Adriano Machado/CrusoéLira e Ciro cochicham atrás de Bolsonaro: uma parte do Centrão já diz que tomará outro rumo na eleição

Traição de véspera

A despeito dos milhões que tem recebido do Planalto, uma parte do Centrão já diz abertamente que não vai apoiar Jair Bolsonaro em 2022. A lista de defecções pode aumentar em breve
12.11.21

Todo e qualquer presidente da República que resolve se aliar ao Centrão precisa ter em mente que os acordos com o bloco têm prazo de validade curto. Fidelidade nunca foi o forte da turma hoje comandada por Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro. O grupo mais fisiológico do Congresso é versado na prática de trocar o máximo possível de benesses por apoio ao mandatário de turno até que apareça um potencial novo parceiro que represente mais perspectiva de poder. Quando isso acontece, o Centrão não tem o menor pudor em abandonar o barco e pular em um novo. Como o bloco não é homogêneo, é claro que sempre há os que preferem, à base de emendas e cargos, remar mais tempo ao lado de quem está no poder. No caso de Jair Bolsonaro, a traição de pelo menos uma parte da tropa já é dada como certa. Integrantes do próprio Progressistas de Ciro Nogueira, do Republicanos e do PL já admitem deixar a base governista antes mesmo da definição formal das alianças para a eleição presidencial.

Anunciado nesta semana como novo destino do presidente, o PL do notório Valdemar da Costa Neto é um caso clássico dessa postura ambivalente. Mesmo à beira de carimbar a ficha de filiação de Bolsonaro, o partido que virou sinônimo de corrupção tem piscado para outros postulantes ao Palácio do Planalto. Em vários estados, já há um clima de insatisfação com o próprio Valdemar por ter aberto as portas da legenda para o presidente e seus aliados.

No Piauí, a sigla está fechada com o PT desde 2014 e não abre mão de manter a aliança em 2022. O acerto iminente com Bolsonaro no plano nacional fez com que uma parcela dos integrantes da sigla no estado ameaçasse buscar outra agremiação. Para tentar conter os insatisfeitos, Valdemar gravou um vídeo assegurando que o diretório terá liberdade para se aliar a quem bem entender. A porteira, portanto, foi escancarada para a traição a Bolsonaro. “No estado do Piauí, o PL fará a coligação que melhor lhe convier. O que queremos é que o nosso partido cresça, para que a gente possa atender os nossos correligionários com melhor estrutura”, disse o dono do PL. Uma das principais lideranças do PL no estado, o deputado federal Capitão Fábio Abreu diz que a autonomia total foi uma exigência. “Fomos bem claros ao dizer que a aliança que temos é com o PT”, afirma. Pela negociação em curso, o candidato ao governo apoiado pelo PL será Rafael Fonteles, do PT, atual secretário de Fazenda. Como compensação, o partido deve ficar com a primeira suplência na chapa de Wellington Dias, o atual governador do Piauí, que disputará o Senado. Na prática, significa que a futura legenda de Bolsonaro reforçará o palanque de Lula no estado.

Não é um caso isolado. Em Alagoas, o PL vai marchar ao lado de outro adversário figadal dos Bolsonaro: o senador emedebista Renan Calheiros. No estado, o partido já tem um acerto com o governador Renan Filho. Presidente regional do partido, Maurício Quintella, que foi ministro de Michel Temer e hoje comanda a Secretaria de Infraestrutura na gestão do filho de Renan, não esconde a oposição a Bolsonaro. Quintella defende abertamente o “Fora, Bolsonaro” e chama os apoiadores do presidente de “gado”.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéNa Bahia, o Progressistas deve fechar com Jaques Wagner (e com Lula)
Se no Piauí o PL vai de Lula e em Alagoas fará parte da aliança costurada por Renan, em São Paulo a sigla vai ajudar a robustecer a campanha ao Planalto de João Doria, se ele se sagrar vitorioso nas prévias tucanas. Depois de apoiar Bolsonaro em 2018, Doria virou um dos principais oponentes do presidente. Ainda que parte da bancada do PL paulista seja alinhada ao governo federal, uma ala importante, que inclui os caciques locais da sigla, é próxima do governador e já prometeu seguir o rumo a ser ditado por Doria.

