RuyGoiaba

O ataque dos crone

24.09.21

Pensei sinceramente em pedir à chefia da Crusoé que me deixasse substituir a coluna de hoje pelo vídeo de Marcelo Queiroga, o Jair Bolsonaro de jaleco, giving the finger para os manifestantes em Nova York com Aquarela do Brasil, na versão Ray Conniff, como trilha sonora. Pouparia o meu trabalho (e o de vocês que me leem) e seria um lindo retrato do meu Brasil brasileiro. Em vez disso, começo contando a vocês uma história do mundo selvagem do jornalismo — até pensei que já tivesse contado por aqui, mas a busca na revista não retornou nada; então, apertem os cintos e venham comigo nessa viagem alucinante.

Todo mundo que já trabalhou em veículos de imprensa sabe que as seções de cartas dos leitores são o maior para-raio de maluco do Universo conhecido (e, muito provavelmente, do desconhecido também). Mas existem os “malucos setoriais”: aqueles que se especializam numa doideira mais específica e se dirigem diretamente às seções — editorias — que eles acreditam ser mais receptivas às suas obsessões. Tempos atrás, estava eu dando expediente na seção internacional de um desses grandes veículos quando o telefone tocou.

Do outro lado da linha, uma mulher não identificada começou a me passar uma descompostura por causa dos “erros absurdos da imprensa” na cobertura da recente visita de Barack Obama, o então presidente americano, ao Brasil. Antes que eu tentasse ponderar com um “veja bem”, ela continuou: como vocês não noticiaram que a CIA tem um programa para produzir clones do presidente dos EUA? O Obama que veio para cá era um clone, e vocês não deram uma linha sobre isso! E eu sei, porque eu conheço o VERDADEIRO Obama. (Posso ter perdido o maior furo de reportagem da minha vida, mas achei que seria mais prudente desligar o telefone no segundo seguinte, e foi exatamente o que fiz.)

Corta para uns dez anos depois. Na semana passada, ficamos sabendo que o Conselho Institucional do Ministério Público Federal teve de tratar — em uma reunião com nada menos que 18 procuradores — de uma “notícia de fato” sobre uma invasão da Terra por alienígenas. Transcrevo trecho da nota que O Antagonista publicou: “Um homem queria ser recebido em audiência para apresentar provas de crimes contra a segurança nacional que estariam sendo praticados por extraterrestres, com a cópia de humanos, entre os quais Jair Bolsonaro — em versões com e sem a cicatriz no abdômen causada pela facada”.

O autor da representação, doravante referido como Louco de Pedra, não só recorreu do arquivamento em várias instâncias como alegou o seguinte durante a sua “sustentação oral”: “As informações chegavam a ele por telepatia. (…) A Covid teria sido criada num acordo entre chineses e alienígenas. Os efeitos mortais da doença seriam desencadeados eletronicamente”. Ou seja: considerando que não se trata da mesma cidadã que me telefonou para advertir sobre o Obama fake (a não ser que ela tenha mudado de sexo; vai saber), tudo indica que a espécie humana enfrenta há anos um ataque dos CRONE, que essas duas boas almas — e provavelmente inúmeras outras — vêm tentando evitar, apenas para serem recebidas com o riso e o escárnio dos seus semelhantes.

(Parêntese esclarecedor: uso “ataque dos crone” em homenagem a Renato Aragão, que nos antigos esquetes dos Trapalhões levantava o tapete verde do cenário e dizia “é grama da Grobo”. Sou, inclusive, a favor de que se torne pronúncia sancionada pela norma culta do português: Grobo, crone, dibre.)

Confesso que tenho sentimentos mistos diante de uma notícia como essa. Por um lado, fico muito feliz como contribuinte por saber que o Conselho Institucional do MPF é pago por nós para deliberar sobre assuntos tão relevantes como a invasão alienígena e o acordo secreto entre chineses e extraterrestres para espalhar Covid por aí tudo; por outro lado, fico triste por não haver nenhum extraterrestre de verdade interessado em abduzir a gente e nos salvar desta cloaca que é o Bananão. Como já disse a @policiasurpresa, essa grande arroba do Twitter, talvez os ETs tenham mais o que fazer do que ficar abduzindo.

Pensando bem, é melhor os alienígenas não aparecerem mesmo: vai que eles mandam um “leve-me ao seu líder”, como nos filmes. Já chega a vergonha na Assembleia-Geral da ONU; não precisamos de um vexame intergaláctico.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Com Bolsonaro desabando nas pesquisas, enfim apareceu um marqueteiro capaz de levantar a bola para o presidente cortar, oferecendo a ele mais uma manobra diversionista para desviar a atenção das desgraças do seu governo: o nome desse marqueteiro é Guilherme Boulos. Na quinta (23), as imagens da invasão da Bolsa de São Paulo por integrantes do MTST (“é o Brasil real na Bovespa!”, escreveu o psolista) foram quase imediatamente aproveitadas por Carluxo e sua turma como exemplos de “atos democráticos” e “aglomeração do bem”. Quem precisa de um João Santana quando tem Boulos produzindo, na faixa, material para o seu horário eleitoral? Retroalimentação é o nome do jogo.

Gabriel Trevisan/Fotos PúblicasGabriel Trevisan/Fotos PúblicasGuilherme Boulos, que já está em plena campanha para eleger algum adversário

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
Mais notícias
Assine agora
TOPO