Ricardo Stuckert/Instituto LulaLula e José Sócrates: líderes da esquerda no Brasil e Portugal apeados pela Justiça

A conexão Portugal de Lula e José Dirceu

Para explicar como os petistas aparecem no escândalo que levou políticos de Portugal à prisão, Crusoé destacou Fernando Esteves, um dos mais conhecidos jornalistas investigativos de Lisboa. Por que embaraçam o prosseguimento das investigaçōes?
17.08.18

Se o mensalão e a Lava Jato mostraram como o PT se valeu, por anos, de um esquema profissional de enriquecimento e compra de apoio político com dinheiro de estatais, uma operação em Portugal revela como Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu expandiram sua influência em outros países, seguindo o mesmo roteiro de lobby, dinheiro público e megaempresas. Assim como a Lava Jato, a Operação Marquês desvendou um grande acerto de propinas e tráfico de influência, que também levou à prisão o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates. A conexão entre petistas, socialistas e empresários portugueses foi tecida em torno das gigantes Portugal Telecom e Octapharma – e, aqui no Brasil, da Oi, a mesma que fez negócios generosos com a família Lula.

Para explicar como Lula, Dirceu e outros brasileiros aparecem nas investigações que levaram políticos portugueses às barras da Justiça, Crusoé destacou Fernando Esteves, um dos mais conhecidos jornalistas investigativos de Lisboa. Eis o seu relato:

Sexta‐feira, 21 de novembro de 2014. Eram 8 horas da manhã quando João Araújo, advogado do ex-primeiro-ministro português José Sócrates, embarcou num avião rumo a Paris, onde o seu cliente vivia luxuosamente desde que abandonara o posto de chefe do governo. A urgência em falar com Sócrates era máxima. Fazê-lo por telefone não era uma opção válida – sabia que o ex-primeiro-ministro se encontrava havia vários meses sob escuta decretada pelas autoridades judiciais.

Poucas horas depois, sentado com Sócrates (que tinha viagem marcada para Portugal naquela mesma noite) à mesa do restaurante do refinado hotel Plaza Athenée, João Araújo revelou a razão pela qual tinha de falar com Sócrates antes de ele tomar o avião rumo a Lisboa: no segundo em que colocasse o pé em solo português, muito provavelmente seria preso pelas autoridades como parte da Operação Marquês, um processo em que se investigava a prática de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude fiscal.

Aflito com a possibilidade de se sujeitar à maior humilhação de sua vida, Sócrates tentou de tudo para evitar a prisão. Eram 15h54 quando enviou um e-mail desesperado ao diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o principal órgão de investigação de Portugal, oferecendo-se para prestar declarações assim que chegasse. Mas naquele momento já não havia nada a fazer. Quando, por volta das 22h30, o avião da Air France aterrissou na pista do aeroporto da Portela, Sócrates fez, ainda no interior da aeronave, uma ligação para um assessor próximo. A certa altura, interrompeu o curto diálogo: “Tenho de desligar, tenho ali uns senhores à minha espera”.

Divulgação/OTOCDivulgação/OTOCCompanheiros: o socialista José Sócrates e Lula são estrelas da esquerda e dos tribunais

Os “senhores” eram inspetores da Autoridade Tributária e agentes da Polícia de Segurança Pública. Um dos policiais retirou-lhe educadamente o celular. Outro deu-lhe ordem de prisão. Sócrates, que numa entrevista célebre se autodefiniu como “um animal feroz”, estava prestes a cair, impotente, nas mãos do Sergio Moro português: o implacável juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, que, no final de um duro interrogatório, lhe comunicou a punição e lhe fez uma revelação. A pena: prisão preventiva. A revelação: o “culpado” pela interrupção de sua liberdade chamava-se… Luiz Inácio Lula da Silva.

