Pedro França/Agencia Senado

Apuros multiplicados

Depoimentos comprometem a linha de defesa do Planalto e a CPI, agora, partirá para pedir a quebra de sigilo de ex-integrantes do governo e até de Carluxo
14.05.21

À medida que a CPI da Covid avança, o governo vai se enroscando cada vez mais. Os depoimentos desta semana contribuíram para fragilizar alguns pontos cruciais da linha de defesa de Jair Bolsonaro, ao deixar claro o animus do governo contra a ciência, o inequívoco esforço em favor da cloroquina e a completa apatia em relação à aquisição de vacinas.

Nos próximos dias, o cerco deve se fechar ainda mais. Para tentar conferir materialidade às ações e omissões de Bolsonaro na trágica condução da pandemia, a CPI pretende aprovar uma série de quebras de sigilo bancário, telefônico e telemático de testemunhas consideradas estratégicas para as investigações. A medida tem potencial explosivo para o Planalto porque pode alcançar até o filho 02 do presidente, Carlos Bolsonaro. Para o senador Alessandro Vieira, do Cidadania de Sergipe, a quebra de sigilos de Carluxo pode ser mais útil até do que sua convocação para depor. “A quebra de sigilos é mais interessante porque uma figura desse perfil só iria à CPI para fazer escarcéu e teatro. Com a análise dos dados, é possível ir além. Inclusive, saber como foi sua participação nesse círculo de aconselhamento do presidente”, explica o parlamentar, fazendo referência ao cada vez mais evidente “gabinete paralelo”, criado por Bolsonaro para contornar decisões técnicas na gestão dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.

Os integrantes da comissão ainda pretendem levantar os sigilos do sucessor de Teich, o general Eduardo Pazuello, da médica Nise Yamaguchi, uma das personagens envolvidas na tentativa de mudança da bula da cloroquina, do ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo Fabio Wajngarten e do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. Com o material em mãos, eles querem comprovar que a atuação pessoal de Bolsonaro, seja exercendo pressão sobre ministros, seja dando orientações na contramão da ciência, foi decisiva para compor o atual quadro catastrófico de mais de 425 mil mortes no país pelo coronavírus.

Carolina Antunes/PRCarolina Antunes/PRPazuello: medo a ponto que recorrer ao STF para garantir direito ao silêncio
Os testemunhos fornecidos à CPI ao longo da semana ajudaram a consolidar o entendimento de que a negligência do presidente custou milhares de vidas que poderiam ser salvas. Apesar de ter se portado quase como um guarda-costas do governo, Wajngarten, com seus deslizes, recuos e imposturas, expôs aos holofotes a inércia do presidente durante o processo de compra de vacinas. Um dos pontos altos do depoimento, na quarta-feira, 12, foi quando o ex-chefe da Secom admitiu que Bolsonaro demorou pelo menos dois meses para começar a pensar em agir para adquirir os imunizantes oferecidos pela Pfizer. O documento em que o CEO da empresa alertava que “a celeridade” era elemento “crucial devido à alta demanda de outros países e o número limitado de doses” foi enviado em 12 de setembro de 2020 ao presidente e a outros quatro destinatários: o vice Hamilton Mourão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os então ministros da Casa Civil, Braga Netto, e da Saúde, Eduardo Pazuello. Mourão negou que tivesse recebido.

Foi só em 9 de novembro, porém, que Bolsonaro começou a se dar conta de que aquilo poderia ter alguma importância. Para isso, o próprio Wajngarten, segundo ele mesmo contou, teve de interromper uma reunião no gabinete presidencial com a carta em mãos, alertando para a necessidade da compra das vacinas. Na quinta-feira, Carlos Murillo, gerente-geral da Pfizer para a América Latina, disse à CPI que ao menos onze ofertas formais do laboratório americano foram feitas ao governo brasileiro. A primeira delas data de 14 de agosto de 2020 – ou seja, 28 dias antes do envio da carta ignorada por Bolsonaro, quando a farmacêutica colocou à disposição do país um contrato de 30 milhões e outro de 70 milhões de doses. Parte desses lotes poderia ter começado a ser entregue ainda em dezembro de 2020. A vacina da Pfizer só chegou efetivamente no Brasil no final de abril deste ano.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlessandro Vieira quer quebrar o sigilo de Carluxo, o 02 de Bolsonaro
A revelação de Wajngarten sobre o documento da direção da Pfizer foi possível graças à insistência de parte dos senadores. Ao mentir à CPI reiteradas vezes, o ex-chefe da Secom quase foi parar na prisão – o relator Renan Calheiros chegou a pedir a detenção do aliado do governo, mas o chamado G-7 do colegiado o demoveu da ideia. A quebra dos sigilos bancário, de e-mails e telefônico de Wajngarten poderá esclarecer detalhes ainda obscuros da negociação de vacinas com a Pfizer – uma dúvida é por que ele, como responsável pela área de comunicação, estava tratando de vacinas. Uma das omissões de Wajngarten ficou clara no depoimento do executivo da Pfizer: ele não contou à CPI, por exemplo, que Carlos Bolsonaro e Filipe Martins, assessor internacional da Presidência, também haviam participado das reuniões com representantes da farmacêutica. “É muito importante essa quebra de sigilos. Ele tergiversou o tempo todo, mentiu, dissimulou e isso ficou muito claro”, disse o senador Otto Alencar, do PSD da Bahia.

O primeiro depoimento da semana também foi embaraçoso para Bolsonaro. E as declarações que encalacraram o governo vieram de onde ele menos esperava: do, ao menos até então, amigo do presidente Antonio Barra Torres, o presidente da Anvisa. Desfiando a conduta irresponsável de Bolsonaro com impressionante desembaraço, o contra-almirante da Marinha não se constrangeu em dizer que as declarações do presidente sobre a vacinação sempre foram “contra tudo” o que a agência defende, que a cloroquina não funciona mesmo contra o coronavírus e que, sim, como havia revelado Mandetta na semana anterior, o Palácio do Planalto sediou uma reunião para tentar adequar a bula do medicamento aos devaneios de Bolsonaro. Barra Torres saiu da CPI como herói da oposição e provável novo inimigo do Palácio do Planalto.

Enquanto Bolsonaro acumula reveses na CPI e ainda se vê enredado em novos escândalos, como o do orçamento paralelo, um eufemismo para compra de apoio político, sua popularidade derrete. A mais recente pesquisa Datafolha mostrou uma rejeição ao presidente de 45% e uma aprovação de apenas 24%, a pior marca de seu mandato até aqui. Nas simulações eleitorais, ele perde para todos os potenciais candidatos em um segundo turno. Para a próxima semana é aguardado o depoimento de Pazuello – que, na verdade, tem tudo para ser um não-depoimento – e é por isso que integrantes da CPI defendem também a abertura dos sigilos do ex-ministro. Com o aval do Palácio do Planalto, a Advocacia-Geral da União entrou com um pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, a fim de garantir ao general do “um manda, outro obedece” o direito de ficar calado e de não responder às perguntas dos senadores. Trechos da peça sugerem que ele teme ser preso. Em meio à tragédia que assola o país, o ex-ministro da Saúde ter medo de falar é mais uma cena lamentável do teatro do absurdo protagonizado pelo governo – e que a CPI promete não deixar completamente impune.

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