A máquina de propaganda de Bolsonaro
Jair Bolsonaro se gaba até hoje de ter vencido nas urnas gastando uma miséria com marketing nas eleições de 2018, ao contrário dos seus principais oponentes. Só que, com a popularidade corroída pelas crises sanitária e econômica, o presidente nem pensa em repetir a dose em 2022. Pelo contrário, a intenção é limpar os cofres públicos e usar a máquina de propaganda oficial a seu favor.
Com licitações já concluídas ou em fase final, Bolsonaro chegará ao ano eleitoral com cerca de 1 bilhão de reais em contratos de publicidade, para distribuir verbas a veículos de comunicação de todo o país. A fatia mais robusta desse orçamento está concentrada na Secretaria Especial de Comunicação Social, a Secom. O órgão, comandado hoje por um coronel da Polícia Militar do Distrito Federal e vinculado ao Ministério das Comunicações, está concluindo uma concorrência para contratar quatro agências de publicidade que ficarão encarregadas de elaborar as peças publicitárias oficiais e definir em quais veículos elas serão exibidas no ano que vem. O negócio está estimado em 450 milhões de reais anuais, 73% a mais do que o valor atual dos contratos que estão em vigor com três agências e que foram assinados em 2017, no governo de Michel Temer.
O objetivo da contratação fica claro no próprio edital lançado sob o guarda-chuva do ministro das Comunicações, Fábio Faria. O texto diz que a campanha publicitária do governo federal “terá o importante desafio de fazer frente a informações não correspondentes à realidade disseminadas por parte da mídia e em redes sociais” e “deve exaltar o sentimento de confiança, esperança e otimismo dos brasileiros”.
Além das trivialidades, como “valorizar a cultura e as riquezas do Brasil” e “ressaltar a força, a determinação e o talento do povo brasileiro”, a campanha do bicentenário da Independência proposta pela Secom deve “promover um clima de esperança, coragem e otimismo, mobilizando a população com o intuito de aflorar e intensificar o sentimento de patriotismo” e “encorajar a população para uma postura positiva e confiante em relação ao país”. A pasta pede para que as agências elaborem o material tendo como referência um investimento total de 60 milhões de reais com a produção e veiculação da campanha em todo o país, já a partir de janeiro de 2022, e diz que as peças apresentadas pelas empresas que vencerem a licitação poderão ser “ajustadas e executadas” pela secretaria, respeitando as restrições impostas pela legislação eleitoral, que proíbe propaganda institucional, seja do governo federal, seja das gestões estaduais, nos três meses que antecedem as eleições – salvo em casos de reconhecida necessidade pública, como uma crise sanitária.
A Secom não é o único braço do governo a despejar verbas publicitárias em emissoras de televisão, rádios, revistas, sites, blogs e mídias sociais. Os ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional também estão fechando novos contratos com agências de publicidade para promoverem suas obras e programas. No caso da pasta comandada por Tarcísio de Freitas, o valor previsto com propaganda, 14,9 milhões de reais, é o dobro do atual. Já o ministro Rogério Marinho prevê um gasto de até 55 milhões de reais para divulgar, principalmente, os benefícios do Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado no atual governo e que prevê universalizar o acesso à água no país até 2023.
No Ministério da Saúde, cujo chefe, Marcelo Queiroga, cogita sair candidato a deputado federal pela Paraíba no ano que vem, quatro contratos emergenciais foram assinados há dez dias. Eles preveem gastos de 49,7 milhões de reais com publicidade pelos próximos seis meses, enquanto a licitação não fica pronta. A gastança do governo com publicidade é reforçada pelo caixa da Embratur. Antes de deixar a agência para virar ministro do Turismo, no fim de 2020, Gilson Machado, outro provável candidato a uma cadeira no Congresso, deixou pronta uma licitação para contratar duas agências de propaganda por 54 milhões de reais. Nesta semana, o ministério renovou até o fim de 2022 um contrato de 50 milhões com outras duas agências — a lei permite que contratos desse tipo possam ser renovados por até cinco anos. A situação é similar à de duas agências contratadas por 75 milhões de reais em fevereiro deste ano pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES, presidido por Gustavo Montezano, amigo dos filhos do presidente da República.
Os novos contratos reforçam que, depois de reduzir em mais de 50% os gastos com publicidade no primeiro ano de governo, Bolsonaro realmente decidiu apostar pesado na propaganda estatal. Só a chamada administração direta, que engloba as estruturas dos ministérios e não inclui as empresas estatais, gastou 522,4 milhões de reais com publicidade institucional desde o início do governo, segundo dados do Portal da Transparência. Os gastos vêm crescendo e podem bater os níveis recordes da era petista caso o governo execute integralmente os contratos. Hoje, a principal agência publicitária do governo é a Calia Y2 Propaganda e Marketing, que atua em cinco pastas, incluindo a Secom, e já recebeu 164 milhões de reais só neste ano. A agência pertence ao empresário Gustavo Mouco, irmão de Elsinho Mouco, o fiel marqueteiro do ex-presidente Michel Temer, responsável por redigir a carta na qual Bolsonaro recuou dos ataques feitos contra ministros do STF durante os atos do Sete de Setembro.
A propaganda estatal sempre foi uma arma usada pelos governantes de turno para tentar melhorar suas imagens. Em geral, o dinheiro da publicidade privilegia os cofres de emissoras que topam se alinhar ao inquilino da vez do Planalto. Dados das quebras de sigilo fiscal das três agências que atuam para a Secom, obtidos pela CPI da Covid no Senado, mostram que a atual gestão repassou mais verbas de anúncios para as TVs consideradas “aliadas” do atual governo. Só nos dois primeiros anos de governo, foram 35,4 milhões de reais para a TV Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus e líder do ranking, e 32,6 milhões para o SBT, de Silvio Santos, sogro do ministro Fábio Faria. A Rede Globo, emissora da família Marinho, aparece em terceiro lugar, com 27,6 milhões de reais. A distribuição da verba só passou a seguir critérios habitualmente usados pelo mercado a partir deste ano, por determinação do Tribunal de Contas da União.
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