O golpe do Sete
Não é surpresa para mais ninguém que o Sete de Setembro bolsonarista será marcado por protestos de natureza golpista e pela defesa de bandeiras autoritárias. Nos últimos dias, movimentos em favor de Jair Bolsonaro, estimulados por uma série de declarações públicas do próprio presidente, atuaram para levar às ruas o maior número possível de pessoas no feriado da Independência. Nos manuais produzidos para embalar a preparação dos ativistas são indicadas as pautas antidemocráticas mais do que conhecidas do bolsonarismo, como a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal e questionamentos sobre a higidez do sistema eleitoral. Diante das convocações do presidente e de seus apoiadores, a expectativa é a de que as manifestações sejam mais robustas do que outras. Há dúvidas quanto ao discurso que será entoado pelo próprio presidente. Entre auxiliares no Palácio do Planalto, há o temor de que os pronunciamentos de Bolsonaro – previstos para acontecer primeiro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e depois na Avenida Paulista, em São Paulo – extrapolem o tom. Até por isso, alguns ministros têm atuado para convencê-lo da importância de fazer um discurso, digamos, mais suave.
Nada indica, porém, que o presidente moderará o tom, embora ele esteja premido por uma série de investigações que o colocam sob risco. Às voltas com uma profusão de crises que ele mesmo provocou e com sua popularidade derretendo, Bolsonaro quer aproveitar a data para tentar demonstrar força e manter o ambiente de enfrentamento institucional, deixando no ar a ameaça de golpe. Embora a ruptura não tenha o apoio da maioria da sociedade, a estratégica e calculada retórica golpista é a principal alternativa encontrada por ele para manter mobilizadas sua franja mais radical de apoiadores, praticamente a única que ainda o apoia incondicionalmente, apesar do desastre que virou o governo. Factoide, como já publicamos.
São vários os sinais de deterioração. Para além da crise sanitária, das conhecidas turbulências políticas e das investigações da CPI da Covid, que alcançam pessoalmente o presidente e seus filhos, há o risco de Bolsonaro reviver os piores momentos dos governos de PT e PSDB, com um possível colapso econômico e um cada vez mais provável apagão energético. Acuado, o presidente elevou o tom nas últimas semanas. Começou com as ameaças de que as eleições de 2022 só seriam realizadas caso fosse aprovado o voto impresso, uma proposta que acabou derrotada na Câmara. Em seguida, caprichou nas declarações que sugeriam riscos de ruptura institucional e insinuou atuar fora das quatro linhas da Constituição. A tensão aumentou quando Bolsonaro anunciou que entraria com pedidos de impeachment dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que também preside TSE. O pedido contra Moraes foi protocolado e logo depois arquivado no Senado. O de Barroso não chegou a ser formalizado.
Incorrigível, o próprio presidente não segurou a língua. Dias depois de dizer que enxerga três alternativas para o futuro – “estar preso, ser morto ou a vitória” – e falar que a manifestação será uma “oportunidade para o povo brasileiro”, Bolsonaro afirmou durante um evento no Rio de Janeiro nesta quarta-feira, 1º, que, “para se ter paz, é preciso se preparar para a guerra”. O recado foi interpretado pela militância exatamente como fora transmitido pelo presidente. A “guerra”, no caso, é contra as instituições, o STF, a imprensa e todos que eventualmente se coloquem contra a sua reeleição ou a favor de sua deposição do poder antes das eleições.
Para engrossar os atos, Bolsonaro conta com o apoio de uma de suas principais bases de sustentação hoje, os policiais militares. No início da semana, a Associação de Cabos da Polícia Militar de São Paulo, uma das maiores do país, divulgou uma nota em que defende a participação de militares e de seus familiares na manifestação, algo que vem sendo questionado pelas promotorias estaduais do Ministério Público. O envolvimento dos PMs com as bandeiras erguidas por Bolsonaro é crescente. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que a adesão de policiais a grupos bolsonaristas radicais nas redes sociais aumentou neste ano em relação a 2020. Entre janeiro e agosto, quase metade (48%) dos policiais militares brasileiros da ativa ou da reserva com perfis abertos em redes sociais interagiu com páginas de conteúdo bolsonarista – um aumento de 10 pontos percentuais em comparação com o ano passado.
Esse é o caso do sargento da PM do Rio de Janeiro Eduardo da Silva Marques Junior, que exibiu para os seus 162 mil seguidores no Facebook uma imagem em que aparece ao lado do presidente. “Soldados do Povo! Guerreiros por Natureza! 7 de Setembro será um grande dia! Milhões de cidadãos de bem de todas”, escreveu. O integrante da reserva do Corpo de Bombeiros do Ceará Davi Azim foi além: pregou a invasão do STF e do Congresso Nacional no dia 7. A Crusoé, Azim defendeu que as Forças Armadas deponham os onze ministros do STF. Ele diz que vai se dirigir a Brasília na próxima terça-feira para atuar como “comandante dos bolsonaristas”.
Em São Paulo, contrariando o governador João Doria, uma liminar garantiu a movimentos de oposição ao governo a realização de uma manifestação no Vale do Anhangabaú, no centro da cidade, no Dia da Independência. O PT, para variar, se apropriou do ato e chegou a cogitar a presença de Lula. O entorno do petista, no entanto, não recomendou a participação e seu comparecimento é improvável. A despeito da separação geográfica, já que a manifestação pró-Bolsonaro será na Avenida Paulista, há risco de embates em estações de metrô e em locais definidos como ponto de encontro. Em Brasília, o temor é com a Praça dos Três Poderes, onde ficam situados o Congresso e o Supremo, alvos constantes da ira bolsonarista. O governo do Distrito Federal anunciou reforço no esquema de segurança. A ideia é adotar o mesmo plano usado em posses presidenciais, com a presença de um efetivo de mais de 5 mil policiais.
Para jogar água na fervura das manifestações, o presidente do Supremo, Luiz Fux, aproveitou a abertura da sessão desta quinta-feira, 2, para afirmar que a “liberdade de expressão não abrange violência e ameaça”. “O patrimônio coletivo, a nossa democracia, desperta um senso de responsabilidade de todos os brasileiros, que devem reafirmá-la em todos os momentos”, disse. O desenrolar do Sete de Setembro, no entanto, segue incerto, porque quem mais deveria ter noção de responsabilidade, o presidente da República, é quem mais parece gostar de agir no limite da irresponsabilidade.
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