O poderoso Max
Na próxima semana, deverá sentar-se diante dos integrantes da CPI da Covid o empresário e lobista Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, a empresa que faturaria algumas dezenas de milhões de reais intermediando a venda de doses superfaturadas da vacina indiana Covaxin para o Ministério da Saúde. O depoimento de Max, como o lobista é conhecido, está agendado para quinta-feira, 19. Nas duas oportunidades anteriores em que os senadores tentaram ouvi-lo, ele se esquivou. A última foi na semana passada, quando alegou que estava em quarentena porque havia acabado de retornar de uma viagem à Índia. O empresário está no epicentro das investigações desde o instante em que o deputado Luis Miranda, um ex-integrante da bancada bolsonarista no Congresso Nacional, denunciou que funcionários do ministério estavam sob pressão para aprovar a toque de caixa não apenas o contrato da Covaxin, como também uma estranha antecipação de pagamento por intermédio de uma empresa com sede em Singapura. Miranda revelou ter levado as suspeitas ao conhecimento do presidente da República, que, segundo ele, apontou o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros, como um dos personagens por trás da trama.
Max é um velho conhecido do submundo brasiliense. Ainda na era petista, esteve metido em desvios em fundos de pensão. Um traço comum de seus negócios é que eles, quase sempre, são produto do impressionante talento para se aproximar de políticos influentes. O empresário é do tipo que não liga para ideologias ou coloração partidária. O que importa é o resultado. Tanto é assim que, nas rumorosas histórias em que apareceu nos últimos tempos, há de tudo um pouco – de petistas a bolsonaristas, passando por gente do Centrão. Mais recentemente, Max contou até com a ajuda do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente, para tentar obter um financiamento no BNDES. Flávio chegou ao ponto de acompanhar o empresário em uma reunião com o presidente do banco, Gustavo Montezano. Documentos em poder da CPI revelam a complexidade dos negócios de Max. Em torno dele, há uma intrincada teia de transações financeiras que, nos últimos anos, alcançaram cifras astronômicas — para se ter uma ideia, três das onze empresas registradas em seu nome movimentaram, nos últimos anos, nada menos que 68 milhões de reais apenas em operações consideradas atípicas pelo Coaf. Tudo junto e misturado, o gigantismo dos negócios de Max à sombra do poder e sua vistosa carteira de relacionamentos políticos ilustram bem a importância do personagem para as investigações. E explicam, de certa forma, por que até agora ele conseguiu escapar da CPI sem maiores danos.
Com Ricardo Barros, as conexões de Max chegaram às barras da Justiça. Os dois respondem, juntos, a uma ação movida pelo Ministério Público Federal, em razão de uma venda de medicamentos que a Global Saúde, uma das empresas das quais Max é sócio, fez ao Ministério da Saúde. Na ocasião, Barros era o ministro. A Global assinou o contrato, recebeu 20 milhões de reais como pagamento, mas não entregou os remédios. A mecânica adotada naquela oportunidade é parecida com a que a Precisa Medicamentos tentou adotar agora no negócio da Covaxin – teve até pagamento antecipado. As ligações com o líder do governo vão mais além. Como Crusoé revelou, pouco depois de levar ao conhecimento de Jair Bolsonaro as suspeitas em torno do contrato da Covaxin, o deputado Luis Miranda ouviu de um lobista ligado a Ricardo Barros uma proposta indecente. Se parasse de atravancar o negócio, o parlamentar participaria do rateio: levaria 6 centavos de dólar por cada dose da vacina que o ministério comprasse. A oferta foi feita após uma reunião na casa do lobista que tinha contado com a participação do próprio Barros. Após a história vir à tona, senadores da CPI receberam relatos de que a mesma casa, no Lago Sul de Brasília, era frequentada pelo próprio Max.
No acidentado depoimento que prestou nesta quinta-feira, 12, à CPI da Covid, Ricardo Barros negou ter “relação pessoal” com Francisco Maximiano, mas, a seu modo, tratou de defender as transações suspeitas nas quais as empresas dele estão envolvidas. O líder do governo foi o autor da emenda que abriu caminho para a importação da Covaxin. Ele modificou uma medida provisória que autoriza a importação de vacinas e medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, desde que sejam certificados por autoridades sanitárias de outros países. A mudança incluiu a Central Drugs Standard Control Organization, da Índia, na lista de agências habilitadas – o que pôs a Covaxin em condições de ser vendida ao Ministério da Saúde. À CPI, Barros negou que o seu objetivo fosse favorecer a Precisa. “Ninguém ligado a esta empresa ou a este laboratório da Covaxin me procurou nesse período. Não tive nenhum contato com nenhuma das pessoas envolvidas nisso”, afirmou. O depoimento acabou interrompido depois que Barros, ouvido na condição de convidado, passou a atacar o trabalho da comissão. A CPI agora quer convocá-lo, desta vez como investigado.