Sócrates tinha agendada para dali a quatro dias uma viagem ao Brasil, onde se reuniria com o ex-presidente brasileiro. O objetivo era o mesmo que muitos megaempresários, aqueles que depois foram presos pela Lava Jato, tinham ao procurar o líder petista:  convencê-lo a fazer lobby junto à então presidente Dilma Rousseff em favor de seus interesses comerciais. No caso de José Sócrates, ele falava em nome da Octapharma, uma multinacional de derivados de sangue para a qual trabalhava como consultor para a América Latina em troca de um magnifico salário – e que queria contar com a influência de Lula para fechar negócios. No passado, a mesma Octapharma estivera envolvida na “Operação Vampiro”, que investigou crimes na venda de hemoderivados para o Ministério da Saúde brasileiro e que resultou na prisão de 17 pessoas no Brasil. Carlos Alexandre, o Moro português, acreditava que a viagem transatlântica representava um óbvio risco de fuga e decidiu não arriscar. Preferiu enviar o ex-primeiro-ministro socialista para a cadeia – um caminho que, anos depois, o próprio Lula também tomaria por decisão do Moro brasileiro. Hoje, Sócrates aguarda julgamento em liberdade. Ele ficou preso por cerca de dez meses.

José Cruz/Agência BrasilJosé Cruz/Agência BrasilLula e Dirceu: parceiros de governo, da Lava Jato e de lobby em Portugal

A relação de José Sócrates e Lula era longa. Um ex-colaborador do antigo primeiro-ministro português, que pediu anonimato, confidenciou a Crusoé que “o encantamento despertou com base na política”. Sócrates era um grande admirador de Lula e do seu estilo destemido. E Lula apreciava a aura de modernidade que o socialista conseguira imprimir à política portuguesa e, assim ele acreditava, ao socialismo internacional. “Passada essa fase inicial, a relação foi aprofundada através dos interesses que cada um representava”, acrescenta a mesma fonte, confirmando aquilo que o Ministério Público português veio a concluir na Operação Marquês: Sócrates e Lula solidificaram a relação cuidando, nos bastidores, de negócios milionários. O maior de todos foi a compra, pela Portugal Telecom (conhecida além-mar, ironicamente, pela sigla PT), de 23% das ações da operadora brasileira Oi, num negócio ruinoso para os interesses da companhia portuguesa. Mas que resultou em comissões milionárias tanto para Sócrates quanto para empresários, políticos e lobistas em Portugal e no Brasil.

Em 2007, sete anos antes da prisão de Sócrates, realizou-se no Chile uma reunião de cúpula que ficaria para a posteridade como aquela em que o rei espanhol Juan Carlos, indignado com o líder venezuelano Hugo Chávez, lhe lançou uma pergunta que se tornou lendária: “Por qué no te callas?”.  À margem da bronca entre o monarca espanhol e o ditador venezuelano, hoje morto, as movimentações das comitivas portuguesa e brasileira eram intensas. José Sócrates e Lula tinham agendado um encontro para, de acordo com o Ministério Público português, falar sobre o negócio da entrada da Portugal Telecom no capital da Telemar, a empresa que deu origem à Oi e que era controlada pela construtora Andrade Gutierrez (apeada na Lava Jato, diga-se) e pelo Grupo La Fonte. Era mais um daqueles planos de gigantismo nacional bolados por Lula sob a justificativa de promover empresas brasileiras: pensava-se então que a fusão das duas operadoras poderia originar um gigante mundial de telecomunicações, com um valor de mercado de 50 bilhões de euros e uma carteira de 140 milhões de clientes. Mas havia um problema no caminho: para que a operação avançasse era necessário que o governo brasileiro fizesse uma alteração legislativa, abolindo a proibição de uma empresa estrangeira participar do capital de duas empresas do mesmo setor. Só desse modo a Portugal Telecom, que detinha 50% da operadora Vivo, poderia aspirar controlar da Oi.

O encontro dos dois amigos foi difícil de ser marcado. Um integrante da comitiva de José Sócrates contou a Crusoé que foram várias as mudanças por causa das respectivas agendas. “Lula e José Sócrates são muito parecidos, incontroláveis. Estávamos ficando loucos. Quando finalmente fechamos hora e local, José Sócrates tinha desaparecido.” O então primeiro-ministro português decidira procurar um bom restaurante italiano, a sua cozinha predileta, em Santiago.

Uma fonte ligada à investigação sobre José Sócrates no âmbito da Operação Marquês afirma que “naquele instante já estava no terreno uma grande operação, arquitetada por Ricardo Salgado [o maior banqueiro português, acionista da Portugal Telecom e acusado de corromper José Sócrates na mesma Operação Marquês] e operacionalizada por uma série de participantes, entre eles o próprio Sócrates, mas também outras figuras, nomeadamente políticos e empresários brasileiros”. Uma dessas figuras era José Dirceu, identificado pela Justiça portuguesa como lobista e facilitador de negócios com fortes ramificações em Portugal, através da sua associação com o escritório de advocacia Lima, Serra, Fernandes & Associados.

