A terceira via derrete
Os presidentes de partidos que buscam a chamada terceira via para a corrida presidencial de 2022 se reuniram em um almoço nesta semana em Brasília para discutir o plano. O encontro não passou de um esforço para criar um fato político em meio à escalada de dissabores enfrentados pelo grupo do final de 2020 para cá. Para além da foto e da renovação das juras de que vão trabalhar juntos para quebrar a polarização, eles não produziram nenhuma novidade capaz de alterar o atual cenário. “O número de brasileiros que se posiciona hoje para uma nova alternativa é maior que o apoio a Lula ou Bolsonaro. Mas é uma maioria silenciosa, que não faz motociata nem manifestação. É para esses brasileiros que queremos falar”, disse o presidente do PSDB, Bruno Araújo, ao lado de dirigentes do DEM, do PV, do Cidadania e do Podemos, além de representantes do MDB e do Solidariedade.
É cedo para conclusões definitivas, mas o quadro se complica à medida que os nomes de centro que exibiam alguma musculatura eleitoral vão saindo do páreo, enquanto Lula e Bolsonaro se consolidam nas pesquisas como os principais candidatos por absoluta falta de adversários. Hoje, quem tem engulhos só de ouvir falar na possibilidade de a dupla chegar ao segundo turno simplesmente não tem em quem votar.
Não são poucos os obstáculos para busca de um consenso. O principal deles é que não há, hoje, um nome em condições de uni-los. O ex-juiz Sergio Moro, vítima do triturador bolsopetista e ódio geral dos fisiológicos e corruptos, e João Amoêdo, traído pelo próprio partido, o Novo, pularam fora. Luciano Huck preferiu o “domingão” na TV Globo a mergulhar no caldeirão da política – para a surpresa de poucos, é bem verdade.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, chegou a soprar algumas vezes no ouvido de tucanos que, no lugar de Doria, preferia como candidato o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati ou até mesmo Huck. O que sobra a Tasso falta a Leite: tarimba e experiência no xadrez eleitoral. FHC, porém, em vez de pensar no futuro, gosta de mover suas peças de olho no retrovisor. Recentemente, o ex-presidente posou para fotos ao lado de Lula, com direito a saudação de punhos cerrados. O ex-governador Geraldo Alckmin, outro tucano que torce o bico para Doria, pretende voltar ao comando do estado mais rico do país, mesmo que se candidatando por outra legenda — e, assim, também enfraquecer o desafeto que quer chegar ao Planalto.
Enquanto no espectro político de centro poucos falam a mesma língua, Lula e Bolsonaro se consolidam como os protagonistas da sucessão presidencial, dividindo a atenção do noticiário e pautando costuras políticas. Com a polarização, uma candidatura acaba alimentando a outra. A rejeição a um beneficia o outro. Graças às seguidas barbeiragens de Bolsonaro na condução do país – e, em especial, da pandemia – Lula se dá ao luxo de poder adotar a tática de jogar sem precisar se mexer, e mesmo assim, lucrar politicamente com isso.
Embora pisque para a terceira via, o DEM corre o risco de, no fim das contas, se lançar nos braços de Jair Bolsonaro. Esse, por sinal, é um dos problemas para Luiz Henrique Mandetta, ainda filiado ao partido, que está no jogo graças ao recall como ministro da Saúde – embora também não apareça bem nas pesquisas de intenção de voto, ele chegou a ostentar 76% de aprovação durante o combate à pandemia e é, entre os nomes aventados pelo centro, o que tem maior potencial de crescimento. ACM Neto, presidente do DEM, namora firme o bolsonarismo. Se entender que esse é um caminho sem volta, Mandetta terá de trocar de partido caso queira ter alguma chance de ser candidato ao Planalto em 2022.
Um elemento surpresa na corrida pode ser o PSD de Gilberto Kassab. Sem fazer muito alarde, o ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer vai montando um time de considerável peso político. Já filiou o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e flerta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – enquanto a turma da terceira via se reunia nesta semana, os dois almoçavam juntos em Brasília. Com o plano de formar um “partido de quadros”, e com votos, Kassab se cacifa, no mínimo, para estar nas principais rodas de conversas para 2022.
Como falta ainda um ano e quatro meses para a eleição, e isso em política é uma eternidade, o jogo ainda está em aberto. O problema em demorar demais para escolher um nome, ou cometer erros em demasia durante o processo, é a possibilidade de a terceira via acabar em terceiro lugar na disputa. Ou em quarto.
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