Bolsonaro e Marina, líderes nas pesquisas eleitorais sem Lula, durante entrevistas nesta semana no Jornal Nacional: ensaio geral

Começa a guerra

O início da propaganda no rádio e na TV põe à prova a velha máquina de produzir votos e a capacidade da internet de definir o resultado de uma eleição presidencial no Brasil. Conheça as armas e as estratégias dos principais candidatos ao Planalto para a campanha mais curta da história
31.08.18

Jair Bolsonaro tem quase nada de tempo de TV, mas consegue alcançar 30 milhões de pessoas a partir de um grupo de WhatsApp. O engajamento de Geraldo Alckmin na internet é baixo, mas ele tem um latifúndio no horário eleitoral gratuito. O PT, em um samba de uma nota só, quer usar todos os meios possíveis, incluindo obviamente a sua obediente militância, para fazer do desconhecido Fernando Haddad o maior herdeiro dos votos do inelegível Lula. Henrique Meirelles e Ciro Gomes vão utilizar as redes para se mostrarem como mais experientes do que os concorrentes. Marina Silva ensaia uma imagem digital mais descontraída. A disputa da mais imprevisível — e curta — campanha presidencial desde a redemocratização tem início para valer neste sábado, quando começa a propaganda no rádio e na TV dos presidenciáveis. Mais do que um embate entre eles, o eleitor verá um duelo entre formas de travar uma guerra pelo voto. Uma, mais tradicional, foi determinante para ao menos levar ao segundo turno os candidatos de todas as últimas disputas pelo Palácio do Planalto. Trata-se da televisão, capaz de fazer a mensagem chegar a 97% dos domicílios brasileiros. A outra, mais contemporânea, até foi usada nas disputas mais recentes, mas sozinha ainda não se revelou suficiente para eleger um presidente: a internet. Hoje, 121 milhões de brasileiros têm acesso a ela.

Os dois modelos de campanha serão colocados à prova neste ano, e com uma singularidade. Os líderes das pesquisas, Bolsonaro e Marina, possuem estrutura partidária minúscula e uma fatia irrisória da propaganda eleitoral na TV, o que faz com que a principal aposta de ambos seja no mundo digital. Já os donos de amplos espaços na tela grande, como Alckmin, Meirelles e Haddad, consideram-na seu maior trunfo para sair da faixa de um dígito nas pesquisas. Os candidatos ao Planalto irão ao ar na TV às terças, quintas e sábados, às 13 horas e depois às 20h30. Alckmin, o latifundiário, é por razões óbvias quem espera com maior ansiedade os resultados da superexposição. No Datafolha mais recente, divulgado na semana passada, ele apareceu em quarto lugar, com 7% das intenções de voto. É o pior desempenho de um candidato do PSDB ao Planalto no início de uma campanha em quase 30 anos. Graças às negociações com o chamado Centrão, o famoso aglomerado de partidos fisiológicos que comandam o Congresso, ele terá mais de 40% do tempo total. Serão mais de 5 minutos no início da tarde, repetindo a dose à noite. Há, ainda, as inserções que são distribuídas em pílulas ao longo da programação das emissoras, como se fossem comerciais. Serão doze por dia, de 30 segundos cada.