Segundo registros contábeis da Portugal Telecom obtidos pelo Ministério Público, a sociedade de Dirceu com os advogados portugueses recebeu, a partir de 2007, pagamentos mensais de 50 mil euros (mais de 200 mil reais), diretamente aprovados por Henrique Granadeiro, chairman da empresa e também acusado no âmbito da Operação Marquês. Os investigadores concluíram que esse valor se destinava a pagar os serviços de lobby de José Dirceu em favor dos interesses da Portugal Telecom nas negociações para se associar à Oi.

Políticos e empresários portugueses sabiam que a agenda de contatos de Dirceu no Brasil valia milhões. Dela constavam políticos de todos os partidos, gestores e empresas públicas, banqueiros e grandes empresários, o que levou a Ongoing, a maior acionista privada da Portugal Telecom, que tinha interesses no Brasil, a contratar os seus serviços. Hoje caída em desgraça, a empresa era então um portento econômico. Preparava-se para criar um grupo de comunicação luso-brasileiro. Como parte desse plano, chegou a ter dois jornais e um portal de informação no Brasil.

Um dia, o seu presidente, Nuno Vasconcellos (que tem dupla nacionalidade e hoje vive no Brasil) entrou no gabinete de Henrique Granadeiro, que estava com Zeinal Bava (CEO da Portugal Telecom e também ele acusado de ter sido corrompido pelo banqueiro Ricardo Salgado) e com Pacheco de Melo, o homem-forte das finanças da empresa. Queria partilhar uma informação sensível: os parceiros brasileiros condicionavam a concretização da entrada na Oi ao pagamento de comissões no valor de 50 milhões de euros, a serem depositados na conta de uma empresa sediada em Macau. Pacheco de Melo falou antes de todos: “Da Portugal Telecom não sai dinheiro!”.

Apesar de idas e vindas, o negócio acabou avançando, em grande parte devido à influência de Sérgio Andrade, dono da construtora Andrade Gutierrez e parceiro de negócio de “Lulinha”, o filho de Lula (a Oi, controlada por Andrade, havia despejado dinheiro na desconhecida Gamecorp, criada pelo primogênito do petista). O momento decisivo aconteceu quando Andrade convidou Otávio Azevedo para presidir a companhia. Azevedo, dono de bons canais na política, inclusive entre os petistas, juntou as suas forças às de Zeinal Bava na liderança de um processo que viria a concretizar-se em 2010. Isso apesar de, sabe-se agora, naquele momento todos terem a noção de que o preço da Oi estava altamente inflado, uma vez que a operadora se encontrava numa situação financeira calamitosa. Interrogado pelos investigadores a esse respeito, o presidente do Banco Espírito Santo Investimento, que ficou com a responsabilidade da avaliação da Oi no momento da operação de compra, confirmou que a companhia se encontrava numa situação muito difícil. Assim sendo, perguntou um procurador português, por que deram aval ao negócio? A resposta: se não fosse o banco, seria um concorrente a ganhar os 20 milhões de euros orçados para a prestação daquele serviço.

Para celebrar a assinatura do acordo histórico, José Sócrates ofereceu um banquete no Palácio de São Bento, a residência oficial do governo português. Um participante do evento descreveu o ambiente a Crusoé: “Estavam todos muito entusiasmados, como se lhes tivesse saído o jackpot num cassino. Foram feitos brindes com champanhe. O José Sócrates, o Ricardo Salgado, o Carlos Jereissati, o Otávio Azevedo, o Henrique Granadeiro e o Zeinal Bava não escondiam a sua satisfação”. Hoje, como se sabe, todos estão presos ou acusados de crimes de corrupção. Assim como está Lula, o outro interveniente do negócio, do lado oposto do Atlântico.

Embora não tenha recolhido indícios conclusivos contra Lula, José Dirceu, Otávio Azevedo, Sérgio Andrade ou Carlos Jereissati, a equipe da Operação Marquês está convencida de que não foram apenas os políticos, gestores e empresários portugueses que receberam comissões milionárias – eles acreditam que também os brasileiros inflaram as suas contas bancárias à custa de um negócio em que aquela que era a maior empresa portuguesa perdeu mais de 5 bilhões de euros.

