PGR atropelado
Em quatro anos de Supremo, o ministro Alexandre de Moraes demonstrou pouca aptidão para atuar nas entrelinhas. Seus recados costumam saltar aos olhos em suas decisões. Isso ficou evidente no último dia 4, quando ele decidiu retirar o sigilo do inquérito dos atos antidemocráticos, aberto em abril de 2020 para investigar as manifestações bolsonaristas contra o Congresso, o STF e a favor da ditadura. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a Procuradoria-Geral da República enviou ao ministro um parecer pedindo o arquivamento do inquérito que ela própria instaurou. Com duras críticas à atuação da Polícia Federal, que defendeu a continuidade do trabalho, a PGR alegou que a investigação estava “irremediavelmente comprometida” porque a PF “desviou a apuração dos seus eixos originais”. Entre tantos alvos investigados, a Polícia Federal havia apontado em dezembro, em um extenso relatório encaminhado a Moraes, vínculos do Palácio do Planalto com contas falsas nas redes sociais usadas para atacar as instituições.
Sem mencionar o parecer da PGR, o ministro do STF argumentou na decisão que não havia mais “necessidade da manutenção da total restrição de publicidade” do inquérito porque a PF já havia apresentado o relatório parcial da investigação, encaminhado em janeiro para a cúpula do Ministério Público Federal. O objetivo de Moraes com a medida era um só: expor que existem indícios suficientes para continuar com as investigações que encurralam aliados e familiares do presidente Jair Bolsonaro e, assim, constranger o procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem tido uma atuação notoriamente alinhada aos interesses do Planalto. Na segunda-feira, 7, o relatório de 154 páginas da PF já estava disponível para consulta no site do Supremo e logo o noticiário foi tomado por reportagens mostrando que até o nome da primeira-dama Michelle Bolsonaro aparece vinculado a uma conta considerada inautêntica pelo Facebook, acessada do gabinete da Presidência e da casa de Bolsonaro no Rio.
No material, a PF também aponta como fatos suspeitos que precisam ser melhor investigados transferências de quantias de dinheiro feitas por servidores públicos ao canal do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, um acordo assinado pelo empresário Otávio Fakhoury com a BR Distribuidora para quintuplicar o valor do contrato de aluguel de um posto de gasolina usado pela estatal, uma suposta tentativa de obstrução da CPMI das Fake News, além de pagamentos feitos pelo empresário Luís Felipe Belmonte, organizador do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar, a agências que controlam sites e perfis acusados de fomentar os atos antidemocráticos. A PGR concordou com a abertura de inquéritos específicos nas instâncias inferiores para investigar esses casos, mas defendeu o arquivamento de todo o restante do inquérito, incluindo o dos 11 parlamentares bolsonaristas que tiveram os sigilos bancários quebrados por Moraes no ano passado, a pedido de Aras. Esses dados permanecem em sigilo.
Esse não foi o primeiro capítulo da queda de braço entre Alexandre de Moraes e Augusto Aras. No mês passado, o ministro desarquivou um inquérito, autorizou busca e apreensão e determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sem ouvir a PGR antes, como é praxe. O caso, inclusive, tinha sido arquivado a pedido do procurador-geral. Moraes só encaminhou o pedido da PF a Aras depois que operação sobre o suposto esquema de exportação ilegal de madeira da Amazônica já dominava o noticiário. O PGR chegou a pedir ao STF na sequência para que o processo fosse remetido para a ministra Cármen Lúcia, relatora de outros casos envolvendo Salles, mas Moraes se recusou a abrir mão do inquérito. Uma semana depois da operação contra o ministro do Meio Ambiente, Moraes retirou o sigilo dos autos principais, escancarando os indícios que pesam sobre Salles, como movimentações financeiras atípicas identificadas pelo Coaf na conta de seu escritório de advocacia.
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