O tucano tem estratégias distintas para cada uma dessas frentes. A ideia, por ora, é que o horário eleitoral gratuito seja mais ameno, sirva para apresentar o candidato e seu programa de governo. Já as inserções serão mais agressivas, mas sem utilizar a imagem do próprio candidato para atacar. O alvo principal dessas peças será Jair Bolsonaro. O objetivo é roubar votos dos eleitores “mais moderados” do ex-capitão. A intensidade dos petardos obedecerá uma escala gradual. Se o tucano não decolar ao longo das primeiras semanas, os marqueteiros planejam aumentar a dose de pólvora. O cuidado tem explicação. A campanha de Alckmin ainda não está 100% segura de que partir para o ataque é a melhor opção. Teme que a agressividade acabe por prejudicar o tucano. Para medir as consequências, o comitê tucano contratou um instituto de pesquisas qualitativas para testar as peças de campanha que irão ao ar. Os vídeos e spots de rádio produzidos são exibidos para grupos de pessoas com perfil semelhante ao dos eleitores de Bolsonaro de modo que suas reações possam ser analisadas. A sondagem é feita em todas as regiões do Brasil, mas o foco está principalmente no Sul e no Sudeste, onde se concentra a maior parte do eleitorado do candidato do PSL. O tucano também deve fazer ataques ao presidente Michel Temer, de quem tenta a todo custo se distanciar, embora o PSDB ainda esteja no governo do emedebista. No material de campanha, a ideia é tentar mostrar que Temer e a ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, ainda são uma coisa só.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéAlckmin com sua vice, Ana Amélia: o tucano tem dúvidas sobre o tom dos ataques contra os adversários
Tucanos lembram bem do modelo adotado pelo PT em 2014 contra Marina Silva, quando ela ameaçou desbancar Dilma do segundo turno. Em um filmete exibido no dia 9 de setembro daquele ano, quatro engravatados sorridentes conversavam ao redor de uma mesa que logo se transformava em uma sala de jantar de uma família cujo chefe observava, triste, um prato vazio. Ao fundo, uma voz dizia que Marina daria autonomia ao Banco Central: “Os bancos assumem um poder que é do Congresso e do presidente eleitos pelo povo. Você quer dar a eles esse poder?”. A peça virou um dos símbolos daquela eleição. A partir dali começaria a derrocada de Marina, que menos de um mês antes disparara nas pesquisas de intenção de voto após a morte do cabeça de chapa, Eduardo Campos, em um acidente aéreo. Tucanos já têm separadas as frases polêmicas de Bolsonaro ao longo de sua carreira que podem ajudar a colar nele a imagem de machista, homofóbico e misógino. A ideia é explorar esse material especialmente na internet, terreno que Bolsonaro domina. Os marqueteiros de Alckmin dizem contar, para isso, com uma equipe de ao menos mil voluntários espalhados por todo o Brasil.

Com o segundo maior tempo de TV, o PT se preparou para a guerra tendo como peça central de seu arsenal a imagem do ex-presidente Lula, condenado e preso por corrupção, como grande estrela para tentar alavancar a candidatura de Fernando Haddad. Mais ou menos como foi feito com Dilma Rousseff no horário eleitoral de 2010. Naquele ano, Dilma era uma desconhecida burocrata no cargo de ministra da Casa Civil. Lula estava no auge de sua popularidade. A estratégia era óbvia: vincular um ao outro. O marqueteiro João Santana, que depois viria a ser preso na Lava Jato, comandou os vídeos que a colocaram, por exemplo, como “mãe do PAC”, o programa de obras do governo federal. Deu certo. Na primeira pesquisa após o início do horário eleitoral, a desconhecida Dilma cresceu 6 pontos. Como parte do plano desenhado para este ano, os petistas prepararam vídeos com imagens antigas de Lula ao lado de Haddad e filmetes em que o petista fala sobre o companheiro e sobre os resultados, sobretudo na área econômica, de seus governos. Os primeiros programas também foram pensados para reforçar a narrativa de que o ex-presidente é vítima de perseguição política.

Toda a estratégia petista, porém, estava em suspenso porque na tarde desta sexta-feira o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começaria a definir, em sessão extraordinária, o futuro de Lula na campanha. Os ministros decidiram, por 6 votos a 1, rejeitar o registro de candidatura de Lula (leia aqui reportagem especial sobre a sessão). Na internet, os estratagemas independem da trava da Justiça Eleitoral. Ainda que o partido tenha sido impedido de explorar a imagem de Lula como candidato, a tendência é que, informalmente, utilize milhares de perfis – os de militantes engajados voluntariamente e também os pagos — para burlar a norma. Nesta semana, a revelação de que o PT vem usando mão de obra remunerada para difundir a imagem de alguns de seus candidatos no Twitter teve consequências. Como Crusoé informou em primeira mão, o Ministério Público Eleitoral abriu investigação para apurar a prática, vedada por lei.

As armas dos candidatos

 

Seguindo o que buscou fazer nos debates já realizados, Henrique Meirelles, do MDB, detentor do terceiro maior tempo na televisão, investirá no beabá: ele pretende se apresentar ao eleitor, com nome, sobrenome e a informação de que tenta o Palácio do Planalto pela primeira vez. Segundo os cálculos da campanha emedebista, mais de 90% do eleitorado não sabe quem é Meirelles — a despeito de ele ter tido farta exposição diária na imprensa quando chefiava o Ministério da Fazenda de Michel Temer e o Banco Central de Lula. Alguns assessores do presidenciável do MDB juram que, quando ele é devidamente apresentado, a intenção de voto chega aos 20%, bem mais do que o atual 1% que ele pontua nas pesquisas. Parece exagero. No digital, a palavra de ordem da campanha de Meirelles é “segmentar”, isto é, preparar conteúdos específicos para públicos distintos. Assim, o plano de governo deve ser destrinchado de acordo com os eleitores com interesse em determinadas áreas.