“Todos sabem que não é uma situação cômoda para mim e, no momento oportuno, vou me pronunciar”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, principal nome do PL amazonense, tão logo soube do acerto de Valdemar com Bolsonaro. A despeito dos problemas, a filiação do presidente ao PL, a não ser que haja um improvável – mas sempre possível – cavalo de pau do presidente, será sacramentada no dia 22 de novembro e marcará o fim de um processo que durou dois anos. Bolsonaro deixou o PSL em novembro de 2019, após entrar em conflito com o presidente da legenda, Luciano Bivar. Dias depois, anunciou que criaria seu próprio partido, a Aliança pelo Brasil. A agremiação ganhou slogan, logomarca e número de urna, mas não conseguiu o essencial, a quantidade mínima de apoiadores para ser inaugurada oficialmente – a Justiça Eleitoral exige 492 mil assinaturas para a criação de um partido, mas o Aliança tem hoje apenas 154 mil.

Diante do fracasso do projeto, Bolsonaro postergou o quanto pôde a escolha da nova casa. Nesse período, negociou sua filiação com pelo menos onze siglas, desde as nanicas até as grandes do Centrão. Até mesmo um retorno ao PSL foi cogitado. O presidente dizia publicamente que estava em busca de um “partido para chamar de seu” e pleiteava poder para indicar dirigentes regionais e montar chapas. Nenhum cacique topou entregar poder e dinheiro do fundo partidário, sobretudo em razão de seu conhecido histórico de traições. Na reta final das negociações, Bolsonaro quase se acertou com o Progressistas, o antigo PP, mas foi ameaçado de retaliação por Valdemar Costa Neto – o cacique do PL prometeu aderir à candidatura de Lula se fosse preterido. Bolsonaro se curvou à ameaça (e muitos no Progressistas respiraram aliviados). Valdemar Costa Neto está interessado na associação com o presidente não apenas para obter mais verbas e cargos nesse final de governo, mas para tentar aumentar o numero de deputados estaduais e federais do PL, assim como o de senadores. O cálculo do cacique é que o presidente da República ainda gozará de um eleitorado fiel suficientemente grande para impulsionar candidaturas no Legislativo. Ele espera, inclusive, que boa parte dos bolsonaristas alojados no PSL — que se fundiu ao DEM para formar a União Brasil –, migre para o seu partido.

O constrangimento com a escolha pelo PL ficou patente: Carlos Bolsonaro, o filho 02 do presidente, apagou um tuíte antigo que liga Valdemar ao recebimento de propina. Como prints são eternos, não demorou para que uma postagem de 2018 em que o próprio Jair Bolsonaro chamava o presidente do PL de “corrupto e condenado” também fosse recuperada. Agora, o discurso mudou. “Se tirar o Centrão, para onde eu vou? Vou conversar com PSOL e PCdoB?”, questionou Bolsonaro, tentando emplacar a falsa tese de que não teve escolha a não ser ceder à velha política.

Sérgio Lima/FolhapressSérgio Lima/FolhapressValdemar, o mensaleiro: Bolsonaro não é unanimidade no PL
Em abril, quando a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, do PL, tomou posse em uma cerimônia fechada, a Secretaria de Comunicação da Presidência cortou Valdemar Costa Neto das fotos divulgadas ao público. Na campanha, entretanto, Bolsonaro não poderá ocultar do eleitorado a presença do mensaleiro em seu palanque. Do mesmo modo que não poderá esconder a presença de outros personagens do Centrão envolvidos em escândalos, como o próprio ministro Ciro Nogueira.

Para além do ônus de aparecer na eleição lado a lado com acusados de corrupção, a aliança com o partido de Ciro também embute o risco de defecções nos estados. Embora na mesa de negociações esteja a possibilidade de a sigla indicar o candidato a vice da chapa de Bolsonaro, uma expressiva parcela dos correligionários do atual chefe da Casa Civil prefere manter distância do presidente, seja para não ser contaminada pela sua crescente desaprovação, seja para manter arranjos regionais já consolidados.

