Gabriela Biló/Estadão ConteúdoO centro é literalmente de vidro: a reunião ao redor da delicada mesinha não produziu novidades

A terceira via derrete

A construção de uma alternativa de centro para concorrer com Bolsonaro e Lula na corrida presidencial de 2022 fica cada vez mais complicada
18.06.21

Os presidentes de partidos que buscam a chamada terceira via para a corrida presidencial de 2022 se reuniram em um almoço nesta semana em Brasília para discutir o plano. O encontro não passou de um esforço para criar um fato político em meio à escalada de dissabores enfrentados pelo grupo do final de 2020 para cá. Para além da foto e da renovação das juras de que vão trabalhar juntos para quebrar a polarização, eles não produziram nenhuma novidade capaz de alterar o atual cenário. “O número de brasileiros que se posiciona hoje para uma nova alternativa é maior que o apoio a Lula ou Bolsonaro. Mas é uma maioria silenciosa, que não faz motociata nem manifestação. É para esses brasileiros que queremos falar”, disse o presidente do PSDB, Bruno Araújo, ao lado de dirigentes do DEM, do PV, do Cidadania e do Podemos, além de representantes do MDB e do Solidariedade.

É cedo para conclusões definitivas, mas o quadro se complica à medida que os nomes de centro que exibiam alguma musculatura eleitoral vão saindo do páreo, enquanto Lula e Bolsonaro se consolidam nas pesquisas como os principais candidatos por absoluta falta de adversários. Hoje, quem tem engulhos só de ouvir falar na possibilidade de a dupla chegar ao segundo turno simplesmente não tem em quem votar.

Não são poucos os obstáculos para busca de um consenso. O principal deles é que não há, hoje, um nome em condições de uni-los. O ex-juiz Sergio Moro, vítima do triturador bolsopetista e ódio geral dos fisiológicos e corruptos, e João Amoêdo, traído pelo próprio partido, o Novo, pularam fora. Luciano Huck preferiu o “domingão” na TV Globo a mergulhar no caldeirão da política – para a surpresa de poucos, é bem verdade.

World Economic Forum/Sandra BlaserWorld Economic Forum/Sandra BlaserO apresentador Luciano Huck desistiu de entrar no caldeirão da política
Outra questão a jogar contra a escolha de um aspirante à Presidência da terceira via é que um dos partidos considerados de centro, o PSDB, tem alguém que não abre mão de jeito nenhum de ser candidato, o governador de São Paulo, João Doria, obstinado que está pela cadeira de presidente da República. O tucano, no entanto, mesmo com o comovente esforço de aparecer na TV dia sim outro também, para anunciar vacinação, não consegue alcançar os dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto. Ademais, até mesmo no PSDB, Doria é rejeitado, como mostrou nesta semana a reunião interna que definiu como serão as prévias da sigla. Ao contrário do que desejava o governador paulista, os votos dos políticos com mandato terão mais peso do que os dos filiados, que responderão por somente 25% do colégio eleitoral.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, chegou a soprar algumas vezes no ouvido de tucanos que, no lugar de Doria, preferia como candidato o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati ou até mesmo Huck. O que sobra a Tasso falta a Leite: tarimba e experiência no xadrez eleitoral. FHC, porém, em vez de pensar no futuro, gosta de mover suas peças de olho no retrovisor. Recentemente, o ex-presidente posou para fotos ao lado de Lula, com direito a saudação de punhos cerrados. O ex-governador Geraldo Alckmin, outro tucano que torce o bico para Doria, pretende voltar ao comando do estado mais rico do país, mesmo que se candidatando por outra legenda — e, assim, também enfraquecer o desafeto que quer chegar ao Planalto.

Enquanto no espectro político de centro poucos falam a mesma língua, Lula e Bolsonaro se consolidam como os protagonistas da sucessão presidencial, dividindo a atenção do noticiário e pautando costuras políticas. Com a polarização, uma candidatura acaba alimentando a outra. A rejeição a um beneficia o outro. Graças às seguidas barbeiragens de Bolsonaro na condução do país – e, em especial, da pandemia – Lula se dá ao luxo de poder adotar a tática de jogar sem precisar se mexer, e mesmo assim, lucrar politicamente com isso.

Jefferson Rudy/Agência SenadoJefferson Rudy/Agência SenadoMandetta pode deixar o DEM se o partido fechar com Bolsonaro
Em contrapartida, quase todas as estratégias adotadas até agora em favor da aliança de terceira via se revelaram infrutíferas. A mais recente, vendida como a “novidade” do encontro de quarta-feira, foi a de que o grupo vai trabalhar para atrair o PDT e o PSB. “Será um longo diálogo nos próximos meses”, diz Bruno Araújo, que já anunciou uma nova rodada de conversas da turma para daqui a 15 dias. O PDT já tem candidato, Ciro Gomes, e até marqueteiro, o ex-petista de coração João Santana. Quanto ao PSB, há quem ache que ele possa ser um “cavalo de Troia” lulista.

Embora pisque para a terceira via, o DEM corre o risco de, no fim das contas, se lançar nos braços de Jair Bolsonaro. Esse, por sinal, é um dos problemas para Luiz Henrique Mandetta, ainda filiado ao partido, que está no jogo graças ao recall como ministro da Saúde – embora também não apareça bem nas pesquisas de intenção de voto, ele chegou a ostentar 76% de aprovação durante o combate à pandemia e é, entre os nomes aventados pelo centro, o que tem maior potencial de crescimento. ACM Neto, presidente do DEM, namora firme o bolsonarismo. Se entender que esse é um caminho sem volta, Mandetta terá de trocar de partido caso queira ter alguma chance de ser candidato ao Planalto em 2022.

Um elemento surpresa na corrida pode ser o PSD de  Gilberto Kassab. Sem fazer muito alarde, o ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer vai montando um time de considerável peso político. Já filiou o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e flerta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – enquanto a turma da terceira via se reunia nesta semana, os dois almoçavam juntos em Brasília. Com o plano de formar um “partido de quadros”, e com votos, Kassab se cacifa, no mínimo, para estar nas principais rodas de conversas para 2022.

Roberto Casimiro/Fotoarena/FolhapressRoberto Casimiro/Fotoarena/FolhapressA via de Ciro Gomes é de mão única: ele não abre mão de ser candidato
Um dos novos pupilos do ex-ministro, Paes almoçou com Lula há duas semanas na sede da prefeitura do Rio, com direito a filé, salada, vinhos tinto e branco e sobremesa de chocolate, além de elogios mútuos e aquela foto clássica de máscara e soquinho de punhos cerrados. Para além do retrato, há aí um risco real para a terceira via: o de que alguns de seus integrantes, diante da perspectiva de fracasso da candidatura de centro, passem a aderir a um dos dois polos que se sobressaem hoje. “Existe, sim, um temor de traição e de que, no fim das contas, cada um busque o que é melhor para si eleitoralmente”, diz um dos participantes do almoço em Brasília.

Como falta ainda um ano e quatro meses para a eleição, e isso em política é uma eternidade, o jogo ainda está em aberto. O problema em demorar demais para escolher um nome, ou cometer erros em demasia durante o processo, é a possibilidade de a terceira via acabar em terceiro lugar na disputa. Ou em quarto.

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