As redes sociais, onde o emedebista também patina e tem baixo número de seguidores (no Facebook ele é seguido por parcos 200 mil, metade do nanico Cabo Daciolo e 27 vezes menos do que Bolsonaro), já foram previamente divididas. No Twitter, o candidato deve ser mais descontraído e opinativo. Ao contrário do Instagram, onde o intento é mostrar seu cotidiano. No Youtube, Meirelles apostará em falas alongadas e no Facebook usará gírias e tentará se mostrar “antenado” (ele acaba de completar 73 anos de idade). Pode não funcionar, mas será divertido. Apesar dos planos distintos para cada rede, haverá uma linha mestra que servirá para todas elas: limar a linguagem de político tradicional. Essa parte ficará para a TV. “A linguagem política não tem a ver com o digital. Meirelles precisa ser descolado. O centro de tudo será a ideia de que ele não trabalhou para Lula ou Temer, mas para o Brasil, e que ele não está interessado em jogar pedras, mas em dar a solução”, diz Daniel Braga, o marqueteiro digital do candidato, que comanda uma equipe de mais de 50 pessoas.

Por sua vez, o comitê de Ciro Gomes, do PDT, preparou a propaganda do candidato na televisão como se fosse uma novela. Ao fim dos capítulos, haverá uma chamada para que o telespectador não saia de onde está e continue acompanhando o desenlace da trama — mas nas redes sociais. “Bolsonaro e Marina estão à nossa frente, mas têm menos tempo de TV do que Ciro. Temos condição de fazer um bom trabalho”, diz o deputado André Figueiredo, correligionário do presidenciável. Em terceiro lugar nas pesquisas mais recentes, Ciro é dono do quarto maior tempo de televisão. Ele aparecerá menos do que Alckmin, Haddad e Meirelles, mas tem índices de intenção de voto maior do que os três oponentes. A estratégia é rebater os ataques com força — o difícil será convencer o candidato a não descambar para truculência. Ciro também vai aparecer em até 25% das inserções de aliados candidatos ao Congresso. Na ordem de prioridades do programa dele, a promessa de limpar nomes de consumidores endividados no SPC encabeça a lista. O tema deverá ser fartamente explorado pelo candidato.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéCiro vai explorar a promessa de limpar o nome dos brasileiros endividados
Na contramão de todos eles, está o candidato a ser batido: Jair Bolsonaro, do PSL. Se vencer, o ex-capitão do Exército será o primeiro grande caso de sucesso eleitoral quase que exclusivamente digital em uma campanha presidencial no Brasil. Com apenas oito segundos em cada bloco do horário eleitoral e apenas três inserções por semana, Bolsonaro aposta tudo na internet. Tanto que seu parco tempo na TV terá como um dos objetivos direcionar o eleitor para os canais do candidato nas redes. “Para a TV, não tem estratégia porque não tem nem tempo para estruturar uma. Vamos indicar o canal na internet dele e ver a capacidade de migração. Não há muito o que fazer”, disse a Crusoé o presidente do PSL, Gustavo Bebbiano. Ainda que o foco seja no digital, a legenda contratou um profissional para cuidar da TV.

Para tocar o digital, a estrutura é bem maior e pode ser dividida em duas frentes. Uma é “formal”, assim entendida por ter o dedo direto do comando da campanha. O responsável por ela é Marcos de Carvalho, da agência fluminense AM4, cujo lema é “internet de resultados”. Com serviços prestados ao setor privado, como a Vale, e ao setor público, como o Supremo Tribunal Federal e a Eletrobras, ele se aproximou da campanha ao vender a plataforma de arrecadação de recursos para o candidato. Acabou ficando. Sua principal função é fazer análises diárias sobre o que vai pelas redes para modular o discurso de Bolsonaro.

