RuyGoiaba
Um chiliquento no Planalto
29.10.21Chilique, faniquito, fricote, piti. Eu até procurei no dicionário Uai’s, mas honestamente não consegui achar nenhum termo melhor que esses, com sua carga de ridículo e de chanchada, para descrever o comportamento de Jair Bolsonaro na última quarta-feira, 27, ao ouvir do humorista André Marinho uma pergunta espertamente genérica sobre rachadinha. Marinho mencionou casos acontecidos no Rio de Janeiro com partidos de esquerda, como PT e PSOL, e concluiu perguntando ao presidente se “rachador” tem de ir para a cadeia ou não — sem citar explicitamente, em momento algum, o 01, o 02 ou alguém do clã.
Pronto, foi o que bastou para Bolsonaro rodar mais a baiana que o saudoso Jorge Lafond como Vera Verão em A Praça É Nossa: o presidente disse que não aceitava provocação, que o pai de André — o empresário Paulo Marinho, ex-apoiador e hoje desafeto do Micto — queria a cadeira de Flávio Bolsonaro (de quem é suplente no Senado) e que, se o humorista aparecesse na tela mais uma vez, ele iria embora. E foi. Vejam bem: isso foi no safe space da emissora chapa-brancaça que é a Jovem Pan, com todos os outros “entrevistadores” se empenhando em puxar abjetamente o saco do atual inquilino do Planalto.
Acho que já podemos afirmar com segurança que a fraude absoluta que é Jair Bolsonaro — ex-sindicalista milico preso por indisciplina, que nunca passou de capitão e não sabe nem “pagar flexão” direito — é o presidente mais chiliquento da história do Brasil, além de ocupar com indiscutível mérito o topo do ranking dos mais burros. É só tirar o sujeito do cercadinho dos apoiadores e fazer uma pergunta menos amigável, que ele se descontrola. No Brasil, nenhum político gosta de ser confrontado (basta lembrar Lula cancelando o visto de Larry Rohter, do New York Times), e aquela turma do jornalismo político especializada em entrevistas tão incisivas quanto um chá de senhoras colabora com esse estado de coisas. Mas Bolsonaro leva ao paroxismo a necessidade da claque. É o estereótipo do bully de colégio: valentão só quando protegido pelo grupo.
“Ah, mas você não faz ideia das pressões que um presidente enfrenta no dia a dia!” Até faço, leitor bolsoafetivo (se é que me sobrou algum). Mas, pelo visto, a tal pressão é tão insuportável que o presidente está louco para ficar mais quatro anos naquela cadeira, nem que para isso precise arregaçar o teto de gastos. Woody Allen diria — aliás, disse, em Annie Hall — que “a vida é cheia de solidão, miséria, sofrimento e infelicidade, e tudo acaba muito rápido”. Suponho que Bolsonaro sofra muito com a perspectiva de deixar de se sentir importante em formatura de soldadinho, já que o trabalho de governar não é com ele.
Como, ao que parece, colaborar decisivamente para a morte de 600 mil brasileiros e enfiar a economia no que ameaça ser um gostoso combo de inflação e recessão em 2022 — fora outras atrocidades — não são motivos suficientes para impeachment, quero só ver como o fujão fará para dar o cano nos debates do ano que vem. Talvez o Centrão mande algum clone no lugar dele — ou um Bolsonaro inflável, que certamente resistirá melhor à pressão. Mas torço para que ele vá e capriche no chilique, faniquito, fricote, piti. Já que estou (estamos) pagando pelo circo, exijo um mínimo de empenho profissional do palhaço.
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A GOIABICE DA SEMANA
É difícil bater a história do pastor de Goiás que prometeu ressuscitar em três dias e, vejam vocês, não cumpriu — imaginei fiéis recorrendo ao Procon por causa da ressurreição com defeito ou, melhor ainda, Jesus Cristo aparecendo para dizer “’tão pensando que ressuscitar é bagunça?” (o Brasil sempre me faz lembrar o Jesus do poema do Drummond que “dorme sonhando com outra humanidade”). Mas para mim o campeão da semana é João Doria, homem 100% antenado com a realidade do povo brasileiro, perguntando no interior da Paraíba se alguém ali já tinha ido a Dubai. Sou velho o suficiente para me lembrar da época em que Doria, presidente da Embratur no governo José Sarney, sugeria aproveitar o “potencial turístico” da caatinga; felizmente, a Vidassecaslândia não vingou.
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