Carlos Fernandodos santos lima

Ou o Brasil mata a corrupção, ou a corrupção mata o Brasil

25.06.21

Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação”, afirmou Jair Bolsonaro, em outubro de 2020, confessando-se orgulhoso assassino da investigação iniciada em 2014, mas também se assoberbando de que em seu governo não havia corrupção. Se a primeira afirmação é parcialmente verdade, pois o presidente foi mais um da turba de políticos e seus representantes na imprensa que promoveram o linchamento público do combate à corrupção, a segunda é completamente mentirosa.

Vejam o último escândalo! O que você pensaria de um governo que compra um bem por um preço final muito superior, mas muito, ao valor inicialmente anunciado pelo vendedor? Com minha experiência de quase 30 anos investigando e processando corruptos, posso afirmar que, isoladamente, já se trata de um sério indício de corrupção. E isso aconteceu agora, no “autoproclamado” incorruptível governo Bolsonaro.

Vamos aos fatos, depois de desdenhar dezenas de contatos da farmacêutica Pfizer durante o ano de 2020 para a aquisição de milhões de doses de vacina, o governo, por ordem pessoal de Bolsonaro, mesmo após ter sido o presidente alertado pelo irmão do deputado federal Luis Miranda — servidor do Ministério da Saúde — e pelo próprio parlamentar de que havia “um esquema de corrupção pesado na aquisição das vacinas (Covaxin) dentro do Ministério da Saúde”, fechou contrato de 1,6 bilhão de reais para aquisição desse imunizante, produzido pela empresa indiana Bharat Biotech, por 15 dólares a dose, apesar de documentos do próprio governo indicarem que o preço estimado seria de apenas 1,34 dólar a dose.

Dessa maneira, a Covaxin se tornou a mais cara vacina adquirida pelo atual governo. E essa compra se deu mesmo com sérias dúvidas de confiabilidade da fabricante, a Bharat Biotech, pois em março deste ano a Anvisa chegou a indeferir a Certificação de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos desse laboratório. Vejam que a vacina da Pfizer, tecnologicamente mais avançada, foi adquirida por 10 dólares a dose, o mesmo valor pago pela dose da vacina da Janssen, braço farmacêutico da gigante Johnson & Johnson, que ainda tinha a vantagem de imunizar em dose única.

Mas ainda há outros indícios sérios de corrupção, pois a Covaxin foi a única das vacinas compradas através de intermediário, a Precisa Medicamentos, em um rápido entendimento com o governo, enquanto todas as demais tiveram que enfrentar difíceis negociações diretas com os fabricantes. É como se o governo desdenhasse comprar um veículo Mercedes zero quilômetro direto do fabricante para adquirir um veículo genérico chinês de uma revendedora desconhecida pelo dobro do preço. Alguma coisa errada existe; se não for corrupção, será ao menos improbidade administrativa. Aliás, começa a ficar claro o motivo pelo qual bolsonaristas e lulistas votaram para destruir parte da Lei de Improbidade Administrativa que punia essas “estranhas” transações.

É preciso investigar tudo isso a fundo, tanto na esfera cível quanto na criminal, especialmente a conduta do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello, mas também do próprio presidente Jair Bolsonaro, sabedor de indícios de corrupção, mas ainda assim envolvido diretamente na negociação e decisão de compra da Covaxin. Além disso, há outros conhecidos articuladores dessa transação de que devem ser profundamente investigados, como o deputado federal Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde de Lula e atual líder do governo na Câmara dos Deputados, defensor dentro do governo da compra das vacinas Sputnik V e Covaxin e que em fevereiro deste ano ameaçou “enquadrar” a Anvisa por entender que esse órgão estava dificultando a aprovação de vacinas que não tivessem a fase 3 de testes realizada também no Brasil – o que, aliás, é o caso da Covaxin.

O escândalo da Covaxin não é o primeiro, nem mesmo o único, do atual governo. Antes de tudo, mesmo não fazendo parte formal do governo, o fato de seus filhos estarem envolvidos em investigações de crime de peculato pela apropriação de parte dos vencimentos de servidores de seus gabinetes – o escândalo da rachadinha – já indicava no começo deste governo que a honestidade não era exatamente um valor familiar.