Mas é na outra frente, a “informal”, que a campanha coloca a maioria das suas fichas. Ela é formada por dezenas de milhares de militantes. Os que reúnem em torno de si amplo número de seguidores se juntaram para montar uma estratégia chamada de “contra-ataque”. Por meio de um grupo no WhatsApp que conta com 24 organizadores, a ideia é defender imediatamente o candidato dos ataques que ele deve sofrer no horário eleitoral e que, dado o seu pouco tempo de TV, não conseguirá responder na mesma proporção. O grupo então avaliará conjuntamente a pauta da defesa tão logo cada um dos blocos diurnos e noturnos do horário eleitoral terminar, a fim de elaborar o tal “contra-ataque”. Idealizada a defesa e decidido o formato, a ordem unida será divulgada. O comando da campanha bolsonarista estima que, somadas, as páginas que replicarão essas mensagens têm 12 milhões de seguidores e alcance estimado em mais de 30 milhões de pessoas. Outra estratégia é divulgar vídeos aleatórios pró-Bolsonaro enquanto o horário eleitoral estiver sendo veiculado.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéHenrique Meirelles quer se mostrar “descolado” nas redes
Com apenas 21 segundos em cada bloco da propaganda e 29 inserções de 30 segundos ao longo de toda a campanha, Marina Silva, da Rede, pretende usar a propaganda de TV apenas para se apresentar e, a exemplo de Bolsonaro, chamar os eleitores para lives nas redes sociais, nas quais detalhará suas propostas. Lá estarão, por exemplo, seus programas de governo. Mas ninguém na campanha esconde que o principal objetivo de Marina é garantir o voto dos órfãos de Lula, apesar do passo à direita na economia. Para isso, a candidata, declaradamente evangélica, tem feito acenos defendendo ideias consideradas mais avançadas no campo do comportamento. “Com Lula não sendo candidato, há muitos eleitores do PT que se identificam com a Marina, pela história de vida dela, pela postura dela, pelo que ela representa”, avalia Pedro Ivo, um dos coordenadores políticos da campanha da Rede. Outra estratégia para o digital é mostrar uma Marina bem-humorada e descontraída, longe do costumeiro tom professoral. Vai ser duro.

A situação do candidato do Novo, João Amoêdo, fez com que seu foco total obrigatoriamente fosse na internet. Além dos pífios 5 segundos do tempo de TV, ele está fora dos debates das emissoras porque seu partido não tem representantes no Congresso. Para compensar, Amoêdo conta com uma equipe azeitada na internet e utiliza parte dos recursos de campanha para fazer postagens patrocinadas nas redes sociais. Ele gasta cerca de 4 mil reais por dia para impulsionar o que publica. O objetivo é atrair principalmente eleitores de centro e de direita. O resultado tem sido visto no aumento de apoiadores nas redes e no sensível crescimento nas pesquisas. Passou de 1% para 2% das intenções de voto no Datafolha. O dobro, por exemplo, de Henrique Meirelles. O investimento também repercutiu na alta taxa de engajamento, nome dado para as interações nas postagens das páginas dos candidatos. Amoêdo tem a terceira maior taxa dentre os candidatos, segundo um estudo da FGV. Aparece atrás apenas de Bolsonaro e Lula. Alckmin, por exemplo, aparece em décimo no ranking.

A TV chega na campanha eleitoral após meses de um intenso embate na internet que teve como maior beneficiário Jair Bolsonaro. Por si só, a liderança do capitão da reserva já mostra a relevância da plataforma. Além disso, a força das redes também é evidente pelo uso abundante de truques desleais. Uma delas é a utilização dos chamados robôs para defender candidatos. Os bots, como são chamados esses perfis, difundem mecanicamente mensagens em favor de alguns candidatos e contrárias a outras — e, com isso, tentam impor temas nas redes. Uma pesquisa feita há alguns meses pela InternetLab, um centro de pesquisas em tecnologia, mostrou que todos tinham um exército de robôs em suas páginas de Twitter. O líder foi Alvaro Dias, do Podemos: 64% dos 410 mil seguidores eram possíveis robôs. Ele era seguido por Alckmin (46% dos 992 mil seguidores), Marina ( 36% de 1,9 milhão), Bolsonaro (35% de 1,1 milhão), Ciro (32% de 165 mil) e Lula (22% de 336 mil). No clássico “A Arte da Guerra”, o filósofo e militar chinês Sun Tzu descreveu alguns dos mandamentos necessários para vencer o inimigo. Um deles é: “Saber lidar com o pouco e o muito, segundo as circunstâncias”. Em todas as eleições presidenciais desde 1989, muito tempo de TV significou altíssima probabilidade de sucesso, enquanto pouco tempo sempre representou a certeza da derrota. A internet e os candidatos que dela dependem neste ano querem inverter essa lógica mostrando que muita internet pode ser sinônimo de vitória. A abertura das urnas na noite do dia 7 de outubro dirá se houve uma mudança de paradigma.

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