Adriano Machado/Crusoé

Moro entra no jogo

O ex-juiz da Lava Jato se coloca no páreo para as eleições de 2022. Há, porém, vários desafios no caminho. Mostramos quais são eles
05.11.21

Ao oficializar na quarta-feira, 10, sua filiação ao Podemos, o ex-juiz Sergio Moro estará diante do que será provavelmente o seu maior desafio na vida pública: viabilizar-se como candidato em um ambiente acostumado a repelir figuras como ele. Para todos que acompanharão seu discurso durante o evento no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, Moro não deverá deixar margem para dúvidas sobre sua entrada no jogo político. A candidatura ao Palácio do Planalto, no entanto, será mantida em suspense.

Não será trivial torná-la realidade. Para o establishment, Moro é o anticandidato. Ou seja, ele não encarna apenas o ex adversus de Bolsonaro e Lula. Por ter sido, nos últimos tempos, quem mais atuou para quebrar os velhos códigos e a lógica que rege e alimenta um sistema hermeticamente montado para favorecer os mesmos de sempre, ele é o genuíno candidato antiestablishment. As inquietações e reações estrepitosas do meio político a partir do momento em que Moro anunciou que se filiará ao Podemos apenas confirmam essa constatação. Por isso, o trabalho que ele terá para se consolidar como candidato será muito maior do que o imposto aos demais aspirantes ao Planalto.

Para angariar apoios sólidos e fazer com que os melhores e mais bem preparados quadros políticos se rendam e orbitem em torno dele, e não o inverso, o ex-juiz da Lava Jato precisará criar “expectativa de poder” – uma linguagem que a classe política entende muito bem e que significa, em síntese, se apresentar nas pesquisas como o mais capaz de furar a polarização entre Bolsonaro e Lula. Os que hoje o cercam apostam que o ex-ministro da Justiça tem potencial para beirar os 20% de intenção de voto até abril de 2022. Para alcançar esse objetivo, no entanto, Moro precisará ir além do figurino habitual de caçador de corruptos. Sua agenda terá de extrapolar a pauta já conhecida – sem, evidentemente, deixá-la de lado.

Ao desembarcar no Brasil nesta semana para novas rodadas de conversas políticas e preparar o ato de filiação, Moro lançou o primeiro mote, numa espécie de avant-première da nova roupagem de pré-candidato: “Juntos, podemos construir um Brasil justo para todos”. De acordo com integrantes do futuro partido do ex-juiz, o slogan busca passar a ideia de construir “uma justiça que abarque tanto a luta contra privilégios como o combate às desigualdades sociais”.  No pronunciamento inaugural de quarta-feira, a intenção é que Moro apresente as linhas gerais do que pensa para a saúde, a educação, a economia e a segurança pública.

Governo do Estado de São PauloGoverno do Estado de São PauloDoria e Mandetta mantêm contato frequente com Moro: perspectiva de aliança mais adiante
A lista de interlocutores recentes ajuda a fornecer pistas sobre o que o ex-ministro pensa a respeito de temas essenciais ao país. De um mês para cá, depois de bater o martelo sobre o ingresso na política, Moro já conversou, por exemplo, com dois ex-presidentes do Banco Central da era FHC, Armínio Fraga e Pérsio Arida – este último está preparando um plano para orientar as candidaturas da terceira via, à frente do Centro de Liderança Política. Também trocou impressões sobre economia com Marcos Lisboa, presidente do Insper e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005, no governo Lula. “Não se trata de busca de apoio. O Moro tem ouvido essas pessoas para traçar um diagnóstico sobre a situação econômica atual”, diz um dos interlocutores mais frequentes do ex-juiz.

Quem o conhece desde antes da magistratura crava que Moro, do ponto de vista econômico, sempre foi um liberal, defensor da responsabilidade fiscal, mas com notável preocupação social. Essa visão foi rascunhada pelo próprio ex-juiz na quarta-feira, 3, dia da votação da PEC dos Precatórios, proposta que autoriza o indecente drible no teto dos gastos para garantir o pagamento do Auxílio Brasil, principal estandarte eleitoreiro de Jair Bolsonaro. “Aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é ótimo. Furar o teto de gastos, aumentar os juros e a inflação, dar calote em professores, tudo isso é péssimo. É preciso ter responsabilidade fiscal”, escreveu ele nas redes sociais.