Na Bahia, o diretório local do Progressistas já avisou que, independentemente da decisão nacional, irá manter a aliança com o PT. Lá, o vice-governador João Leão, colega de partido de Ciro, foi eleito na chapa do petista Rui Costa. A sigla, agora, trabalha para indicar um candidato ao Senado na chapa de Jaques Wagner para o governo. “Defendo que o partido mantenha a postura atual, de garantir liberdade para a formação dos palanques estaduais”, afirma o deputado federal Cláudio Cajado, do Progressistas baiano. O diretório estadual de Pernambuco também prefere dividir palanque com Lula. E não é algo que será feito pelas costas de Ciro: o presidente do partido no estado, o deputado Dudu da Fonte, tem força dentro da legenda e interlocução suficiente com o ministro para fazer valer a decisão.

Em Pernambuco, aliás, se desenrola uma situação inusitada e, ao mesmo tempo, constrangedora para Bolsonaro: dois nomes de partidos do Centrão brigam para ser o “senador de Lula” na disputa do ano que vem. Além do próprio Dudu da Fonte, do Progressistas, o deputado federal Silvio Costa Filho, do Republicanos, apoia o petista e cogita pleitear a vaga na chapa liderada pelos petistas.

STFSTFA ministra Rosa Weber, do STF: trava no orçamento paralelo atrapalha a estratégia fisiológica do governo
No caso do Republicanos, nacionalmente o partido comandado por Marcos Pereira está oficialmente no governo, mas mantém uma distância regulamentar do presidente. À diferença de Ciro Nogueira, Pereira nunca quis assumir um ministério e preferiu manter a imagem de neutralidade. Dentro da sigla, há quem também defenda uma aliança com Lula. O líder do partido na Câmara, Hugo Motta, da Paraíba, nutre simpatia histórica pelo PT, assim como o comando do diretório no Maranhão, que já foi associado ao governador Flávio Dino, do PCdoB. A seção de Minas Gerais sonha com a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, agora pré-candidato pelo PSD, e lideranças do Rio Grande do Sul estimulam uma candidatura de terceira via.

Se o clima de traição já estava no ar, a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender por 8 votos a 2 a execução das bilionárias emendas do chamado orçamento paralelo deixou o governo ainda menos atrativo para o Centrão. O julgamento foi concluído na quarta-feira, 10. Além da suspensão do pagamento, a maioria dos integrantes da corte acompanhou a ministra Rosa Weber, relatora do caso, para exigir que se dê publicidade às informações sobre o destino das verbas. Do total de 16,8 bilhões de reais reservados para as emendas de relator, que vêm abastecendo a farra, 9,3 bilhões já haviam sido comprometidos com projetos apadrinhados pelos parlamentares aliados ao governo. O veredicto do Supremo congelou os 7,5 bilhões restantes, um caminhão de dinheiro que iria contemplar, em especial, os parceiros do Centrão.

A fragilidade da coalizão que sustenta Bolsonaro ficou mais do que clara durante a votação da emenda que permite ao governo furar o teto de gastos e dar um calote nos portadores de precatórios – tudo para possibilitar o pagamento do Auxílio Brasil, o Bolsa Família turbinado que Bolsonaro pretende usar como chamariz de votos em sua campanha à reeleição. A aprovação da PEC em segundo turno na terça-feira, 9, só foi possível depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira, em sintonia total com os anseios eleitoreiros do Planalto, fez o diabo: prometeu cortar o ponto de parlamentares faltosos e ameaçou não pagar as emendas já negociadas em votações anteriores, além de condicionar a liberação de novos recursos ao “sim” no painel eletrônico. Com a suspensão das emendas de relator pelo STF, a tendência é que o acesso aos cofres públicos – que é o que verdadeiramente interessa ao Centrão – fique mais difícil. Assim, a disposição do bloco fisiológico para trair o governo poderá ficar ainda maior.

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