Alan Santos/PR

O ministro fiel

A decisão sobre quem será o substituto de Marco Aurélio Mello no STF já está praticamente tomada. E uma coisa é certa: ele terá de fazer valer o acordão vigente em Brasília
18.06.21

Quando prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, há dois anos, Jair Bolsonaro ainda vivia aquela lua de mel com o eleitor típica de início de mandatos. De lá para cá, sua aprovação foi encolhendo significativamente, visto que uma parcela considerável de seus apoiadores foi se sentindo desapontada com a guinada na direção da velha política e dos costumes que ele prometia combater. A aliança com os pastores ficou abalada quando o presidente escolheu o católico Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello, em outubro passado. O notório Silas Malafaia foi quem mais vociferou. Bolsonaro retrucou dizendo que a opção pelo nome patrocinado pelo Progressistas de Ciro Nogueira e Arthur Lira, próceres do Centrão, era “crucial” para a estabilidade de seu governo.

Agora, na iminência de preencher a segunda vaga no STF no presente mandato, os papéis se inverteram. Cumprir a promessa feita aos pastores em 2019 passou a ser algo essencial para Bolsonaro contar com o disputado voto evangélico na busca pela reeleição. Mas, além da Bíblia, o escolhido para suceder Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho, terá de rezar na cartilha do acordão vigente em Brasília. O atual advogado-geral da União, André Mendonça, é o franco favorito por representar a “dupla fidelidade” que Bolsonaro espera do futuro integrante da corte – a defesa de valores religiosos e a defesa dos interesses próprios do bolsonarismo.

Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, André Mendonça já demonstrou devoção às duas causas tanto como advogado-geral, cargo a partir do qual defendeu enfaticamente a abertura de templos religiosos durante a pandemia, quanto como ministro da Justiça e Segurança Pública, quando determinou a abertura de inquéritos pela Polícia Federal contra críticos do presidente, com base na Lei de Segurança Nacional. É por essas credencias que Mendonça é o nome preferido do próprio presidente e também da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que já frequentou os cultos dirigidos por ele em uma igreja em Brasília. O ministro também conta com a simpatia dos mais influentes políticos e líderes evangélicos.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéDias Toffoli trabalha nos bastidores para que o advogado-geral da União seja o próximo ministro do STF
Entre os seus principais cabos eleitorais está Silas Malafaia, que reatou com Bolsonaro depois que o presidente lhe garantiu que a promessa de escolher alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo estava mantida. Em público, as lideranças evangélicas afirmam que emplacar na corte um fiel comprometido com os princípios defendidos pelas igrejas seria uma maneira de atenuar o “desequilíbrio religioso” na atual composição – dos onze atuais, oito se declaram católicos e dois, judeus. “Cerca de 40% da população brasileira é evangélica e quantos ministros evangélicos nós temos lá e quantos são católicos? É só fazer essa conta. Mas quem decide é o presidente”, diz o deputado Cezinha de Madureira, do PSD de São Paulo, presidente da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara — o índice, na verdade, é uma projeção feita por um pesquisador para 2032, quando o número de evangélicos no país deve superar o de católicos (segundo o Datafolha, o Brasil tem hoje 50% de católicos e 31% de evangélicos).

O lobby por um ministro evangélico é reforçado pela Igreja Universal, aliada de Bolsonaro que chegou a colocar o nome do deputado e bispo licenciado Marcos Pereira, formado em direito, como opção. Hoje, Pereira, que é presidente do Republicanos, o partido da Universal, também tem defendido o nome de André Mendonça.

Políticos evangélicos afirmam que colocar um dos seus em uma cadeira do Supremo é extremamente importante para garantir a defesa das pautas das igrejas que costumam desaguar com frequência na corte. Entre os casos que eles costumam mencionar, está o julgamento ocorrido em abril do ano passado no qual o tribunal considerou inconstitucional, por unanimidade, uma lei da cidade goiana de Novo Gama que proibia a discussão de gênero nas escolas era inconstitucional. Em seu voto, que foi acompanhado pelos demais ministros, o relator Alexandre de Moraes afirmou que o veto municipal à chamada “ideologia de gênero”, amplamente combatida pelas correntes evangélicas, era uma forma de “censura” que contribuía para a “manutenção da discriminação com base na orientação sexual”.

Em um caso mais recente, em abril deste ano, os evangélicos sofreram outra derrota no STF, quando o plenário rejeitou, por 9 votos a 2, um pedido do PSD para derrubar um decreto estadual de São Paulo que proibiu cultos e missas presenciais em templos religiosos para tentar conter a propagação do coronavírus. Foi nesse julgamento, aliás, que André Mendonça conquistou de vez o apoio evangélico para sua indicação ao defender efusivamente, como advogado-geral da União, a reabertura das igrejas.

