Adriano Machado/CrusoéO tucano sonha com a Presidência, mas enfrenta entraves, como a candidatura de Sergio Moro e o fogo amigo no PSDB

Os obstáculos de Doria

Depois de vencer as conturbadas prévias tucanas, o governador de São Paulo terá de reduzir a rejeição a seu nome e unir o próprio partido se quiser ser um candidato competitivo ao Planalto em 2022
03.12.21

A ascensão meteórica de João Doria na política tornou o tucano refém de uma estratégia midiática que acabou virando uma armadilha para ele próprio. Dois dias após vencer a conturbada disputa interna que o definiu como candidato à Presidência da República pelo PSDB, o governador de São Paulo foi questionado sobre algo que o persegue não é de agora: como reduzir a rejeição para ser competitivo em 2022? Diante das câmeras e do microfone, ele não titubeou – “Fazendo campanha”, respondeu aos jornalistas em entrevista na última segunda-feira, 29, na sede do PSDB paulista. “Amo fazer campanha”, enfatizou, antes de destacar que venceu a eleição ao governo em 2018, mesmo com uma imagem desgastada por ter abandonado a prefeitura da capital com 15 meses de mandato.

Doria acredita piamente que mais exposição irá ajudá-lo a conter a repulsa a seu nome e projetá-lo para além dos 2% que pontua nas pesquisas. O problema é que a raiz da sua rejeição está diretamente associada ao excesso de aparições e à forma como o tucano se apresenta. Os próprios aliados do governador reconhecem que ele está em campanha para presidente desde que se tornou prefeito paulistano, em 2017. Como não conseguiu se viabilizar dentro do PSDB, que naquele ano acabou lançando Geraldo Alckmin, Doria partiu para a corrida estadual, descumprindo a promessa de ficar quatro anos no comando da prefeitura. Elegeu-se no sufoco, pegando carona na onda bolsonarista. É por todo esse contexto que Doria é avaliado por eleitores ouvidos pelo próprio partido como “marqueteiro”“oportunista” e “traidor”.

Divulgação/Governo de SPDivulgação/Governo de SPDoria, que tem 2% nas pesquisas, aposta que será capaz de crescer

“O passivo dele está muito associado a atributos de imagem pessoal”, resume o prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado, um dos articuladores de Doria durante as prévias do PSDB. “O que ele precisa fazer são ajustes em características pessoais, para reduzir sua rejeição e buscar esse eleitor que convergirá, em determinado momento, para uma via”, completou. Por isso, o plano é rodar o país a partir de janeiro, para tentar “humanizar” a figura de Doria. Uma das estratégias é vendê-lo ao eleitor como alguém que enfrentou dificuldades, quando o pai se exilou na França durante a ditadura militar. A questão – e os próprios tucanos admitem isso – é que é difícil olhar para Doria e enxergar nele uma pessoa que realmente passou por maus bocados na vida.

Se quiser se viabilizar eleitoralmente, o governador de São Paulo precisará correr contra o relógio. Para os estrategistas do PSDB, Doria terá de decolar nas pesquisas até março, mês em que se abre a janela do troca-troca partidário, para que não haja uma debandada de parlamentares do PSDB para outros partidos, com receio de terem de carregar em seus santinhos o rosto de um presidenciável nanico, como ocorreu com Alckmin em 2018. Outro risco é o de Doria ser cristianizado – termo usado na política quando o candidato é abandonado por integrantes de sua própria agremiação.

Hoje, o maior obstáculo para os planos de Doria chama-se Sergio Moro, com quem o tucano mantém boa relação e de quem se diz um “admirador”. O ex-juiz da Lava Jato entrou de vez na corrida presidencial há menos de um mês, ao se filiar ao Podemos, adotando um discurso e uma agenda de candidato. Moro já desponta como o nome mais forte da terceira via para romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Uma pesquisa divulgada nesta semana mostra que até em São Paulo, reduto de Doria, Moro aparece em terceiro lugar com uma ampla vantagem sobre o governador paulista: 19% a 3%. Como os dois disputam uma faixa de eleitores com perfis muito semelhantes, os tucanos estão cientes de que, para Doria poder sonhar com uma vaga no segundo turno das eleições presidenciais, ele precisa convencer Moro a abandonar a disputa para apoiá-lo. E isso não ocorrerá se o ex-juiz permanecer na dianteira, ainda mais com uma boa margem de diferença.

