Presidencia UruguayLacalle Pou reverteu a política do governo anterior: 2 mil foram presos desde então

O acerto uruguaio

Recorrendo a medidas simples, o novo governo de Luis Lacalle Pou acabou com a onda de criminalidade
15.10.21

O Uruguai foi pego de surpresa por uma onda de criminalidade pouco antes da pandemia de Covid. O país pacato e rural, que por décadas registrou de 6 a 8 homicídios para cada 100 mil habitantes por ano, de repente viu essa taxa quase dobrar. Ainda que abaixo dos números brasileiros (hoje o Brasil amarga 21 homicídios por 100 mil habitantes, o dobro do máximo aceitável internacionalmente), ocorreu um abalo na sociedade uruguaia, que também se viu desafiada pela elevação de vários outros crimes. Houve, por exemplo, um aumento de 54% dos roubos à mão armada, de 26% dos furtos e de 40% dos roubos de carro entre 2017 e 2018.

O tema da segurança pública dominou a campanha presidencial de 2019 e foi o principal fator a impedir a vitória do candidato ligado ao governo de Tabaré Vázquez, da coalizão esquerdista Frente Ampla. Quem ganhou a corrida foi Luis Lacalle Pou, que encabeçou uma união de grupos de centro e de direita. Hoje, a onda de violência foi dissipada. Somente 16% dos uruguaios acham que esse é o maior problema do país, índice que há dois anos bateu nos 44%. A população também está mais otimista: para 70%, a situação nas ruas deve melhorar nos próximos meses.

A explicação para o sucesso uruguaio se mistura com a chegada da pandemia, mas não se resume a ela. Lacalle Pou assumiu o governo no dia 1º de março de 2020. Apenas duas semanas depois, ele baixou o decreto de emergência sanitária. Lugares públicos e centros turísticos foram fechados. Medidas duras foram ditadas para evitar a aglomeração de pessoas. A exemplo de outros países, a redução na mobilidade diminuiu a incidência de vários crimes, como os assaltos. Com a volta à normalidade – 75% da população do Uruguai está totalmente vacinada –, a ocorrência de delitos seguiu em trajetória de queda. “Os dados que coletamos mostram que a pandemia ajudou a reduzir os delitos, principalmente em Montevidéu, mas também indicam que políticas públicas tiveram o seu efeito”, diz o economista uruguaio Carlos Díaz, que fez um estudo sobre crimes no mundo durante o surto de Covid.

ReproduçãoReproduçãoResultado de operação antidrogas no Uruguai
No primeiro semestre deste ano, os homicídios no Uruguai caíram 26% em relação ao mesmo período de 2020. Furtos tiveram queda de 10%. Roubos à mão armada diminuíram 17%. A taxa de homicídios agora está em 9,5/100 mil habitantes. Neste ano, a expectativa é que caia para 8/100 mil, patamar mais próximo do histórico do país. Estatísticas de violência doméstica, que subiram durante a pandemia em vários países, estão em declínio no Uruguai. No primeiro semestre deste ano, o número de ocorrências policiais foi 12% menor do que no mesmo período do ano passado. Os casos de roubo de gado, um crime típico no país, exportador de carne, tiveram queda de 43%.

Duas políticas públicas adotadas pelo governo de Lacalle Pou são apontadas como as principais responsáveis pela redução dos crimes. A primeira delas foi a suspensão de diversos dispositivos do novo Código de Processo Penal, que entrou em vigor em novembro de 2017. Quando foi instituído, com amplo apoio entre os partidos, o código embutia uma boa intenção. O quadro nas prisões uruguaias era calamitoso e muitos detentos estavam no sistema prisional sem nem sequer terem sido condenados. Para evitar a superlotação, a mudança na lei permitiu que promotores e advogados de defesa combinassem uma pena alternativa, que podia ser a realização de trabalhos para a comunidade ou participar de programas de reeducação e tratamento vícios.O resultado foi que milhares de pessoas passaram a cumprir penas alternativas, mas apenas 20 estavam responsáveis por controlá-las. Em geral, os criminosos continuaram cometendo seus delitos”, diz o cientista político uruguaio Diego Sanjurjo, coordenador de estratégias de prevenção no Ministério do Interior do Uruguai.

Ao assumir, o novo governo deixou de aplicar na totalidade o Código de Processo Penal e voltou a prender. Em pouco mais de um ano, 2 mil pessoas deram entrada nas cadeias. Outra ação foi aumentar as ações policiais contra as bocas de fumo, algo que, no Brasil, nem sempre é possível – nesta semana, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, usou as redes sociais para reclamar de uma decisão judicial que impede as forças policiais de exercerem o monopólio da força em territórios controlados pelo tráfico. No Uruguai, até o ano passado, o número de operações anuais para desarticular os pontos de venda de drogas não passou de 652. Nos primeiros doze meses do novo governo, 1.182 bocas foram fechadas.

A estratégia da polícia uruguaia não foi a de abrir guerra com os traficantes, mas de impedir que eles dominassem áreas. Normalmente, depois de uma batida policial, os vendedores de entorpecentes retornam em outra esquina. Mas o fato de serem obrigados a mudar constantemente de lugar os impede de extorquir dinheiro de moradores e de criar estratégias para impedir a entrada da polícia ou enfrentar outros grupos.

Agentes da Polícia Civil do Rio de JaneiroReproduçãoNo Rio, polícia agora tem limites para atuar em áreas controladas por milícias e traficantes: STF impôs trava em razão dos excessos que levam a tragédias
Ao desarticular os pontos de venda de drogas (como a maconha no país é legalizada, a violência ligada ao narcotráfico normalmente está associada ao comércio de drogas como cocaína e heroína), o Uruguai tenta evitar justamente uma situação como a do Rio. Um estudo feito pelo instituto Fogo Cruzado e por outras entidades aponta que, hoje, nada menos que 98% do território da capital fluminense está sob controle de milícias, do Comando Vermelho, do Terceiro Comando, dos Amigos dos Amigos ou em disputa entre facções. “O tráfico de drogas geralmente está circunscrito a favelas e conjuntos habitacionais, enquanto as milícias podem dominar bairros inteiros. A polícia atua de variadas formas nessas áreas, seja realizando patrulhamento, investigações ou enfrentando esses grupos”, diz Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado. Mas a forma é atabalhoada.

A inação do estado que abre caminho para o domínio dos criminosos sobre o território acaba tornando mais arriscada qualquer iniciativa destinada a retomá-lo. Uma vez que as facções estão estabelecidas, as ações policiais tornam-se mais arriscadas e mais letais. Em junho de 2020, em resposta a uma ação violenta da polícia que resultou na morte de um adolescente, o ministro Edson Fachin do STF concedeu uma liminar que limita ações armadas durante a pandemia – é justamente a ordem judicial da qual o prefeito Paes se queixa. Em agosto, o plenário da corte confirmou a decisão, que passou a restringir operações sem planejamento em áreas densamente povoadas.

Agora otimistas com o quadro de calmaria na segurança pública, os uruguaios têm uma preocupação de outra ordem: com mais gente dentro das prisões, eles temem que se repita por lá o fenômeno brasileiro que deu origem a facções como o PCC, o Primeiro Comando da Capital. “Não podemos nos esquecer que foi dentro das prisões brasileiras que surgiram as grandes organizações criminosas. Então, precisamos cuidar para que o Uruguai não siga o mesmo caminho”, diz Sanjurjo, do Ministério do Interior. A vantagem é que, por lá, ao menos do lado de fora das prisões, a situação está sob controle, graças à crença de que é melhor manter os criminosos na cadeia do que deixar a sociedade refém deles.

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