Reprodução/redes sociais

O big brother

O irmão do presidente ganha acesso privilegiado aos cofres federais e usa a influência no governo para se cacifar eleitoralmente no berço da família Bolsonaro
28.05.21

O comerciante Renato Bolsonaro virou uma espécie de mercador de verbas em Brasília. Irmão de Jair Bolsonaro e aspirante a político, ele tem acesso livre aos gabinetes do governo e, em suas andanças pela capital, vem captando polpudos recursos para municípios do Vale do Ribeira, em São Paulo, região onde ele e o presidente cresceram. O dinheiro tem saído, principalmente, do caixa dos ministérios do Turismo e do Desenvolvimento Regional e seguido para prefeituras administradas por prefeitos amigos do primeiro-irmão da República. Ultimamente, até nacos do bilionário orçamento paralelo montado pelo governo para agraciar parlamentares aliados têm ido parar nos municípios apadrinhados por Renato, que sonha virar prefeito ou deputado.

No Palácio do Planalto, há uma estrutura montada para dar atenção especial às demandas do irmão de Jair Bolsonaro. Um assessor especial do presidente, Mosart Aragão, foi destacado para dar vazão aos pedidos e atender os prefeitos que chegam por meio de Renato e são cuidadosamente encaminhados para audiências com ministros. Recentemente, por intermédio de Mosart, o ministro do Turismo, Gilson Machado, recebeu o prefeito de Pariquera-Açu, um dos municípios do Vale do Ribeira. “Estamos aqui com nosso ministro Gilson Machado, juntamente com nosso companheiro e grande amigo Mosart Aragão. Graças ao Mosart, que nos trouxe aqui no Ministério do Turismo, nós estamos pedindo aqui a revitalização do centro da cidade. Em breve estará no sistema já”, declarou o prefeito, em vídeo publicado nas redes sociais. Renato Bolsonaro compartilhou o registro.

Nos meses que antecederam as eleições municipais do ano passado, municípios comandados por prefeitos apoiados por Renato Bolsonaro receberam pelo menos 90 milhões de reais. Em dezembro, durante a janela aberta para indicações de parlamentares dentro do orçamento paralelo, o governo destinou 40 milhões para a região, novamente priorizando prefeitos eleitos que Renato apoiou. Pelo menos 10 milhões de reais foram para Miracatu, município onde Renato mora e mantém uma loja de móveis. Em Miracatu, o irmão do presidente fez campanha para o candidato do PL, Vinícius Brandão de Queiroz, conhecido como Vinícius do Iraque, que conseguiu se eleger. Na véspera da eleição, Renato usou a internet para agradecer o apoio dos moradores ao projeto político que ele chamou de “nosso”.

Após a eleição, as verbas passaram a jorrar com mais intensidade. Do Turismo, saíram 5 milhões de reais para reforma de uma concha acústica. A justificativa apresentada para que o recurso fosse liberado registra que o “turismo de evento é um ponto-chave e ao mesmo tempo uma atividade ainda incipiente frente ao potencial existente” no município. O irmão do presidente costuma ser comunicado, por e-mail, de cada liberação de verba para a prefeitura.

Divulgação/Prefeitura Municipal de MiracatuDivulgação/Prefeitura Municipal de MiracatuMiracatu, no Vale do Ribeira: Renato Bolsonaro virou chefe de gabinete do prefeito
Em 8 janeiro deste ano, Renato deixou a informalidade de mediador de verbas para ser chefe de gabinete do prefeito de Miracatu. Uma das suas primeiras providências foi agendar uma reunião com o ministro do Turismo em Brasília. Mosart, o assessor de Jair Bolsonaro encarregado de ajudá-lo, estava lá. O encontro rendeu. Depois dele, houve novos repasses, o que faz com que Miracatu, ao longo do atual governo, se destaque como um dos municípios do país que mais receberam recursos da pasta comandada por Gilson Machado, o “sanfoneiro” das lives de Bolsonaro. É uma posição privilegiada. O município potiguar de Tibau do Sul, onde está a praia de Pipa, um dos destinos turísticos mais badalados do país, recebeu no mesmo período apenas 10% do que foi para Miracatu.