Um alto quadro da Portugal Telecom revelou a Crusoé que, na cúpula da companhia, sempre houve uma forte convicção de que entre os muitos beneficiários da operação se encontravam os filhos de Lula, mas a investigação portuguesa ainda não tem elementos capazes de formalizar essa acusação. A verdade é que os familiares de Lula eram a menor das preocupações dos investigadores portugueses, uma vez que os seus alvos estavam definidos desde o início: Sócrates, Salgado, Zeinal e Granadeiro, os principais protagonistas da Marquês, uma operação que tem duas semelhanças fundamentais com a Lava Jato. Ambas envolvem uma gigante nacional (a Petrobras no Brasil e a Portugal Telecom) e as duas acabaram por, pela primeira vez na história dos dois países, capturar alguns dos rostos mais importantes dos respectivos regimes. Lula e Sócrates; Otávio Azevedo e Ricardo Salgado; José Dirceu e Zeinal Bava, entre outros. Além disso, as duas mega investigações contam com super-juízes: Sergio Moro e Carlos Alexandre, inflexíveis, determinados e crentes de que têm a missão de expor de forma incondicional dois sistemas políticos marcados pela corrupção no mais alto nível. Nem um nem outro magistrado terminaram os seus respectivos trabalhos até o momento, mas mesmo que parassem por aqui nada seria como antes – nem em Portugal nem no Brasil.

Porto seguro

Recentemente, o jornal inglês The Guardian revelou uma lista de “magnatas brasileiros corruptos” que, segundo documentos a que teve acesso, “compraram o acesso à Europa a partir de Portugal”. Como? Através da aquisição de vistos Gold, um programa de incentivo ao investimento que foi criado em 2004 pelo governo português. Por esse programa, qualquer cidadão que invista um valor igual ou superior a 500 mil euros em um imóvel tem direito a um visto de residência permanente em Portugal, renovável de dois em dois anos. Depois de cinco anos ativo, o visto pode ser convertido em cidadania portuguesa, que confere o direito de moradia e trabalho em qualquer país da União Europeia.

Entre a lista de “investidores” não estão José Dirceu nem Lula da Silva, mas está Otávio Azevedo, que adquiriu um apartamento de luxo em Lisboa no valor de 1,4 milhões de euros (mais de 6 milhões de reais) — ele solicitou o Visto Gold num momento em que ainda não havia sido condenado pela Lava Jato. Outro “investidor” identificado é o próprio Sérgio Andrade, ex-patrão de Azevedo, mas dono de uma casa mais modesta em terras portuguesas, no valor de 665 mil euros. Outro ainda é Carlos Pires Oliveira Dias, ex-vice-presidente da Camargo Corrêa, uma das empreiteiras mais destacadas do petrolão.  Também integra a lista Pedro Novis, ex-presidente da construtora Odebrecht – que financiou várias viagens de Lula a Portugal, entre as quais uma em que o ex-presidente brasileiro se deslocou a Lisboa unicamente com o propósito de apresentar um livro de autoria de José Sócrates. Após se transformar em delator na Lava Jato, Novis confirmou oficialmente a posse do apartamento em Portugal, mas negou que tenha comprado o imóvel com a intenção de fugir para o país.

O caso Schmidt

Quem não hesitou em atravessar o Atlântico foi o empresário e colecionador de arte Raul Schmidt. Investigado no Brasil pelo pagamento de propinas aos ex-diretores da Petrobras Renato de Souza Duque, Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada, todos envolvidos num esquema pesado de corrupção e lavagem de dinheiro, o empresário é neste momento o protagonista de um caso com contornos rocambolescos que há vários meses agita a Justiça portuguesa.

Estabelecido em Portugal há vários anos, depois de já ter morado em Londres, Raul Schmidt estava tranquilamente no seu apartamento de luxo em Lisboa quando, em março de 2016, foi surpreendido por uma equipe de 14 policiais. Os agentes não estavam sozinhos: com eles havia um procurador do Ministério Público brasileiro, que trazia na mão uma carta rogatória em que era requerida a sua extradição. Ao entrarem, os policiais e o procurador ficaram atônitos: as paredes do apartamento avaliado em 3 milhões de euros estavam forradas com dezenas de obras de arte. Um deles descreveu a Crusoé o cenário que encontrou: “Havia quadros em todas as divisões, várias estatuetas, um piano, muitos livros e uma adega enorme”. Mais um suspeito de corrupção no Brasil havia sido alcançado além-mar.

