MarioSabino

Arthur Lira sempre será

22.10.21

Arthur Lira, presidente da Câmara, é o rio Tietê. Arthur Lira é a mancha de óleo na praia. Arthur Lira é a carcaça de boi na caatinga. Arthur Lira é a queimada na floresta. Arthur Lira é a taturana. Arthur Lira é a vassoura-de-bruxa. Arthur Lira é o muro alto que separa a casa-grande da favela. Arthur Lira é incancelável da paisagem nacional.

Arthur Lira não é um indivíduo, mas uma legião. Na possibilidade de vir a ser eleito senador, substituirá um Arthur Lira concorrente, e outro Arthur Lira o substituirá como deputado. A democracia brasileira produz Arthures Liras em série, e a má velha que tenho a anunciar é que se trata da única coisa que a democracia brasileira é capaz de produzir em quantidade suficiente para não fazer diferença: gente como Arthur Lira. Foi a única coisa que as tiranias também produziram por aqui, que ninguém se engane.

Como prova a sua tentativa de aprovar a PEC da Vingança, uma monstruosidade inconstitucional que extermina a independência do Ministério Público, Arthur Lira é continuidade completamente sem vergonha (de ser feliz) de uma apropriação indébita histórica que nos constitui como nação — e que não admite correção ou corretivos. Essa apropriação foi descrita por Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, que voltou à minha cabeceira nesta semana:

De Dom João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos,uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. O capitalismo politicamente orientado — o capitalismo político, ou o pré-capitalismo —, centro da aventura, da conquista e da colonização moldou a realidade estatal, sobrevivendo, e incorporando na sobrevivência o capitalismo moderno, de índole industrial, racional na técnica e fundado na liberdade do indivíduo — liberdade de negociar, de contratar, de gerir a propriedade sob a garantia das instituições. A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo — assim é porque sempre foi.” 

Raymundo Faoro já disse tudo faz tempo. A nossa única ideologia é o patrimonialismo. O nosso único programa de governo é manter isso aí, viu. O nosso único país é consequência desse molde funesto que aprisiona e arremeda o capitalismo, agora para muito além de Getúlio Vargas, e pelo qual a sociedade é explorada, manipulada, tosquiada. Arthur Lira sempre foi, sempre é e sempre será.

A menos que você seja um Arthur Lira, tire os seus filhos daqui. 

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