Uma parte dos recursos que chegaram ao município foi destinada a empresários com um histórico não muito republicano. No portal de licitações da prefeitura consta que, para realizar obras com recursos liberados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, foi contratada a TMK Engenharia. A firma tem os mesmos sócios de uma outra empreiteira, a Termaq, que em 2007 caiu em uma operação da Polícia Federal para investigar a existência de um balcão de favores no BNDES. Vereadores de Miracatu dizem que a obra para a qual a empresa foi contratada está parada.

Por onde anda no Vale do Ribeira, Renato Bolsonaro faz questão de se apresentar como o responsável pela liberação dos recursos federais enviados à região. Em entrevista a um jornal local, ele disse: “Estou doando meu tempo porque, naturalmente, sou muito procurado pela questão de relacionamento familiar. Eu faço a ajuda, encurto a distância“.

Em Brasília, os encontros intermediados por Renato não costumam ser incluídos em agenda oficial do turismo. As audiências acabam se tornando públicas depois, quando ele próprio as divulga nas suas redes sociais. No município vizinho de Cajati, Renato Bolsonaro fez campanha para Lucival Cordeiro, conhecido como Vavá Cordeiro. “Não só Renato, mas a família toda me apoiou”, diz Vavá, que acabou cassado meses depois por suspeita de improbidade administrativa. Mais de 3 milhões de reais foram destinados à cidade. “Esse dinheiro aí vai ficar para o meu sucessor”, diz o amigo de Renato. Quem está no comando do município, atualmente, é o presidente da Câmara, Sidney Cordeiro. Ele diz que até para medidas de combate à Covid as liberações destinadas às prefeituras do Vale do Ribeira passam por Renato Bolsonaro e por Mosart, o assessor de Bolsonaro. “O Mosart mandou um ofício para a gente dizendo que estava providenciando (o dinheiro). Deve ser ‘aquele’ jeito de tentar intermediar as coisas. Direto com o presidente é raro quem consegue estar”, afirma Sidney.

Prefeitura de MiracatuPrefeitura de MiracatuO irmão do presidente com prefeitos em audiência no Ministério do Turismo
Em Eldorado Paulista, onde vivem a mãe e irmãos de Jair Bolsonaro, quem se elegeu também foi um aliado de Renato, Dinoel Pedroso, do PL. O município de 11 mil habitantes já foi contemplado com 11,4 milhões de reais do Desenvolvimento Regional, para a construção de uma ponte. Presidente da Câmara de Vereadores, Willyan Batista e Souza, do DEM, diz que até o momento a obra não saiu do papel, apesar de nos sites oficiais do governo constar que o dinheiro foi desbloqueado em 29 de janeiro. Outro município de interesse de Renato, Itaoca recebeu repasses do Turismo, em janeiro de 2021, para a reforma de uma praça. A maior bolada, porém, saiu do MDR: 24 milhões para a construção de uma ponte que liga a cidade à vizinha Adrianópolis. A página oficial da prefeitura chegou a publicar um agradecimento do prefeito ao irmão do presidente da República.

Renato Bolsonaro não falou com Crusoé. Já Mosart Pereira, o assessor de Bolsonaro que o auxilia nas liberações de verba, tentou desconversar ao ser indagado sobre o assunto. “Eu não estou sabendo, não. Não tenho ajudado nada, não. Ajudar com quê? Tá doido, é? Não sou eu que mexo com isso, não. É com o ministério lá”, afirmou. Sobre os relatos de prefeitos que o mencionam, além dos registros públicos das reuniões de que participa, Mosart justificou: “Foto você tira, você recebe um ou outro aqui”.

Os políticos do Vale do Ribeira dão como certo que o projeto de Renato Bolsonaro é se lançar candidato nas próximas eleições. Por duas vezes, ele já tentou ser prefeito de Miracatu. Não conseguiu. A última tentativa foi em 2016. Na ocasião, ele acabou torpedeado por uma denúncia: era funcionário fantasma no gabinete de um deputado estadual de São Paulo. O irmão do presidente chegou a ser flagrado dando expediente em uma de suas lojas no Vale do Ribeira, enquanto deveria estar na Assembleia, onde recebia um salário de 17 mil reais. O então deputado federal Jair Bolsonaro, à época no PSC, condenou a atitude do irmão: “Pau nele, para deixar de ser otário. Se meu irmão praticar algum crime, fizer alguma besteira, o problema é dele. Ele que se exploda”. “Tem cargo, malandro? A primeira coisa: sai fora, depois se explica”. Ao que tudo indica, pelo menos otário Renato não é mais.

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