A Caixa dos Bolsonaro
08.10.21Na semana passada, Crusoé revelou que a primeira-dama Michelle Bolsonaro tem desfilado influência na Caixa Econômica Federal. Ela conseguiu que o banco liberasse crédito a empresários próximos do círculo presidencial. Depois de Michelle falar pessoalmente com o presidente do banco, Pedro Guimarães, os pedidos saíam do Planalto registrados em e-mails e, ao chegar na ponta com o privilégio da recomendação, eram prontamente atendidos. No mesmo dia da publicação da reportagem, o Ministério Público Federal anunciou a abertura de uma investigação que poderá enquadrar a primeira-dama por advocacia administrativa. Os “bombeiros” do Planalto defendem Michelle com o argumento de que ela não fez “nada mais do que ajudar” pequenos empreendedores de Brasília – um argumento que não para em pé ao se levar em conta que muitos dos mortais que naquele mesmo período tentavam acesso à linha de crédito, criada pelo governo para socorrer pequenos negócios na pandemia, nunca viram a cor do dinheiro.
Os pedidos de Michelle são apenas uma amostra do quanto os Bolsonaro estão mandando no banco público. Os setores de patrocínio e de publicidade da Caixa também têm atendido alegremente os pleitos vindos da família presidencial – além da primeira-dama, o senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente da República, tem encaminhado pedidos com sucesso. Entre os agraciados estão entidades ligadas à dupla e personalidades da televisão e do mundo artístico que se alinham com o bolsonarismo. A Caixa sustenta que os repasses são feitos a partir de critérios técnicos, mas é inegável o caráter subjetivo das escolhas, assim como as digitais de Michelle e de Flávio nos processos.
No caso da primeira-dama, têm sido comuns os repasses a entidades que ela escolhe a dedo. Um exemplo é a Associação Beneficente Criança Cidadã, com sede em Recife. A ONG, que desenvolve projetos com crianças carentes, recebia ajuda da Caixa também em outros governos, mas depois que passou a ter Michelle como “madrinha” viu os valores triplicarem. A primeira-dama conheceu Myrna Salsa da Nóbrega Targino, presidente da associação, em novembro de 2019, durante um jantar no Palácio do Itamaraty. No encontro, Michelle manifestou interesse pelo projeto tocado por Myrna e por seu marido, o desembargador João José da Rocha Targino, coordenador-geral da entidade. A primeira-dama prometeu “se aprofundar na causa e ajudar”. Um mês depois, a Caixa liberou 1,75 milhão de reais a título de patrocínio para a associação. Não demorou muito e saiu outro aporte. Em abril deste ano, o banco público destinou mais 2,2 milhões para a entidade, que tem se mostrado bastante grata pela gentileza dos Bolsonaro: no início do mês passado, durante uma visita do presidente e da primeira-dama a Pernambuco, o casal Targino fez questão de receber o casal presidencial com a apresentação de uma orquestra infantil mantida pela ONG.
O empenho da primeira-dama fez com que o soldado escolhesse Michelle como “madrinha da banda” do projeto. “Gostaríamos de desejar um feliz aniversário para nossa madrinha @michellebolsonaro! Um anjo que passou por nosso caminho nos proporcionando grandes alegrias”, escreveu ele no Facebook da entidade em 22 de março, dia do aniversário da primeira-dama. A Crusoé, o soldado disse que antes de ganhar uma mãozinha de Michelle a entidade enfrentava “dificuldade grande para conseguir instrumentos musicais”. “Esse está sendo o primeiro ano de investimento da Caixa”, afirmou. Ele diz que, após a indicação de Michelle, a ONG recebeu a visita de funcionários da Caixa e que pesou a favor do projeto o fato de a primeira-dama “ser de Ceilândia também”.
Poucas são as entidades que têm a oportunidade de receber apoio da Caixa. Apenas neste ano, no mesmo período em que Michelle conseguiu emplacar vários projetos na lista de beneficiários, o banco negou recursos a 73 entidades. Uma delas é o projeto Escola Sem Fronteiras, que atende crianças refugiadas em Pacaraima, cidade próxima à fronteira do Brasil com a Venezuela. Há duas semanas, o gerente de patrocínio da Caixa, André Mageste, fez uma visita ao Instituto Videira, parceiro do Pátria Voluntária. Aos responsáveis pela ONG, que são bolsonaristas de carteirinha, ele prometeu que a entidade será contemplada em breve. A visita foi fruto de uma articulação da própria Michelle com Pedro Guimarães, o presidente da Caixa.