Ainda há muito a ser esclarecido no contrato assinado pela Precisa com o Ministério da Saúde para o fornecimento da Covaxin. Primeiro porque a negociação se deu em tempo recorde – o tratamento dispensado à empresa de Max foi muito diferente daquele dado a outros fornecedores de vacinas, como a Pfizer. Depois, porque as condições do negócio são especialíssimas. O governo pagaria 15 dólares por cada dose da indiana Covaxin – para se ter uma ideia, no contrato que o ministério fecharia mais tarde com a Pfizer, uma dose da vacina do laboratório americano sairia por 10 dólares. O interesse do governo brasileiro pelo imunizante indiano foi despertado a partir do momento em que a Precisa, de Max, se apresentou como intermediária do laboratório Bharat Biotech, produtor da vacina. De partida, a empresa impôs uma exigência incomum: pediu que o equivalente a 220 milhões de reais fossem pagos pelo ministério antes mesmo da primeira dose chegar ao Brasil. Era justamente essa parte do valor negociado que deveria ser transferida para uma empresa registrada em Singapura – a CPI suspeita que os 220 milhões seriam referentes à comissão a que a Precisa teria direito pela intermediação. A desconfiança, um tanto óbvia, é que dessa fatia do pagamento sairiam também comissões para políticos envolvidos na empreitada. Ao todo, o contrato firmado pela Precisa com o ministério era de 1,6 bilhão de reais. A transação acabou suspensa pelo governo depois que as suspeitas vieram a público. Por não ter tomado providências logo após ter sido informado por Luis Miranda sobre as suspeitas em torno do contrato, Jair Bolsonaro passou a ser investigado pelo STF pelo crime de prevaricação – quando uma autoridade ou servidor público deixa de agir ao tomar conhecimento de uma irregularidade.
Bem antes de virar personagem do escândalo das vacinas, Max já havia entrado na mira da Polícia Federal em razão de sua atuação em fundos de pensão como o Postalis, dos funcionários dos Correios. O fundo fez aportes milionários na Global Saúde, uma das principais firmas do empresário. Em mais uma evidência eloquente de como os negócios de Max se misturam e envolvem figuras dos mais variados espectros da política, após receber o dinheiro do Postalis, a Global repassou 9 milhões de reais ao lobista Milton Lyra, apontado pela Lava Jato como operador do senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid. A PF suspeita que o dinheiro tenha sido transferido, na sequência, para políticos que ajudaram a aproximar a Global do Postalis. Indagado sobre a conexão durante a entrevista que concedeu na última segunda-feira, 9, ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Renan Calheiros negou ter relação com a trama. “Eu não tenho operador”, afirmou. Até esta semana, a CPI não havia quebrado os sigilos da Global.
Na mesma investigação envolvendo fundos de pensão, o ex-vereador petista e lobista Alexandre Romano, que chegou a ser preso, fez um acordo de delação premiada no qual detalhou o modus operandi de Max. Chambinho, como Romano era chamado pelos mais íntimos, disse ter aproximado o empresário de dirigentes dos Correios que, depois, facilitaram os negócios da Global na estatal. O delator menciona, por exemplo, um “vale-medicamento” oferecido pela empresa de Max aos funcionários dos Correios. Negócio feito, contou Chambinho, o empresário se encarregou de distribuir propinas aos dirigentes que lhe facilitaram a vida. O dinheiro, segundo o relato, era repassado por meio de transferências bancárias. Outra parte era entregue em espécie, acondicionada em mochilas. Chambinho também foi agraciado por sua participação no negócio. Ele diz que recebeu de Max, como pagamento, um apartamento em um hotel localizado em uma região privilegiada de Brasília, perto da Esplanada dos Ministérios. O imóvel, até então, estava em nome da secretária de Francisco Maximiano. Pelo flat, segundo o delator, passaram várias das bolsas de propina que Max destinava a seus parceiros brasilienses.
Nas últimas semanas, a CPI da Covid aprovou a ampliação da quebra de sigilo bancário de duas das empresas de Max. Não significa, porém, que a investigação será acelerada. Até que os documentos cheguem à comissão, pode ser que o lobista já tenha conseguido, de novo, sair de cena. Para o alívio dos políticos de primeira grandeza com os quais ele mantém relações.
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