Entretanto, a operação deflagrada pela Polícia Federal em relação à liberação indevida de madeira apreendida, cujo principal suspeito é o próprio ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, revelou que a corrupção não é só aquela tradicionalmente ligada ao Centrão, grupo de parlamentares que se vende para o governo de plantão, mas estava na antessala do presidente, pois Ricardo Salles era ministro da confiança pessoal de Jair Bolsonaro.

Fica claro que a arrogância de Bolsonaro ao dizer que em seu governo não havia corrupção era apenas mais uma daquelas mentiras que os políticos contam. Mais ou menos como a gaiatice de Lula ao se chamar de alma mais honesta do Brasil. Dois mentirosos que se merecem. A questão realmente importante a se observar agora é como será investigado esse escândalo, já que as instituições responsáveis por procurar provas e esquadrinhar condutas, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal, estão aparelhadas ou sob intervenção direta do próprio presidente.

Não creio, assim, que Augusto Aras tenha independência, conhecimento técnico ou sequer vontade de investigar o presidente da República, seus ex-ministros ou parlamentares sobre esses ou quaisquer outros fatos suspeitos. Gostaria de ver, por exemplo, se a subprocuradora Lindôra Araújo terá a mesma gana investigativa que teve contra os governadores e prefeitos adversários de Bolsonaro. Não acredito nisso, pois, “de onde menos se espera, é que não saí nada mesmo”.

Da mesma forma, não creio que seja possível contar muito com a Polícia Federal, ainda um bastião de resistência institucional, pois, apesar da denúncia do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre o desejo de Jair Bolsonaro de controlá-la – inquérito parado, como sempre, no STF –, essa corporação também vem sendo paulatinamente aparelhada. Nesta semana tivemos mais um fato revelador desse lento processo de controle, com a perda de posição de chefia do delegado que conduziu as operações de busca e apreensão na investigação envolvendo Ricardo Salles no Distrito Federal. Lembrando que há dois meses o superintendente da PF no Amazonas também já tinha sido afastado do cargo, após enviar notícia-crime contra o ministro por ele supostamente interferir em uma operação policial.

Estamos caminhando, é necessário dizer, para nos transformarmos num país sem lei; pelo menos não uma lei que valha para os políticos e seus interesses, essa cleptocracia hoje representada tanto por Jair Bolsonaro, quanto por Lula, mas que se fôssemos nominar todos seus representantes precisaríamos de uma antiga lista telefônica. Alguns deles, inclusive, estão hoje conduzindo a CPI da Covid, pretendendo apenas sangrar Jair Bolsonaro até a próxima eleição, mas não realmente apontar qualquer solução para o problema.

Corrupção mata! Corrupção tira de nossos filhos e netos o futuro! Não se pode relativizar essa afirmação. A corrupção que mata está tanto em deixar de construir hospitais para poder desviar recursos em obras para a Copa do Mundo e Olimpíadas, quanto em comprar vacinas superfaturadas ou medicamentos ineficazes. Como disse recentemente o General Paulo Chagas, o “Centrão, hoje no controle geral da gestão pública, está a aprovar o salvo conduto para roubar. Parabéns! Nem no governo de Lula, o Ali Babá, eles foram tão longe!”. Eu acrescentaria apenas que a corrupção mais uma vez governa o país de dentro do Palácio do Planalto.

É preciso construir uma saída para tudo o que está acontecendo, pois a própria democracia está ameaçada. E a democracia brasileira está ameaçada não somente pelo presidente e seus aloprados seguidores, mas também pelo conformismo maniqueísta que aceita a corrupção do passado como alternativa ao fascismo do atual governo. É preciso resgatar as instituições, o respeito à República, que significa simplesmente o dinheiro de nosso suor transformado em impostos pagos, e o estado democrático de direito, que não se confunde jamais com a impunidade de poderosos. Não há outra forma!

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