Reprodução/YoutubeReprodução/YoutubeO empresário Raul Schmidt: com ordem de prisão pela Lava Jato e morando em Portugal, ele virou um imbróglio jurídico entre os dois países

De algemas nas mãos, era certo que Schmidt seria em breve despachado para Brasília ou Curitiba, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário: com o bilhete de avião já emitido, o advogado do empresário jogou uma cartada-surpresa — o seu cliente tinha obtido recentemente a cidadania portuguesa, o que, à luz da legislação em vigor, provavelmente impediria a sua extradição, uma vez que os dois países não têm acordo para esse fim. Confrontado com a informação, o procurador brasileiro não queria acreditar. Estava muito perto de levar seu troféu, mas, de repente, foi interceptado pelo argumento inesperado. Restava-lhe ainda a esperança de que um tribunal superior português autorizasse finalmente a extradição.

A sentença do tribunal foi rápida: extradite-se. Mas Schmidt, que ficou em prisão preventiva, não entregou os pontos. Ele tinha mais cartas para colocar na mesa. Travou a ordem de extradição por meio de um pedido ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o TEDH. O argumento, que utilizou para ganhar tempo (a sentença do TEDH tem um efeito meramente suspensivo), soou curioso: o sistema prisional brasileiro não cumpria os padrões mínimos exigidos pelo artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que proíbe que um cidadão europeu seja submetido a tratamentos degradantes.

Com Schmidt ainda na prisão, a aguardar a decisão final, um grupo de cerca de uma centena de portugueses, incluindo vários artistas, fez um pedido de habeas corpus a outro tribunal superior, argumentando que a detenção fora ilegal, uma vez que se tratava de um cidadão que adquirira a nacionalidade de acordo com a lei em vigor, possuindo por isso todos os direitos. A esse argumento, o tribunal juntou outro: o prazo para que o empresário fosse entregue à Justiça brasileira tinha expirado. E Raul saiu da cadeia.

A decisão, que teve grande repercussão na imprensa de Portugal, provocou um leve embaraço nas relações entre os juízes do tribunal que havia autorizado a extradição e os que decidiram suspendê-la. A Crusoé, Orlando Nascimento, presidente da corte que queria ver Schimidt atravessar o oceano para acertar contas com a Justiça, diz que mesmo com o imbróglio segue firme a troca de informações entre os órgãos do Brasil e Portugal que atuam em casos semelhantes. “A cooperação com as autoridades brasileiras atravessa um bom momento”, diz.

Há muito tempo que a incapacidade para extraditar cidadãos suspeitos em investigações criminais provoca frustração nos investigadores do Ministério Público de ambos os países. Cândida Vilar, uma das procuradoras mais temidas de Portugal, com vários casos rumorosos no currículo, disse a Crusoé que “apesar de a colaboração entre a Justiça portuguesa e a brasileira funcionar bem de uma forma geral, há casos particulares em que chegamos a um beco sem saída”. Sobre o caso Raul Schmidt, um personagem até menor diante dos tubarões fisgados pela Lava Jato, há alguns sinais de que o barulho em torno de sua extradição – e o esforço para evitá-la – pode ter alguma razão ainda oculta. Como parte da ofensiva destinada a impedir que Raul Schmidt fosse entregue às autoridades brasileiras, juntou-se a sua equipe de advogados o notório Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay e famoso por assumir causas capazes de gerar embaraços a políticos proeminentes de Brasília. Por ora, não se sabe se haverá novos capítulos na novela luso-brasileira que tem Schimidt como protagonista. “Depois de tudo o que aconteceu, com ele praticamente entrando no avião para ser extraditado e, depois, sendo resgatado de última hora, tudo é possível”, diz um empresário, conhecedor profundo da Operação Marquês e espectador muito atento da forma como ela se cruzou com o Lava Jato. “Se os dois países desejassem mesmo, estes embaraços deixariam de existir”, diz. Será que desejam?

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