Entre janeiro e agosto de 2021, a Caixa gastou 87,5 milhões de reais com patrocínios. Uma fatia relevante foi destinada a entidades que, nos bastidores, contaram com a ajuda de Flávio Bolsonaro. Do total de repasses deste ano, pelo menos 50 milhões de reais têm a digital do 01 e de um de seus fiéis escudeiros em Brasília, o secretário especial do Esporte do governo, Marcelo Reis Magalhães. Marcelo Negão, como é conhecido, assumiu o cargo em fevereiro do ano passado por indicação do senador. Íntimo da família Bolsonaro, ele foi padrinho de casamento de Flávio com a dentista Fernanda Bolsonaro. Com experiência anterior no setor privado, onde atuava fazendo captação de patrocínios e planejamento de marketing para atletas consagrados, Marcelo passou a atuar em parceria com Flávio, para atender entidades comandadas por aliados do governo.
Um dos repasses que contaram com a intermediação da dupla foi para a Confederação Brasileira de Ginástica. A entidade é presidida por Maria Luciene Cacho Resende, mas quem costuma representá-la em Brasília é o filho dela, Ricardo Cacho Resende. A intimidade de Flávio e Marcelo com Ricardo é tamanha que ele foi convidado para a festa de aniversário do secretário, no último dia 16 de junho. Lá, Ricardo chegou a ser apresentado a Jair Bolsonaro. Dias antes, a confederação havia recebido da Caixa a confirmação de um patrocínio de 30 milhões de reais. É, de longe, o maior valor repassado pelo banco a uma entidade neste ano. Em nota, o Ministério da Cidadania, ao qual a Secretaria de Esportes está vinculada, diz que Marcelo Magalhães não atuou “de forma pessoal em favor de qualquer entidade” e que Flávio Bolsonaro “não interfere nas políticas e ações desenvolvidas pelo órgão”.
Das contas do banco que pagam serviços de publicidade e propaganda tem saído outra leva relevante de recursos cujo destino final costuma ser o bolso de personalidades ligadas ao bolsonarismo. Nesses casos, por sinal, a Caixa passa longe dos princípios da transparência que deveriam regê-la como empresa pública e não divulga os valores. Sob Pedro Guimarães, o banco tem sido generoso nos repasses para artistas e apresentadores de televisão claramente alinhados com o presidente da República e até para igrejas evangélicas. Um exemplo disso está na escolha do cantor sertanejo Gusttavo Lima para protagonizar a propaganda da Mega-Sena da Virada de 2020. Trata-se de uma escolha com amplo espaço para a subjetividade. Normalmente, a agência de publicidade contratada pela Caixa é incumbida de apresentar opções de campanhas e, ao final, o banco decide qual delas é melhor. A escolha de Gusttavo Lima foi feita pela cúpula da instituição. O cantor, que não esconde seu alinhamento com o bolsonarismo, recebeu um cachê de 1,2 milhão de reais.
Apresentadores como Luciana Gimenez e Sikêra Junior, da RedeTV!, também estão entre os destinatários de verbas publicitárias. O banco sustenta que os pagamentos foram feitos para que eles repliquem campanhas do banco durante os programas que apresentam – um exemplo é a campanha para levar às camadas mais pobres da população explicações sobre o pagamento do Auxílio Emergencial. Luciana Gimenez e Sikêra Junior têm a simpatia de Jair Bolsonaro e de seu entorno. Por muitas vezes, ela deu voz ao então deputado Jair Bolsonaro, quando ele ainda nem sonhava ser candidato à Presidência – convidado a participar do programa da apresentadora, Bolsonaro costumava desfiar seu rosário de polêmicas. Foi uma janela que o ajudou a se projetar nacionalmente. “Bolsonaro quem inventou fui eu, né!?”, gabou-se Gimenez, durante uma entrevista em fevereiro de 2020. Depois de eleito presidente, Bolsonaro já concedeu três entrevistas a ela.
A Crusoé, a Caixa afirmou que não informa os valores de seus contratos de publicidade porque as informações são protegidas por sigilo e porque a divulgação pode “comprometer a estratégia de competitividade do banco perante seus concorrentes”. Sobre os patrocínios, diz que as entidades interessadas “devem atender aos critérios técnicos e de governança do banco, seguindo as boas práticas do mercado” e que, no processo de escolha, “são observados o alinhamento dos projetos aos objetivos estratégicos e negociais estabelecidos, bem como o equilíbrio entre o investimento e as contrapartidas que reforçam o papel da Caixa como banco social”. Afirma, ainda, que os critérios, as linhas de atuação, as áreas prioritárias e os requisitos exigidos para as parcerias são públicos e estão disponíveis no site do banco. A nota não faz qualquer menção ao papel de Michelle e de Flávio Bolsonaro nas tratativas que deram origem a contratos de patrocínio.
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