Em paralelo à confecção de um projeto de país capaz de recolocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento econômico e da paz social, Sergio Moro terá de mostrar que reúne condições de celebrar alianças e formar palanques suficientemente robustos que lhe confiram musculatura eleitoral nos principais estados da federação – algo essencial para vencer uma eleição no Brasil. É um desafio e tanto. Principalmente para quem promete fazer decolar uma candidatura sem se dobrar aos acordos nada republicanos da política. Nesta semana, um jantar com integrantes do União Brasil, partido fruto da fusão entre o DEM e o PSL, foi cancelado em cima da hora por pressão de dirigentes do antigo partido de Bolsonaro. O encontro foi articulado pelo deputado do PSL Júnior Bozella, um dos principais defensores do apoio do novo União Brasil a Moro. “Não dá para pegar um nome da terceira via que tem 10% de intenção de voto nas pesquisas, como o Moro, e não discutir o apoio a ele. Respeito muito o Datena, o Mandetta, o Doria, que é meu amigo. Mas um tem 3%, outro aparece com 2%… Para quebrar a polarização Lula-Bolsonaro, não podemos interditar o debate sobre o apoio a Moro”, afirma Bozella.

O ex-juiz chegou a convidar pessoalmente um grupo de deputados para o encontro. O cancelamento de um dos principais compromissos do pré-candidato em Brasília nesta semana foi lido por seu entourage como uma pequena demonstração das dificuldades que ele enfrentará para conseguir circular pela “selva do establishment político” – ou seja, entre aqueles que, na condição de juiz da Lava Jato, Moro não poupou. É um terreno realmente difícil. Na semana passada, a pré-campanha já havia sofrido outro revés. Chamado para ser um dos coordenadores da empreitada, o ex-deputado tucano e ex-secretário-geral da CBF Walter Feldman, notório por circular com desenvoltura entre os meios político e empresarial, preferiu declinar do convite. “Entendo que cumpri meu ciclo político. Depois de consultar minha família, resolvi não aceitar”, justificou Feldman a Crusoé.

DivulgaçãoDivulgaçãoRenata Abreu, presidente do Podemos, tem ciceroneado o ex-juiz às vésperas de sua filiação ao partido
A verdade é que os termos apresentados por Moro são de difícil digestão para uma classe política que quase sempre faz tudo ao contrário daquilo que o ex-juiz pensa e prega. O presidenciável virou alvo, ao longo da semana, de petardos oriundos desde o PT até o bolsonarismo. O próprio Bolsonaro atacou. E alguns formuladores da terceira via disseram que ele dividiria o bloco. “Moro tem voto, peso, mas não unifica”, afirmou o presidente do Cidadania, Roberto Freire. Uma ofensiva mais baixa incluiu a invasão no Telegram do ex-juiz – um perfil atribuído a ele passou a distribuir pornografia. A despeito do jogo sujo, Moro disse nos últimos dias a pessoas próximas que não irá partir para agressões nem pretende ir à desforra contra seus detratores. A todos a quem procurou, deixou claro que não abrirá mão de pautas como o fim do foro privilegiado e da PEC da prisão em 2ª instância. Em contrapartida, num esforço para se tornar mais palatável, disse enxergar com bons olhos o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos. Trocando em miúdos: ele toparia fazer um governo de transição com o propósito de arrumar a casa para o próximo inquilino do Planalto, o que poderia agradar aos obstinados pela cadeira presidencial.

Quem está à frente das negociações políticas e tem aconselhado Moro a hastear uma bandeira branca é Renata Abreu, presidente do Podemos, que desembarcou junto com ele no aeroporto de Brasília na quarta-feira, 3. O primeiro compromisso político do ex-juiz no Brasil, no entanto, foi ao lado de Alvaro Dias, hoje um dos seus principais conselheiros e responsável por articular a candidatura a deputado federal pelo Paraná do ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol, que pediu exoneração do MPF. Na segunda-feira, 1º, acompanhado do senador, Moro fez uma visita de cortesia ao governador do Paraná, Ratinho Jr, do PSD de Gilberto Kassab.

O apartamento de Renata Abreu na capital federal tem servido de QG para os encontros políticos de Sergio Moro – foi lá que o ex-juiz ficou hospedado. Numa das poucas vezes em que deixou o local, Moro se encontrou com o senador Alessandro Vieira. “Considero corajoso e positivo o comportamento do Moro, que se apresenta para a disputa mesmo sabendo da resistência dos extremos políticos”, diz Vieira, que, embora tenha se lançado pré-candidato à Presidência pelo Cidadania, pode abrir mão de sua candidatura em favor de Moro.

