação da participação da sociedade na vida pública. Essa participação pode ser apartidária, a título de cidadania, como quando falo nas redes sociais sobre o combate à corrupção, assunto diretamente relacionado ao meu trabalho. Precisamos fortalecer a cidadania. Se queremos menos corrupção, precisamos plantar boas leis. Se queremos boas leis, precisamos plantar bons políticos. Se queremos bons políticos, precisamos plantar bons cidadãos, informados e participativos.

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