O ministro fiel
Quando prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, há dois anos, Jair Bolsonaro ainda vivia aquela lua de mel com o eleitor típica de início de mandatos. De lá para cá, sua aprovação foi encolhendo significativamente, visto que uma parcela considerável de seus apoiadores foi se sentindo desapontada com a guinada na direção da velha política e dos costumes que ele prometia combater. A aliança com os pastores ficou abalada quando o presidente escolheu o católico Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello, em outubro passado. O notório Silas Malafaia foi quem mais vociferou. Bolsonaro retrucou dizendo que a opção pelo nome patrocinado pelo Progressistas de Ciro Nogueira e Arthur Lira, próceres do Centrão, era “crucial” para a estabilidade de seu governo.
Agora, na iminência de preencher a segunda vaga no STF no presente mandato, os papéis se inverteram. Cumprir a promessa feita aos pastores em 2019 passou a ser algo essencial para Bolsonaro contar com o disputado voto evangélico na busca pela reeleição. Mas, além da Bíblia, o escolhido para suceder Marco Aurélio Mello, que se aposenta em julho, terá de rezar na cartilha do acordão vigente em Brasília. O atual advogado-geral da União, André Mendonça, é o franco favorito por representar a “dupla fidelidade” que Bolsonaro espera do futuro integrante da corte – a defesa de valores religiosos e a defesa dos interesses próprios do bolsonarismo.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, André Mendonça já demonstrou devoção às duas causas tanto como advogado-geral, cargo a partir do qual defendeu enfaticamente a abertura de templos religiosos durante a pandemia, quanto como ministro da Justiça e Segurança Pública, quando determinou a abertura de inquéritos pela Polícia Federal contra críticos do presidente, com base na Lei de Segurança Nacional. É por essas credencias que Mendonça é o nome preferido do próprio presidente e também da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que já frequentou os cultos dirigidos por ele em uma igreja em Brasília. O ministro também conta com a simpatia dos mais influentes políticos e líderes evangélicos.
O lobby por um ministro evangélico é reforçado pela Igreja Universal, aliada de Bolsonaro que chegou a colocar o nome do deputado e bispo licenciado Marcos Pereira, formado em direito, como opção. Hoje, Pereira, que é presidente do Republicanos, o partido da Universal, também tem defendido o nome de André Mendonça.
Políticos evangélicos afirmam que colocar um dos seus em uma cadeira do Supremo é extremamente importante para garantir a defesa das pautas das igrejas que costumam desaguar com frequência na corte. Entre os casos que eles costumam mencionar, está o julgamento ocorrido em abril do ano passado no qual o tribunal considerou inconstitucional, por unanimidade, uma lei da cidade goiana de Novo Gama que proibia a discussão de gênero nas escolas era inconstitucional. Em seu voto, que foi acompanhado pelos demais ministros, o relator Alexandre de Moraes afirmou que o veto municipal à chamada “ideologia de gênero”, amplamente combatida pelas correntes evangélicas, era uma forma de “censura” que contribuía para a “manutenção da discriminação com base na orientação sexual”.
Em um caso mais recente, em abril deste ano, os evangélicos sofreram outra derrota no STF, quando o plenário rejeitou, por 9 votos a 2, um pedido do PSD para derrubar um decreto estadual de São Paulo que proibiu cultos e missas presenciais em templos religiosos para tentar conter a propagação do coronavírus. Foi nesse julgamento, aliás, que André Mendonça conquistou de vez o apoio evangélico para sua indicação ao defender efusivamente, como advogado-geral da União, a reabertura das igrejas.
Além do perfil religioso, que virou um compromisso crucial para seu projeto eleitoral, Bolsonaro já deixou claro que a amizade continua sendo um critério importante na escolha do indicado. “Primeiro pré-requisito: tem que ser evangélico, ‘terrivelmente evangélico’. Segundo pré-requisito: tem que tomar tubaína comigo, pô”, disse o presidente, ao comentar a sucessão de Marco Aurélio. O critério da tubaína foi usado, segundo o próprio presidente, para a escolha de Kassio Marques, então desembargador federal apadrinhado pelo Centrão e apoiado pelo senador Flávio Bolsonaro, seu filho 01, com uma mãozinha do notório Frederick Wassef.
Defensores do nome de André Mendonça afirmam, nos bastidores, que o advogado-geral da União será mais fiel a Bolsonaro no Supremo do que qualquer outro quadro evangélico egresso do Judiciário e citam como exemplos os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que ocuparam a cadeira de advogado-geral da União nos governos do PSDB e do PT, respectivamente, antes de serem indicados para o STF. Por outro lado, o vínculo estreito de Mendonça com Bolsonaro tem gerado forte rejeição ao seu nome dentro do Senado, onde a nomeação para o Supremo precisa ser aprovada em plenário por ao menos 41 dos 81 senadores.
Em busca de apoio, o favorito do presidente para a vaga iniciou o tradicional périplo pelos gabinetes antes mesmo da confirmação de sua indicação. O primeiro a ser visitado, no início de maio, foi Nelsinho Trad, líder do PSD, partido cuja bancada soma onze parlamentares, a segunda maior da casa. “Foi uma visita de apresentação, em que ele apresentou o currículo de forma muito humilde. Fiquei com uma impressão melhor do que quando ele entrou”, disse Trad. Álvaro Dias, líder do Podemos, que tem nove senadores, também recebeu a visita de Mendonça nas últimas semanas. A operação beija-mãos mira até votos do grupo de senadores próximos a Renan Calheiros, que virou um dos principais alvos da militância bolsonarista por sua atuação como relator da CPI da Covid. Nessa frente, Mendonça passou a contar com a ajuda de Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União que é ligado ao senador alagoano. Atendendo a um pedido de Dias Toffoli, maior entusiasta da indicação de Mendonça ao STF, Dantas busca convencer Renan a não criar obstáculos caso se confirme a indicação do atual advogado-geral da União.
Esse, aliás, é um argumento também utilizado por Flávio Bolsonaro para tentar convencer o pai a escolher o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, fiel da Igreja Adventista. Nome mais palatável ao Centrão e até à oposição por apresentar como cartão de visitas duas investigações abertas no STJ contra procuradores da Lava Jato, Martins segue esperançoso. O ministro alagoano caiu nas graças de Flávio por causa da amizade que o filho 01 de Bolsonaro tem com seu filho, o advogado Eduardo Martins. Pesa contra ele, porém, o fato de ter chegado a Brasília pelas mãos de Renan Calheiros.
Embora a indicação de André Mendonça esteja cada vez mais cristalizada, o plano de Bolsonaro, segundo uma fonte que participa das articulações, é anunciar o nome apenas em agosto, depois do recesso do Judiciário. O presidente acolheu um pedido do presidente do STF, Luiz Fux, para aguardar Marco Aurélio formalizar sua aposentadoria. Em paralelo, o adiamento do anúncio contribui para que o nome do escolhido não fique tanto tempo exposto a críticas. Esse é o quadro de momento. Mas, como alertam até os aliados mais próximos do presidente, em se tratando de Jair Bolsonaro tudo pode mudar na undécima hora.
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