Oficialmente, o Podemos diz que o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Jair Bolsonaro pode disputar tanto o Planalto como uma vaga no Senado por São Paulo ou pelo Paraná, sua terra natal. Ou até virar vice ou apoiador de luxo de algum outro candidato em 2022. A meta, claro, é buscar o voo mais alto. Em setembro, Renata Abreu participou da organização de jantares do Moro com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, da União Brasil, e o governador paulista João Doria, do PSDB. Ainda articulou conversas com João Amoêdo, do Partido Novo, Eduardo Leite, governador tucano do Rio Grande do Sul, e integrantes do Movimento Brasil Livre, o MBL, visto como um dos mais importantes braços para galvanizar apoios e medir o pulso das ruas. Ao seu lado, no staff de estrategistas do projeto Moro, Renata conta com o marqueteiro Fernando Vieira e com o ex-ministro do TSE Joelson Dias, responsável por tocar a área jurídica.

Agência BrasilAgência BrasilO ex-governador Paulo Hartung, que vinha aconselhando Luciano Huck, tem ajudado Moro em sua empreitada
Cabe a Fernando Vieira a tarefa de modular o novo discurso do ex-juiz. Em entrevistas, quando deixou o governo Bolsonaro denunciando a interferência do presidente nas investigações da Polícia Federal, Moro escapava pela tangente sempre que era perguntado sobre suas pretensões. Hoje, as circunstâncias eleitorais e políticas o empurram para tentar uma candidatura capaz de furar a polarização entre Bolsonaro e Lula. Como diz um de seus interlocutores, “a candidatura não pertence apenas a Moro, mas a todos os que desejam pavimentar uma alternativa viável à tragédia que se avizinha”. O movimento, no entanto, terá de ser mastigado para o eleitor comum. Será preciso explicar, por exemplo, por que ele deixou a toga e a posição de algoz de políticos pilhados na Lava Jato, depois passou à condição de ministro de Bolsonaro e, agora, resolveu trocar uma confortável carreira na iniciativa privada para entrar de cabeça na política.

Nas pesquisas qualitativas quinzenais encomendadas pelo Podemos, Moro aparece associado quase que exclusivamente ao combate à corrupção. A ideia de seu staff é construir uma retórica para sair da bolha. Termos jurídicos comumente usados por ele, como o clássico “escusas”, devem dar lugar a um léxico mais popular.

Para depois do evento de filiação, para o qual são esperadas 1.500 pessoas, estão sendo agendadas viagens para que Moro possa se apresentar na nova indumentária de candidato. Nesta semana, além dos encontros em Curitiba e em Brasília, o presidenciável esteve em São Paulo, para reuniões com integrantes de seu futuro partido. O ex-juiz pretende unir a campanha política ao lançamento do livro “Sergio Moro – Contra o sistema de corrupção”. Programado para chegar às livrarias e e-books no dia 2 de dezembro, a obra revisitará os principais momentos da Operação Lava Jato e se dedicará a dissecar os episódios decisivos para o desembarque de Moro do governo Bolsonaro.

A aposta dos estrategistas da campanha é a de que Bolsonaro irá definhar até o primeiro trimestre do próximo ano, levando o ex-juiz a herdar fatia expressiva dos descontentes com o governo e a disputar o segundo turno contra Lula. Uma pesquisa, em especial, encomendada por um banco, atiçou Moro e seu time. Nela, ele já surge com 12% das intenções de voto. O mesmo levantamento diz que 45% dos brasileiros não querem saber de Lula nem Bolsonaro. O resultado foi considerado tão animador que o ex-juiz telefonou ao ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, para comemorar. Os dois têm trocado impressões sobre a corrida eleitoral com certa frequência. Hartung, que busca a convergência entre os nomes de terceira via, tem dito a Moro que o candidato que aparecer com algo próximo a 15% das intenções de voto até abril de 2022 irá atrair como um imã os demais aspirantes do espectro do centro.

Antes, no entanto, o Podemos precisará arrumar a casa para que defecções e ruídos internos não acabem implodindo no nascedouro seu projeto presidencial. Durante a votação da PEC dos Precatórios, por exemplo, na madrugada de quarta para quinta-feira, contrariando o que havia defendido publicamente Sergio Moro horas antes, cinco dos nove integrantes da bancada do partido votaram a favor da pedalada eleitoreira bolsonarista – uma inegável rasteira. Para além da traição às portas da filiação de Moro, há ainda querelas nos estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Podemos é aliado de primeira hora do governador Claudio Castro, unha e carne com Bolsonaro e seu filho 01, Flávio, o do rachid. Em São Paulo, o acerto do Podemos é com Rodrigo Garcia, vice de João Doria, que tem como cabo eleitoral o ínclito Valdemar Costa Neto, algo que, se consumado, será um tanto complicado para Moro explicar. Caberá ao ex-juiz se impor para evitar que a classe política que ele ajudou a desmascarar não seja, ironicamente, o cavalo de troia do seu plano.

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