ReproduçãoBiden com o britânico Boris Johnson antes de encontro do G7: negociação em foros multilaterais

Imposto planetário

O que significa a taxa mínima mundial que os países ricos propuseram cobrar de grandes multinacionais e, assim, anular os benefícios dos paraísos fiscais
11.06.21

Países do mundo inteiro discutirão intensamente nos próximos meses a adoção de um imposto para as grandes empresas multinacionais, calculado com base nas receitas que elas obtêm nos diversos mercados em que operam e cobrado pelos respectivos governos. Na última semana, ministros de finanças dos países do G7 concordaram com uma taxa mínima comum de 15%. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, é hoje o principal entusiasta da proposta. Com essa chancela, o projeto do imposto mínimo mundial deve seguir para outros foros multilaterais, como o G20 e a OCDE (que já apoiava a criação da taxa). “Esse tributo tem boa chance de vingar, porque o poder econômico dos Estados Unidos é muito grande e eles podem forçar mudanças em outros países”, diz o advogado Francisco Lisboa Moreira, sócio do escritório Bocater e especialista em tributos internacionais. Calcula-se que o novo imposto proporcionará uma arrecadação total de 150 bilhões de dólares por ano.

A discussão tributária tem sua origem em uma refrega entre os Estados Unidos e os países europeus. Após a crise de 2008, governantes da Europa começaram a acumular queixas contra as empresas de tecnologia americanas conhecidas pela sigla GAFA: Google, Amazon, Facebook e Apple. Essas companhias cobravam os europeus pelos seus serviços, muitas vezes sem ter presença física nos mercados em que atuavam. Em seguida, transferiam o dinheiro arrecadado sob a forma de pagamento de propriedade intelectual para Irlanda e Luxemburgo. Só então, elas registravam o lucro, aproveitando-se dos impostos mais baixos nesses países.

Revoltados por observarem as empresas americanas enriquecendo sem levar o seu quinhão, os governos de Reino Unido, Áustria, Hungria, Itália, Polônia, Espanha, Turquia e França criaram, cada um, o seu imposto digital. O movimento irritou o governo americano, que considera os tributos discriminatórios por afetar majoritariamente empresas americanas. O ex-presidente americano Donald Trump ameaçou com retaliações. Com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, o conflito deu lugar a negociações em organizações multilaterais, como G7, G20 e OCDE. Ao instituir uma taxa global mínima, os americanos esperam convencer esses governos europeus a retirar os impostos digitais criados nos últimos tempos. Uma vez que eles todos estariam cobrando 15% das grandes multinacionais, não seria mais necessária uma taxa extra específica para serviços digitais.

Flickr/CityswiftFlickr/CityswiftSede do Google na Irlanda: impostos baixos
Além de tentar coibir os impostos criados pelos europeus, o governo dos Estados Unidos se beneficiaria com a instituição desse imposto mínimo em seu próprio território. Uma mudança na legislação americana poderia ainda facilitar a repatriação de lucros corporativos que hoje estão guardados no exterior, turbinando a arrecadação. De acordo com uma estimativa baseada em dados da OCDE, cerca de 30% do lucro das empresas multinacionais dos Estados Unidos são tributados no exterior, onde gozam de benefícios fiscais, em comparação com 5% na década de 1990.

Para os cidadãos americanos, o empenho diplomático foi propagandeado como uma forma de favorecer a classe média em tempos de pandemia. “Uma taxa global mínima traria uma arrecadação extra para o governo, que poderia reduzir os impostos pagos pela classe média ou aumentar os gastos com educação e atendimento à saúde”, diz o economista Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autor de um estudo sobre quanto os governos poderiam ganhar com o imposto global mínimo. Pelos cálculos de Zucman, o Brasil também seria beneficiado. Segundo seu estudo Missing Profits of Nations (“O lucro perdido das nações”, em tradução livre), o país perde 7 bilhões de dólares em arrecadação a cada ano com o envio de lucros de multinacionais para paraísos fiscais. Outros cálculos chegam a números parecidos.

Flickr/Stephen DownesFlickr/Stephen DownesLuxemburgo: país está se reinventando
Essas contas, contudo, são vistas com desconfiança por economistas e tributaristas brasileiros. Por exigência da legislação nacional, as grandes empresas de tecnologia foram obrigadas a ser pessoa jurídica no país. Elas geralmente se instalam em São Paulo, na Avenida Faria Lima, e pagam aqui seus impostos. Como poucos brasileiros possuem cartão de crédito internacional, raras são as companhias estrangeiras que conseguem cobrar serviços sem estar presentes no país. “O Brasil não tem muito a ver com esse movimento por uma taxa global mínima. As firmas se instalaram aqui. Elas pagam seus impostos localmente e, ao enviar recursos para o exterior, geram uma arrecadação relevante para a Receita Federal. É uma situação totalmente diferente”, diz o advogado Luiz Peroba, sócio do escritório Pinheiro Neto e especialista na área tributária.

A taxa global mínima deve ter um impacto considerável nos paraísos fiscais. Países como as Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Luxemburgo e Suíça atraíram empresas do exterior oferecendo duas vantagens: a possibilidade de mover contas sem revelar a identidade e o pagamento de impostos mais baixos. Nos últimos 15 anos, o benefício do sigilo tem perdido espaço, principalmente por pressão americana. Em países como a Suíça, correntistas e sócios de empresas já foram convidados a revelar suas identidades ou fechar suas contas. Se os países forem obrigados a reverter os benefícios fiscais, adotando a taxa mínima, empresas poderiam perder o interesse em enviar seus lucros para esses locais. “Muitos paraísos fiscais estão sendo obrigados a se reinventar. Luxemburgo é um exemplo. Essa pequena nação europeia tem se destacado em outros quesitos, reduzindo a burocracia e facilitando o acesso ao mercado de capitais”, diz Lisboa Moreira, do escritório Bocater. “Com a aplicação de uma taxa global, provavelmente veríamos uma competição entre esses países que funcionam como paraísos fiscais. Eles ofereceriam outras vantagens.”

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  1. Existe um obviedade estampada em Economia: empresas NÃO pagam impostos. Quem paga são os consumidores/contribuintes para quem elas repassam tal ônus. Só os estúpidos não veem isso, e os cínicos fingem que não veem.

  2. Como um bom Comunista, Bidé quer tirar de quem produz pra distribuir com vagabundo. Lindo isso. Imposto e a arma de quem nada produz.

  3. O grande problema será que quem arcará, realmente, com estes tributos seriam nós os consumidores finais. Estas empresas já roubam nossos dados agora iriam passar a cobrar para não diminuir o lucro.

  4. Quando chega na área internacional a Crusoé não agrada. A leitura que faço do assunto é que o mundo precisa de dinheiro para aguentar essa pandemia pelo que a taxação das grandes empresas de tecnologia, particularmente as virtuais, é um assunto muito bem-vindo mesas de negociação, nesta hora. A OECD estima um potencial de 50 a 80 bilhões adicionais com isso. Com o Biden liderando (apesar do contrariado Johnson que sonha com uma “Cingapura no Tâmisa”) as coisas começam a tomar corpo.

    1. O próximo passo é o governo oferecer e monopolizar estes serviços, o resultado é o mesmo: Venezuela.

  5. Não se iludam, este imposto não sairá do bolso destas empresas. Quem paga sempre é o consumidor. As empresas mantém as margens e reajustam os preços. Não sei que tipo de keynesiano acessora estes políticos, mas o resultado é certo: Venezuela.

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