MarioSabino

Contra a pena de morte para Bolsonaro

16.07.21

Nesta semana, tive de defender uma piada do personagem humorístico Agamenon, publicada em O Antagonista, sobre a facada desferida por Adélio Bispo de Oliveira em Jair Bolsonaro. Na verdade, não defendi a piada. Tive de explicar que era piada. Mas defendo o direito de os cidadãos fazerem gracejo com qualquer tema. Não é porque você acha que a coisa é de mau gosto ou politicamente incorreta, que ela é passível de ser censurada ou até virar motivo para alguém o matar, como ocorreu em relação aos jornalistas do Charlie Hebdo, em 2015, que teve a sua redação massacrada por fundamentalistas islâmicos revoltados com as charges de Maomé. Coincidentemente, um dia depois de explicar que o Agamenon fizera uma piada, o presidente da República foi internado com uma obstrução intestinal decorrente do atentado perpetrado contra ele. Ruim para a piada, é evidente, mas eu encerro meu caso aqui e passo a outro assunto.

O assunto é o desejo de que alguém morra. Não estou falando de pessoas em estado terminal, para as quais se anseia que a morte venha logo, a fim de lhes abreviar o sofrimento. Nesses casos, e eu já passei por isso mais de uma vez, sempre sobra o sentimento de que o se quer é interromper a própria aflição, para que, tal como um Marquês de Pombal, você possa enterrar logo o morto e cuidar dos vivos. Divago. A questão aqui é desejar a morte do próximo porque você o odeia pessoal e politicamente ou até porque que ele demonstrou ser um mal para a sociedade.

Há um nome simples para isso: vingança. É inevitável ter pensamentos vingativos extremos; perfeitamente evitável é expressá-los. Eu me choco com os comentários de quem manifesta a vontade de que Jair Bolsonaro morra. Também me chocava com quem dizia que o câncer deveria levar embora Lula e Dilma Rousseff. Acho de uma imoralidade absoluta externar o desejo pela morte de um adversário, como se os embates do dia a dia individual ou da política fossem guerras de extermínio. Já vi gente comemorar a morte de desafetos e senti um desgosto profundo pela nossa espécie. É como se não tivéssemos introjetado o que chamamos justiça.

É difícil defender o conceito de justiça em país tão feroz quanto o Brasil, onde essa ferocidade se manifesta em todos os planos, inclusive nos tribunais, mas é na savana que ela se torna mais necessária, ou todos acabamos nos devorando uns aos outros. Eu diria que o limite entre externar o desejo pela morte do outro e as vias de fato é mais tênue do que se imagina. Explico: é como se o desaparecimento do oponente, por obra de doença, acidente ou atentado, fosse o cumprimento de uma pena capital imposta por nossa vontade individual.

Não há justiça na pessoalidade, mas somente vingança. É por isso também que sou contra a pena de morte imposta por juízes. A eles lhes foi conferido o dever de fazer justiça, não o de justiçar em nome da vítima do crime. E quanto aos monstros?, talvez você me pergunte. Respondo que, se justiçamos monstros, nos igualamos a eles, e de maneira cínica, porque cremos estar fazendo o bem enquanto perpetramos o mal. Tirar a vida de um ser humano é sempre o mal absoluto, a não ser por indiscutível legítima defesa. Os corredores da morte são apenas mais assépticos do que os cenários habituais dos assassinatos. Do ponto de vista punitivo, a privação de liberdade — essa tremenda invenção humana — é bem mais eficaz do que a pena de morte. Escreveu o ex-ministro da Justiça da França Robert Badinter, em Contre la Peine de Mort (Contra a Pena de Morte), livro que frequentou a minha cabeceira num agora longínquo e rigoroso inverno: 

“A pena de morte é uma derrota para a humanidade. Ela não protege a sociedade dos homens livres, ela a desonra. Ela faz sua a prática do assassino, assassinando no seu lugar. Ela cai na armadilha secreta que lhe estende o crime. Aquela de verter sangue chamando-o de castigo. Pela execução, o ato do criminoso se torna o da justiça. O homem, como se sabe, é um animal que mata. Não para garantir a sua subsistência, mas porque a consciência e o domínio de si são, em determinados seres e em certos momentos, impotentes para deter a pulsão de morte. Sacrilégio contra a vida, a pena de morte também é inútil. Jamais, em lugar algum, ela reduziu a criminalidade sangrenta. Reação, e não dissuasão, ela é a expressão legalizada do instinto de morte. Ela nos rebaixa sem nos proteger. Ela é vingança, não justiça.”

O meu choque com quem expressa o desejo pela morte de alguém e com quem se regozija com o desaparecimento físico de um adversário está no mesmo âmbito do meu estarrecimento com a pena de morte. O âmbito é o da civilização.

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