RuyGoiaba

Somos todos a Tia do Zap

14.05.21

A gente gosta de se achar mais esperto do que a média, não é? É um autoengano bastante comum entre meus colegas de profissão — e não me excluo, longe disso. Geralmente não chega a ser um caso do efeito Dunning-Kruger, em que alguém é tão espetacularmente ignorante da própria ignorância que se crê capaz de dar lições a especialistas: é mais aquela sensação de alívio quando você vê pessoas acreditando em boatos do tipo “o papa cancelou a Bíblia” (sim, uma agência de checagem dedicou tempo e recursos a desmentir isso) e diz para si mesmo “tem que ser muito Tio ou Tia do Zap para acreditar nesse tipo de coisa” — o subtexto óbvio é “ufa, ainda bem que eu não sou”.

Spoiler: você é, sim. Ninguém está imune ao impulso de acreditar que uma coisa é verdadeira porque a) é plausível b) coincide com aquilo que a gente pensa. Dois anos atrás, eu mesmo escrevi aqui sobre a história da tapeçaria de Di Cavalcanti com “mulheres se masturbando”, que está numa das paredes do Palácio da Alvorada: é mais divertido achar que Jair Bolsonaro posou para fotos sem saber o que a tapeçaria retratava do que acreditar na expert em Di Cavalcanti que diz que essa interpretação da obra não tem fundamento. Sim, a realidade é chatinha e sem graça, “imprima-se a lenda” etc., mas não é para imprimir a lenda que jornalistas são pagos — e, na época, alguns compartilharam a história fantasiosa.

Aconteceu de novo nesta semana: um perfil do Twitter notório por aplicar esse tipo de trote (em português moderno, “bait”) se fantasiou de G1 — o que talvez renda processinho — e publicou a seguinte notícia falsa, com os dizeres URGENTE: “Itamaraty concede passaporte diplomático e [Eduardo] Pazuello viaja para os EUA. Assessoria do ministro informa que não há data definida para retorno”. Muita gente que should know better caiu nessa: ex-editores, colunistas experientes e pelo menos um correspondente de veículo estrangeiro replicaram as fake news. Nem repararam na arroba do troll de Twitter, que não era a do G1.

Claro que a história é plausível: o ex-ministro da Saúde, esse homem de fibra, está fazendo de tudo para não ir à CPI da Covid ou para não precisar abrir a boca se tiver de depor, e o governo Bolsonaro já tem em Abraham Weintraub um caso muito bem-sucedido de ex-ministro fujão. Só que, bem, não aconteceu. Ou, pelo menos, AINDA não aconteceu: é o tipo de fake news que tem possibilidade de se tornar real enquanto batuco este texto ou depois que a Crusoé for ao ar (o que, se acontecer, terá sido SÓ para me irritar). Pelo menos por enquanto, é fake.

O que concluir desse experimento em trollagem? Simples: há uma Tia do Zap em cada um de nós — mesmo em supostos céticos profissionais, como eu e meus coleguinhas — e ela precisa ser contida, apesar de todos os estímulos das redes sociais agirem em sentido contrário (clique aqui! Compartilhe! Fique indignado junto comigo!). Pense, portanto, na tiazona que habita em você antes de apontar o dedo para os tiozões do mundo real. Depois aponte, porque os tiozões são uns imbecis mesmo — mas dê antes uma paulada na moleira da sua Tia do Zap interior. Não foi para compartilhar bobagem que Deus fez esse seu dedinho aí.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Não consegui decidir entre duas boas candidatas. A primeira é Jair Bolsonaro convocando os amiguinhos motoqueiros para brincar de Easy Rider, numa tentativa de mostrar que, além de macho, está 100% despreocupado com a CPI da Covid e tem o apoio do povo (parece que o Datafolha mais recente discorda). A segunda é a troca de gentilezas entre Renan Calheiros e Flávio Bolsonaro na comissão, com os distintos senadores se chamando de “vagabundos”. Pela primeira vez, tenho de admitir: nunca esses dois estiveram tanto com a razão.

Marcos Corrêa/PRMarcos Corrêa/PRBolsonaro e seu fã-clube brincam de Hell’s Angels: sim, crise de meia-idade é triste

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