Joel Rodrigues/FolhapressJoel Rodrigues/FolhapressAté o ex-presidiário Valdemar da Costa Neto já foi procurado por Mendonça
A defesa de um ministro evangélico no Supremo ganhou ainda mais força nas hostes bolsonaristas diante da possibilidade de o PT voltar ao poder em 2023, com Lula. Políticos da bancada religiosa ouvidos por Crusoé acreditam que pautas mais progressistas, como legalização das drogas ou do aborto, voltarão com força num eventual governo de esquerda, e que por isso é preciso colocar no STF alguém que se disponha a defender os valores das igrejas.

Além do perfil religioso, que virou um compromisso crucial para seu projeto eleitoral, Bolsonaro já deixou claro que a amizade continua sendo um critério importante na escolha do indicado. “Primeiro pré-requisito: tem que ser evangélico, ‘terrivelmente evangélico’. Segundo pré-requisito: tem que tomar tubaína comigo, pô”, disse o presidente, ao comentar a sucessão de Marco Aurélio. O critério da tubaína foi usado, segundo o próprio presidente, para a escolha de Kassio Marques, então desembargador federal apadrinhado pelo Centrão e apoiado pelo senador Flávio Bolsonaro, seu filho 01, com uma mãozinha do notório Frederick Wassef.

Defensores do nome de André Mendonça afirmam, nos bastidores, que o advogado-geral da União será mais fiel a Bolsonaro no Supremo do que qualquer outro quadro evangélico egresso do Judiciário e citam como exemplos os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que ocuparam a cadeira de advogado-geral da União nos governos do PSDB e do PT, respectivamente, antes de serem indicados para o STF. Por outro lado, o vínculo estreito de Mendonça com Bolsonaro tem gerado forte rejeição ao seu nome dentro do Senado, onde a nomeação para o Supremo precisa ser aprovada em plenário por ao menos 41 dos 81 senadores.

Em busca de apoio, o favorito do presidente para a vaga  iniciou o tradicional périplo pelos gabinetes antes mesmo da confirmação de sua indicação. O primeiro a ser visitado, no início de maio, foi Nelsinho Trad, líder do PSD, partido cuja bancada soma onze parlamentares, a segunda maior da casa. “Foi uma visita de apresentação, em que ele apresentou o currículo de forma muito humilde. Fiquei com uma impressão melhor do que quando ele entrou”, disse Trad. Álvaro Dias, líder do Podemos, que tem nove senadores, também recebeu a visita de Mendonça nas últimas semanas. A operação beija-mãos mira até votos do grupo de senadores próximos a Renan Calheiros, que virou um dos principais alvos da militância bolsonarista por sua atuação como relator da CPI da Covid. Nessa frente, Mendonça passou a contar com a ajuda de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União que é ligado ao senador alagoano. Atendendo a um pedido de Dias Toffoli, maior entusiasta da indicação de Mendonça ao STF, Dantas busca convencer Renan a não criar obstáculos caso se confirme a indicação do atual advogado-geral da União.

Nelson Jr./SCO/STFNelson Jr./SCO/STFFux pediu a Bolsonaro para anunciar o escolhido só depois que Marco Aurélio oficializar aposentadoria
Os 14 votos da bancada evangélica no Senado estão longe de ser suficientes e André Mendonça sabe que é importante rezar na cartilha do acordão também para angariar mais apoios. E não apenas por Bolsonaro, o maior padrinho da velha ordem que voltou a vigorar em Brasília. Recentemente, Mendonça conversou com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, um dos caciques que tem ganhado cada vez mais espaço no governo em troca de apoio no Congresso, e com o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre, que tem dito ao presidente que ele não teria ainda o estofo necessário para defender a classe política nos casos que chegam ao STF em que há forte pressão contrária da opinião pública.

Esse, aliás, é um argumento também utilizado por Flávio Bolsonaro para tentar convencer o pai a escolher o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, fiel da Igreja Adventista. Nome mais palatável ao Centrão e até à oposição por apresentar como cartão de visitas duas investigações abertas no STJ contra procuradores da Lava Jato, Martins segue esperançoso. O ministro alagoano caiu nas graças de Flávio por causa da amizade que o filho 01 de Bolsonaro tem com seu filho, o advogado Eduardo Martins. Pesa contra ele, porém, o fato de ter chegado a Brasília pelas mãos de Renan Calheiros.

Embora a indicação de André Mendonça esteja cada vez mais cristalizada, o plano de Bolsonaro, segundo uma fonte que participa das articulações, é anunciar o nome apenas em agosto, depois do recesso do Judiciário. O presidente acolheu um pedido do presidente do STF, Luiz Fux, para aguardar Marco Aurélio formalizar sua aposentadoria. Em paralelo, o adiamento do anúncio contribui para que o nome do escolhido não fique tanto tempo exposto a críticas. Esse é o quadro de momento. Mas, como alertam até os aliados mais próximos do presidente, em se tratando de Jair Bolsonaro tudo pode mudar na undécima hora.

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