A saúde do presidente
Os soluços persistentes, que interrompiam lives e discursos, e os repetidos episódios de mal-estar registrados nas últimas semanas acenderam no governo e na família do presidente a luz amarela sobre o estado de saúde de Jair Bolsonaro no início da semana. E com razão: quase três anos depois de ser vítima de uma facada no abdômen, durante a campanha eleitoral de 2018, o presidente acabou sendo internado por complicações decorrentes do episódio na manhã de quarta-feira, 14, no Hospital das Forças Armadas, o HFA, na capital federal. No fim da tarde, com o agravamento de um quadro de obstrução intestinal, ele teve que ser transferido de Brasília para São Paulo. Ainda que seu estado tenha melhorado bastante na quinta-feira, 15, o presidente seguirá internado sem previsão de alta, em meio a dúvidas sobre quem poderá substituí-lo na Presidência, em caso de necessidade de uma licença ao menos até segunda-feira, 19, que é quando o vice-presidente Hamilton Mourão retorna de Luanda, na África, onde participa de um encontro de chefes de Estado e de governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A notícia sobre a internação de Jair Bolsonaro começou a circular em Brasília nas primeiras horas de quarta-feira, 14, depois que um encontro entre os chefes dos três Poderes foi desmarcado. Diante dos rumores, a Secretaria Especial de Comunicação divulgou uma nota sucinta, na qual confirmou a internação do presidente em Brasília para investigar as causas do soluço. “Ele está animado e passa bem”, dizia a nota. Informações desencontradas divulgadas nas horas seguintes geraram apreensão no meio político. O cirurgião gástrico Antônio Luiz Macedo, que acompanha o presidente desde a facada, voou às pressas de São Paulo para a capital federal, a fim de ajudar a fechar o diagnóstico. Após a chegada do especialista, a Secom anunciou a transferência de Bolsonaro para o Hospital Vila Nova Star, na zona sul paulistana, para avaliação da necessidade de uma nova cirurgia.
A obstrução é provável consequência das quatro cirurgias que Bolsonaro teve de fazer no intestino após a facada. Com tantas intervenções nessa região do corpo, as membranas que revestem as paredes do intestino podem ter inflamado. Quando isso acontece, elas ficam grudentas e podem se colar umas às outras, interrompendo o fluxo do alimento. Um aumento de volume do intestino pode ter irritado o diafragma, o músculo que comanda a respiração e está na origem dos soluços. A obstrução também provocou dores abdominais e acusou acúmulo de líquido no estômago, que foi drenado por uma sonda.
Pouco depois da internação, ainda em Brasília, o presidente usou as redes sociais para fustigar adversários políticos. A postagem foi acompanhada de uma foto deitado em uma cama hospitalar, apenas de bermuda, com os fios dos aparelhos de monitoramento colocados no peito à mostra. “Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia”, escreveu.
Apesar da situação delicada, qualquer observador minimamente atento é capaz de perceber que o entourage de Bolsonaro tentou capitalizar politicamente com a vulnerabilidade física do presidente. O quadro de obstrução intestinal foi diagnosticado em um momento de extrema pressão sobre o chefe do Planalto – talvez a fase mais delicada em seus 30 meses de governo. A CPI da Covid avança em ritmo acelerado sobre esquemas de fraude no Ministério da Saúde e a pecha de corrupto começa a aderir ao governo. A popularidade do presidente da República está em queda livre, enquanto as intenções de voto de seu arquirrival Lula se ampliam. A internação e a consequente saída de cena de Jair Bolsonaro, portanto, foram encaradas por setores do bolsonarismo como uma oportunidade de armistício. Coincidência ou não, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu adiar o debate sobre a apresentação do pedido de impeachment, previsto para o dia 20 de julho.
A questão, no entanto, é controversa. A Constituição estabelece que o presidente da Câmara é o primeiro da linha sucessória depois do vice-presidente da República. Ocorre que Lira é alvo de uma denúncia por corrupção que já foi recebida pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2016, o STF estabeleceu que réus podem ocupar o comando da Câmara e do Senado, mas ficam proibidos de assumir a Presidência da República nos casos de ausência do chefe do Executivo e do vice. A jurisprudência foi definida durante um debate sobre a situação de Renan Calheiros, àquela época no comando do Senado e recém-transformado em réu pela acusação de desvio de recursos da verba de gabinete.
Em 2019, a 1ª Turma do STF acolheu a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Lira, que é acusado do recebimento de 106 mil reais em propina. A defesa do deputado apresentou recurso. Quando já havia maioria para rejeitar os embargos declaratórios e confirmar a decisão que transformou o atual presidente da Câmara em réu, o ministro Dias Toffoli pediu vista e adiou por tempo indeterminado o desfecho do processo. Se Lira tiver que se sentar na cadeira presidencial, a expectativa é de que o caso seja judicializado.
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