Saulo Rolim / Sérgio Lima / Danilo Martins - PodemosSaulo Rolim / Sérgio Lima / Danilo Martins - PodemosFiliado ao Podemos, Sergio Moro é hoje o maior entrave aos planos de Doria

Estrategicamente, Doria se manterá próximo a Moro de olho no eleitor do ex-ministro da Justiça – após o triunfo nas prévias, o tucano propôs um encontro entre os dois. Mas o presidenciável do PSDB adotará uma linha na pré-campanha para tentar realçar algumas diferenças entre eles. Doria quer se vender como o mais capaz de costurar alianças. Enquanto o ex-juiz sofre resistência de setores da classe política pela atuação na Lava Jato, o governador se apresentará aos caciques partidários como o único nome do espectro de centro em condições de reunir as forças do establishment que se recusam a aderir ao petismo ou ao bolsonarismo. Nos últimos dias, Doria definiu o MDB como o partido a ser prioritariamente cortejado e fez um aceno à pré-candidata da legenda, a senadora Simone Tebet, ao dizer que quer uma vice mulher. O governador de São Paulo também negocia com o PSD de Gilberto Kassab, que lançou a pré-candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e com o União Brasil, que nasce como a maior legenda do país a partir da fusão do DEM com o PSL e hoje flerta com Moro. Nas conversas, dirigentes tucanos aliados de Doria se esforçam para emplacar a narrativa de que “não há espaço para um novo outsider como Sergio Moro” nas eleições do ano que vem e que a “tendência é que o ex-juiz da Lava Jato fique isolado, e comece a cair nas pesquisas, quando os ataques de petistas e bolsonaristas iniciarem para valer”.

É nesse cenário otimista, em que supostamente tudo daria certo para ele e, ao mesmo tempo, tudo daria errado para Sergio Moro, que Doria aposta em crescer na disputa e virar um jogo hoje totalmente desfavorável a ele. O tucano só não pode exagerar na dose, como fez durante a pandemia, quando explorou exaustivamente a vacina Coronavac, viabilizada por seu governo, mas evitou os holofotes quando o imunizante não alcançou a “eficácia eleitoral” desejada. Para ajudá-lo na empreitada, até o início de 2022, o governador de São Paulo espera definir quem será o marqueteiro da campanha – os favoritos são Lula Guimarães, que fez a eleição do tucano a prefeito em 2016, e o argentino Guilhermo Raffo, que atuou na campanha de Aécio em 2014. Antes mesmo de bater o martelo sobre o chefe de sua equipe de marketing, o governador de São Paulo ainda precisará equacionar um problema quase insanável dentro de seu quintal, se não quiser ser largado na estrada por integrantes da própria legenda. Historicamente dividido por brigas entre caciques regionais, o PSDB saiu ainda mais rachado das prévias concluídas no último sábado, 27. Derrotado na disputa marcada por troca de acusações de fraude e compra de votos, o governador gaúcho Eduardo Leite não demonstra nenhuma disposição em se engajar na campanha de Doria.

Felipe Dalla Valle/Palácio PiratiniFelipe Dalla Valle/Palácio PiratiniApós as prévias, o futuro de Eduardo Leite no partido ainda é uma incógnita

Visivelmente estremecido com o adversário nas prévias, Leite ensaia tomar dois caminhos: liderar uma dissidência dentro do PSDB, apoiando outra candidatura ao Planalto mais viável eleitoralmente, ou mesmo deixar o partido. “Vamos ter que acompanhar agora que tipo de condução o Doria vai dar. Pretendo ficar no PSDB, onde estou há 20 anos. Agora, se o PSDB deixar de ser o PSDB, estaremos diante de outra situação”, disse Leite a Crusoé. O discurso, embora na condicional, é a brecha que Eduardo Leite encontrou para justificar um eventual rompimento mais adiante. O gaúcho não descarta, inclusive, uma possível aliança – formal ou informal – com Sergio Moro, com quem tem encontro marcado neste sábado, 4: “É uma candidatura, sem dúvida nenhuma, protagonista no processo e deve haver um esforço de construção”.

Se decidir por capitanear uma ala dissidente no tucanato, no caso de permanecer no partido, Leite terá ao seu lado o deputado mineiro Aécio Neves, que foi o principal fiador de sua campanha nas prévias. Além de jogar contra a candidatura presidencial tucana em 2022 – ele já havia feito isso em 2006 e 2010 –, Aécio deve deflagrar uma guerra interna com o grupo de Doria por recursos do fundo eleitoral que são divididos pelo partido entre as candidaturas a presidente, governador, senador e deputados federais e estaduais.

Já se resolver deixar o PSDB num futuro próximo, Leite adotará o mesmo movimento que foi feito por Geraldo Alckmin, apontado como padrinho político de Doria em 2016. Tucano histórico, o ex-governador acusou o atual presidenciável da sigla de traição em 2018. Agora, cogita até uma outrora impensável aliança com Lula para ser vice do petista em 2022. No PT, a chapa “Frankenstein” Lulalckmin nasce com o objetivo, segundo seus dirigentes, de “liquidar a eleição no primeiro turno”. Além da petulância retórica, trata-se de uma jogada de altíssimo risco. Falta combinar não só com o eleitor como com o próprio petismo. Correntes expressivas do PT torcem o nariz para Alckmin. Num passado nem tão distante assim, Alckmin foi tachado pelos petistas, de forma altamente pejorativa, como “o candidato da Opus Dei”, braço ultraconservador da Igreja Católica. No PSDB, comenta-se que nem o obstinado Doria, que tem muito trabalho a fazer se quiser ser um candidato competitivo em 2022, ousaria tanto.

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