Adriano Machado/CrusoéCiro com Bolsonaro: para os defensores do jogo, a hora de avançar é agora

A jogatina avança

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, é um dos artífices da coalizão que tenta legalizar cassinos no país. Depois de anos de tentativas, o plano finalmente deve vingar – e com o apoio do governo
27.08.21

Faz quase oito anos que Ciro Nogueira esteve em Las Vegas, nos Estados Unidos, visitando as instalações da maior rede de cassinos do mundo. O então senador pelo Piauí integrava uma comitiva de parlamentares brasileiros engajados na legalização dos jogos de azar no país. O grupo ouviu da boca do empresário Sheldon Adelson, dono do conglomerado, que ele estaria disposto a investir alguns bilhões de dólares no Brasil, caso a proibição em vigor por aqui desde1946 fosse derrubada. Ciro voltou empolgado com a ideia e, pouco depois, assinou um projeto prevendo a liberação de praticamente todo tipo de jogatina, de jogo do bicho a casas de bingo — incluindo os resorts com cassinos, como queria o magnata americano, morto no início deste ano.

A proposta do agora ministro-chefe da Casa Civil não resistiu aos ataques da bancada evangélica, historicamente contrária à ideia, e acabou arquivada. O cenário começou a mudar no início do atual governo, com a expectativa de que a devoção do presidente Jair Bolsonaro ao colega americano Donald Trump, dono de cassino e financiado por Sheldon Adelson na campanha, pudesse vencer as resistências. O projeto de Ciro foi desarquivado, mas pouco avançou desde então. Agora, com a chegada do cacique do Centrão ao coração do governo de Jair Bolsonaro, o lobby ganhou força e a bancada dos jogos no Congresso aposta todas as fichas de que a legalização, ao menos dos cassinos, vai finalmente sair do papel.

Defensores dos jogos dizem que o próprio presidente da República já foi convencido de que é possível aprovar a liberação dos cassinos sem perder o apoio dos evangélicos na disputa pela reeleição no ano que vem. Entre os conselheiros ouvidos pelo chefe do Planalto, está seu filho 01, o senador Flávio Bolsonaro, que também visitou o império do magnata dos cassinos,  em janeiro de 2020, em “missão oficial” a Las Vegas, juntamente com o atual ministro do Turismo, Gilson Machado, e outros parlamentares. Na campanha de 2018, Bolsonaro chegou a dizer que cassino no Brasil “serviria para lavar dinheiro” e “destruir famílias”, reproduzindo o discurso das lideranças religiosas.

ReproduçãoReproduçãoFlávio Bolsonaro participou até de “missão oficial” a Las Vegas
Aliados do governo acreditam que o momento é extremamente favorável ao libera-geral. A crise econômica provocada pela pandemia fortalece os principais argumentos usados por quem defende a legalização dos jogos: a atração de investimentos estrangeiros, a geração de empregos e o aumento da receita com impostos sobre atividades que nunca deixarem de existir na clandestinidade. “Já passou da hora de acabar com esse faz de conta e de o Brasil parar de exportar jogador. A gente deixa de arrecadar bilhões por causa disso e os brasileiros vão gastar lá fora”, diz o deputado João Bacelar, do PL da Bahia, que defende a liberação de todas as modalidades de jogatina.

Outro ponto central explorado na defesa da legalização dos jogos é o fomento ao turismo de estrangeiros, que atrai em torno de seis milhões de pessoas ao ano, número inferior ao de visitantes anuais da Torre Eiffel, em Paris. Nesse caso, o atrativo seriam os chamados “resorts integrados”, grandes hotéis de luxo com cassinos e casa de espetáculos que seriam construídos nos principais pontos turísticos do país. Segundo o deputado Marcelo Álvaro Antônio, do PSL de Minas Gerais, esse modelo já é aceito por parlamentares católicos e evangélicos que são avessos à legalização dos jogos de azar. Quando foi ministro do Turismo de Bolsonaro, Álvaro Antônio elaborou um projeto que prevê a criação um grande perímetro batizado de “área de interesse turístico” no Nordeste, onde poderiam funcionar até doze resorts com cassino, por meio de concessão pública. “Estamos falando de mais de 20 bilhões de dólares”, defende. Hoje, a proposta considerada mais promissora na bancada da jogatina é a do senador Irajá Silvestre, do PSD de Tocantins, que começou a tramitar há duas semanas e prevê um resort com cassino em cada estado do país por um período de dez anos. “Não seria justo deixar tudo concentrado no Nordeste”, diz o senador.

Stux/PixabayStux/PixabayO aumento do turismo e da arrecadação está entre os argumentos pró-jogo
Reservadamente, congressistas evangélicos ouvidos por Crusoé admitem uma espécie de cessar-fogo contra um projeto mais restritivo, que só liberaria grandes e poucos cassinos. Em público, contudo, as críticas continuam. “A abertura de cassinos não é solução para nada. Como o próprio nome diz: jogo de azar é jogo de azar. Qualquer proposta envolvendo legalização dos jogos, eu voto contra porque na minha base isso é repudiável”, torpedeia o deputado Gilberto Nascimento, do PSC de São Paulo. “Jogo de azar é igual aborto, não tem negociação. É o mesmo princípio. Quando o assunto voltar à baila de novo, vamos colocar a artilharia em cima”, diz o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus e o mais eloquente apoiador evangélico do presidente da República.

Embora a conjuntura esteja “extremamente favorável”, como repetem os governistas, Ciro Nogueira precisará de muita habilidade política para conseguir conciliar os inúmeros lobbies envolvendo os jogos e o desgaste político da liberação. Dentro da bancada da jogatina, a pressão é para legalizar tudo de uma vez, o que daria uma espécie de salvo-conduto até mesmo aos bicheiros que hoje agem nas sombras, como contraventores. O presidente da Câmara, Arthur Lira, defende essa autorização mais ampla, abarcando jogo do bicho e casas de bingo. É uma causa antiga da família. O pai dele, o ex-senador Benedito de Lira, apresentou uma emenda ao projeto de Ciro Nogueira, incluindo no pacote da legalização as máquinas caça-níquel. Os defensores da jogatina têm pressa. O plano é fazer o assunto avançar ainda neste ano. O Centrão nunca esteve tão à vontade para tirar da gaveta seus velhos – e polpudos – planos.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO