MarioSabino

O golpe das Cortes portuguesas

19.11.21

As Cortes portuguesas, reunidas em Lisboa, querem mudar o regime político do Brasil, ignorando a vontade popular, de presidencialista para semipresidencialista. Acham que o regime presidencialista é fonte de instabilidade institucional e que, com um presidente mais para o decorativo e um primeiro-ministro ungido pelo parlamento, adentraremos os campos verdejantes da paz e concórdia entre os homens de mal e, quem sabe até, entre os homens de bem.  As Cortes portuguesas dizem querer repetir no Brasil o que seria o regime francês — que é semipresidencialista só no nome, porque quem manda no duro é o presidente —, mas omitem que ficaríamos mais próximos mesmo é do desastre do regime semipresidencialista da República de Weimar.

As Cortes portuguesas, que derrubaram a cláusula de barreira em 2006, que organizaria o sistema partidário brasileiro, eliminando os partidos nanicos e indicando um caminho para o fim das legendas de aluguel, agora querem colocar para sempre na conta dos eleitores brasileiros — e debitar-lhes da conta bancária — a suruba institucional que vivemos hoje, com um presidente sem partido e que entrega as nossas calças a agremiações criminosas que, dominadas por verdadeiros proprietários, espalharam seus tentáculos, sem diques legais para contê-las.

As Cortes portuguesas acham que há um excesso de pedidos de impeachment de presidentes da República, como se esse fosse um problema do regime presidencialista e não das traições perpetradas por quem foi escolhido pelos eleitores para ser inquilino do Palácio do Planalto. E não um problema, igualmente, do oportunismo fisiológico daqueles que, instalados no parlamento, agora concordam com as Cortes portuguesas sobre a mudança de regime político, já antecipando, cobiçosos, os ganhos ainda maiores que lhes serão proporcionados por um primeiro-ministro saído das suas hostes e que, na melhor das hipóteses, será refém contrariado deles todos, porque poderá ser saído do cargo por uma simples moção de censura.

As Cortes portuguesas contam com ministros do Supremo Tribunal Federal brasileiro que, apesar de terem jurado defender a Constituição do Brasil e zelar pelo seu cumprimento, querem reescrevê-la, para mudar o regime político do país, o que deveria ser, no mínimo, motivo de crítica severa da parte dos seus pares, uma vez que não lhes cabe usurpar o papel do Legislativo e muito menos tentar mudar um texto do qual são guardiães, independentemente das suas opiniões pessoais. Um desses ministros, para gáudio das Cortes portuguesas, chegou a dizer que já se vive aqui o semipresidencialismo e que o Supremo Tribunal Federal brasileiro cumpre o papel de Poder Moderador, instância imperial inexistente no texto constitucional da República Federativa do Brasil e completamente estranha às atribuições do Judiciário do país.

As Cortes portuguesas desprezam o fato de que a mudança do regime político brasileiro foi rejeitada pelos cidadãos em dois plebiscitos: o primeiro em 1963, quando o parlamentarismo foi rejeitado por 77% dos cidadãos, e o segundo em 1993, já na vigência da Nova República, quando mais de 55% dos votantes manifestaram-se a favor do presidencialismo. No caso do segundo plebiscito, ele foi realizado como previsto na Constituição de 1988, e seu resultado deveria sepultar de vez quaisquer pretensões de mudança. Para as Cortes portuguesas, contudo, o povo é detalhe.

As Cortes portuguesas escondem que o que se quer é cercear um presidente da República eleito que não compactue com o estado geral — e putrefato — das coisas.

As Cortes portuguesas querem dar um golpe num país que verteu sangue, suor e lágrimas para reconquistar o direito de escolher diretamente o seu presidente.

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